À minha mãe e à d. Maria Leite,
estes pingos de sentidas lágrimas...
Manhã de 1º de novembro de 1918
Banhada por quatro arroios de águas claras, Sacramento, tácita e silenciosa, dorme velada pelo espectro sinistro da gripe de 1918!
“As virgens mortas,” - estrelas que durante a noite cintilaram no “velho engaste azul do firmamento”- derramaram sobre a cidade um chuveiro de lágrimas sentidas. E as brisas dos chapadões do Azagaia, osculando as campinas verdejantes do município, espargiram no ar os sons merencóreos da elegia da dor e juncaram de flores o solo que estremecia.
A cidade assemelhava a vasta necrópole, onde os gemidos dos pobres se misturavam com os soluços dos ricos. E os quatro arroios de águas claras, desenrolando seus rosários de lágrimas ardentes, choravam, murmurando baixinho uma canção tão triste, nesse dia triste.
Nunca amanhecera um dia como esse, taciturno assim.
As ruas, ermas e desertas, lembravam-nos alamedas de cemitérios. Tudo era tristeza e luto, dor e lágrimas inesgotáveis.
Todos pareciam dormir o sono perenal da dúvida... Pareciam, digo eu, dormiam certamente, porque quando acordaram foram surpreendidos pela monotonia sinistra desse dia infausto.
Olharam o nascente e não viram o Sol, a alegria do mundo, porque o próprio Sol era tristeza e, para chorar a gosto, ocultara-se por detrás de pesado crepe da atmosfera, que também se trajara de luto, comparticipando da tristeza da terra das águas claras.
Escrutaram as árvores e viram que elas choravam copiosamente, porque, na verdade, o rocio cristalino que se lhe depusera no verde retinto das folhas não era senão a lágrima dilacerante da Primavera vaidosa, que se enfeitara tanto para amanhecer chorando nesse dia triste...
E a natureza, nossa mãe, debruçada sobre si mesma à borda dos arroios das águas claras, representava-nos a imagem da angústia infinita dos seres e das cousas que contavam, chorando, uns aos outros, o segredo de sua desventura, - a nova infausta desse dia triste:
BARSANULPHO É MORTO... ALELUIA...
(Poema publicado no jornal A Semana, de 20.09.1925)