É preciso que as pessoas que estão ao nosso lado tenham sentido pra gente, e nós estamos perdendo isso, e com isso perdemos o melhor que nós temos. A pessoa que está do nosso lado, eu preciso saber quem é, saber dos seus sonhos, dos seus projetos. Eu preciso conhecer quem está do meu lado, porque a gente só ama quem a gente conhece. Se eu não conheço, não posso amar. E numa comunidade onde muitas coisas são importantes, há algo que é mais importante ainda, e é justamente o amor. Mas não é amor que está por aí flutuando no espaço como se fosse uma ideia, mas o amor que se torna solidariedade, compaixão, ternura, que se torna bondade...
Quando eu penso na festa de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, vocês, jovens que estão aí vestindo o uniforme do seu terno de Congo, de Moçambique às vezes podem achar que isso é brincadeira, folclore, um jeito de passar um domingo diferente, mas não é assim. Vestir esta farda que você está vestindo, colocar nos seus pés a gunga (pequenas latas com pedacinhos de chumbo dentro- grifo nosso), tomar nas mãos, os bastões de comando, os instrumentos que vocês tocam, estão fazendo um resgate profundo de uma história de centenas de anos.
E uma história que traz consigo muita dor, muito lamento, por isso o tom do Moçambique é de lamento. Mas uma história que traz também muitas conquistas, muita vitória, porque muita coisa boa foi feita. Não é folclore, não é uma simples tradição. É, sim, a vida de um povo. É a alma de um povo. É a história de um povo, de suas lutas, de suas vitórias, de suas alegrias e tristezas. Quando hoje tocam uma caixa de Moçambique, uma caixa do Congo é toda uma história que é trazida de novo à nossa consciência, a nós que estamos aqui hoje, sucedendo gerações.
Mas é preciso que entendamos que, além do que é celebrado hoje, da alegria manifestada hoje, temos um compromisso com a solidariedade que precisa existir entre os ternos de Congo e Moçambique, entre aqueles que são sensíveis ao que está acontecendo aqui hoje.
Eu me lembro quando conversei com a rainha Lucimar, quando ela se apresentou como rainha, eu lhe disse que seu compromisso, não era só durante a festa. Mas o ano inteiro, porque ela é chamada como que a Grande Mãe, que acolhe a todos, que é solícita com todos, que se faz presente na vida de todos e que junta a comunidade nos momentos de alegria e de dor.
Quando eu aceitei o convite para vir celebrar com vocês, eu o fiz com muito carinho de estar aqui com vocês no meu coração. O motivo da minha presença aqui, é poder celebrar com vocês, sim, mas sobretudo, fazer um pedido: deem sentido à vida de vocês, deem sentido às famílias de vocês. Nós vivemos num momento em que as coisas vão perdendo o sentido e é preciso resgatar isso. É preciso que resgatemos o valor da pessoa humana, o valor da família, o valor da comunidade. É preciso que resgatemos o valor de estarmos juntos, porque há sonhos que são comuns, esperanças e desejos que são comuns e isso precisa nos unir...
E a vocês, capitães, cabe também essa responsabilidade. Não é só conduzir o Terno, enquanto toca e canta, mas ajudá-lo a se conduzir pela vida. O Capitão é aquele que é chamado a estar junto... Então, caros amigos e irmãos, estarmos aqui hoje, é muito mais que folclore, muito mais que cultura, é o resgate da história e da vida de um povo. E é preciso que isso seja compreendido para que possa ser valorizado, por isso precisamos redescobrir o valor, a importância, o significado de quem está do nosso lado...
Se tomarmos consciência de que somos responsáveis uns pelos outros, isso muda tudo. Muda em casa, na rua, no bairro, muda na comunidade que frequentamos, muda na cidade onde moramos, porque nos tornamos responsáveis pelo outro.
Resgatem isso! Façam com que a Festa de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia não termine hoje, mas que ela se prolongue até a festa do ano que vem, um cuidando do outro. Que o amor de vocês seja maior que as diferenças, os posicionamentos, os gostos... Porque há algo maior que nos une, somos todos filhos de Deus, por isso, somos todos irmãos ...”, finalizou, cantando:
“Ê mamãe, abraça eu, mamãe. Embala eu, mamãe, tem dó de mim...”
Mons. Valmir Ribeiro