Publicada pelo Vaticano, no último dia 18, a Encíclica Papal sobre o Meio Ambiente, “Laudato Si”, do Santo Padre Francisco, já está sendo chamado de a 'Encíclica 'Verde', pelo título “Sobre o cuidado da casa comum”. Nela, o Papa diz temer que o controle da água por parte das grandes empresas mundiais termine por provocar uma guerra neste século. Ele culpa a humanidade pelo aquecimento do planeta e pede mudanças em estilo de vida.
Assim inicia a Encíclica: “LAUDATO SI, 'mi' Signore – Louvado sejas, meu Senhor”, cantava São Francisco de Assis. Neste gracioso cântico, recordava-nos que a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços: “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verdura”. A aceitação foi imediata e rendeu entrevistas, como por exemplo a do teólogo Leonardo Boff, no Jornal do Brasil, no dia 21/06, além de vários artigos referentes ao assunto, um deles, o de Roberto Malvezzi.
“A encíclica ecológica do Papa começa na dose mais vasta e profunda que poderia ter: 'Nós somos terra. Todo nosso corpo é constituído de elementos do planeta, seu ar é aquele que nos dá a respiração e sua água vivifica e restaura'. Esse é o ponto de partida exato de qualquer reflexão sobre a vida na Terra. Do ponto de vista biológico, somos qualquer animal, parte da terra, dependentes dela e, sem água, sem comida, sem ar, sem um ambiente próprio para a vida, morremos como todos os outros animais. Lembrando São Francisco, o Papa diz que a Terra é “mãe e irmã”. Portanto, toda a comunidade da vida só pode ser entendida nessa irmanação universal.
O Papa não esquece, desde o início da encíclica, de lembrar que a Terra está “oprimida e devastada” e, retomando Paulo em Romanos 8, reafirma que ela “geme em dores de parto”. Retoma Paulo VI no número 5 e recorda que os avanços técnicos, científicos, se sozinhos, podem conduzir a Terra e a humanidade a uma catástrofe, se não forem acompanhados de um autêntico desenvolvimento “social e moral”. Portanto, retoma a questão ética colada à técnica.
E propõe como saída a mudança do estilo de vida, também no modo de produção e consumo. Ele retoma Bento XVI para reafirmar que o problema é “estrutural”. Ainda como fundamento da reflexão, Francisco lembra que a destruição do ambiente está vinculada a uma cultura de morte, que agride também o ser humano. Essa realidade, a Pastoral da Terra experimenta e reflete há anos: “Aqueles que destroem as florestas e rios, são os mesmos que mataram Chico Mendes e Irmã Dorothy”. O Papa segue a partir daí com fatos já sobejamente conhecidos: consumismo, deflorestação, lixo, mudanças climáticas e todas suas causas e efeitos, etc., fazendo do planeta um “lugar de imundícies” (número 24). Destaca a questão da água e da biodiversidade, inclusive da invisível, fundamental para os solos, plantas e reprodução da vida (número 34).
Francisco ainda chama a atenção que “o grito da Terra é o grito dos pobres” (49), realçando que a questão é socioambiental. No número 41 o Papa toca o dedo na ferida, afirmando que a responsabilidade fundamental por essa crise vem do Norte, dos países desenvolvidos, que exploram os países do sul, inclusive transferindo para esses a produção suja que não querem ter em seus próprios territórios. Aquilo que chamamos de “injustiças socioambientais”.
Na parte do “julgar” – não está com esse nome, mas o documento segue a lógica do Ver, Julgar e Agir – a ênfase será no texto bíblico do “cultivar e guardar” (Gen. 2,15), no Cristo Cósmico e na redenção da criação (Rom. 8). No “agir”, assume praticamente todas as boas lutas socioambientais que fazemos – agroecológica, energia, transportes, preservação das florestas, cidades dignas do ser humano, mecanismos globais para controle do efeito estufa, mudanças climáticas, etc. -, portanto, nada de novo. Por fim, a necessidade de mudar o “modelo global de desenvolvimento”(194). Essa é a grande síntese.
Para nós, cristãos, aponta a necessidade de uma “Espiritualidade Ecológica” (Capítulo Sexto, 202). Implica a mudança do “estilo de vida”, “uma educação para o respeito ao ambiente”, que começa nas atitudes do cotidiano e se amplia para a globalidade, enfim, a “conversão ecológica” (216), que é alegre, contemplativa, cuidadora, sóbria, que gosta de arte, de música, celebrações (inclusive eucarística), enfim, sem o consumismo crasso da sociedade contemporânea.
O texto conclui com uma bela oração sobre a criação. O novo desse texto para nós, aqueles que fazemos esse caminho há tantas décadas, é que agora nos vejamos plenamente contemplados num documento oficial do Vaticano. Que o documento produza os frutos semeados. Sem dúvida, sinal dos tempos.
(*) Roberto Malvezzi 62 é filósofo, teólogo, músico, escritor, que em 1979 largou a cidade grande e partiu para o semi-árido baiano e nunca mais voltou. Em 1980, incorporou-se definitivamente nas Pastorais Sociais da Diocese de Juazeiro (BA), onde reside).