Desde os tempos antigos a Quaresma foi considerada como um período de renovação da própria vida. As práticas a serem cumpridas eram, sobretudo, três: a oração, a luta contra o mal (penitência) e o jejum.
A oração, para pedir a Deus forças para converter-se e acreditar no Evangelho. A luta contra o mal, para dominar as paixões e o egoísmo. Por fim, o jejum. Para seguir o Mestre, o cristão deve ter a força de esquecer-se de si mesmo, de não pensar no próprio conforto, mas no bem do seu irmão. Assumir uma permanente atitude generosa e desinteressada é de fato difícil. Este é o jejum.
Mas pode o sofrimento ser uma coisa boa? Como pode agradar a Deus a nossa dor? Não! Deus não quer que soframos. Todavia, para ajudar o necessitado, é preciso muitas vezes renunciar aquilo que agrada e isto custa sacrifício.
Não é o jejum em si que é bom (às vezes, é feito por motivos que não têm nada a ver com a religião: há quem se alimente com parcimônia simplesmente para manter-se em boa forma física, para estar com boa saúde). O que agrada a Deus é que, com o alimento que se consegue economizar com o jejum, se pode aliviar a fome do irmão.
Um famoso Papa dos primeiros tempos da Igreja, chamado Leão Magno, dizia numa homilia: “Nós vos prescrevemos o jejum, lembrando-vos que não só a abstinência, mas também as obras de misericórdia. Deste modo, o que tiverdes economizado nos gastos normais se transforme em alimento para os pobres”.
Vimos que a Quaresma é um tempo de renovação e o apóstolo Paulo nos apresenta uma das formas de renovarmos a nossa vida: “deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5, 20). Reconciliar com Deus significa disponibilizar-se ao seu amor misericordioso. Experimentar a sua misericórdia infinita. E “a Quaresma, é o tempo privilegiado no qual a Igreja é chamada a mostrar de forma mais evidente o rosto misericordioso do Pai”.
Estamos vivendo o Ano Santo da Misericórdia e o papa Francisco, no documento de proclamação do jubileu, nos faz a seguinte convocação: “A Quaresma deste Ano Jubilar seja vivida mais intensamente como tempo forte para celebrar e experimentar a misericórdia de Deus. Quantas páginas da Sagrada Escritura se podem meditar, nas semanas da Quaresma, para descobrir o rosto misericordioso do Pai!
Com as palavras do profeta Miquéias, podemos também nós repetir: Vós, Senhor, sois um Deus que tira a iniquidade e perdoa o pecado, que não se obstina na ira, mas se compraz em usar de misericórdia. Vós, Senhor, voltareis para nós e tereis compaixão do vosso povo. Apagareis as nossas iniquidades e lançareis ao fundo do mar os nossos pecados”. (cf. 7, 18-19)
Prossegue o Papa: “As páginas do profeta Isaías poderão ser meditadas de forma mais concreta, neste tempo de oração, jejum e caridade. “O jejum que me agrada é este: libertar os que foram presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, por em liberdade os oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão, repartir o teu pão com os famintos, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus e não desprezar o teu irmão. Então, a tua luz surgirá como a aurora, e as tuas feridas não tardarão a cicatrizar-se. A tua justiça irá a tua frente, e a glória do senhor atrás de ti. Então invocarás o Senhor e Ele te atenderá, pedirás auxílio e te dirá: “Aqui estou!”.
Se retirares da tua vida toda a opressão, o gesto ameaçador e o falar ofensivo, se repartires o teu pão com o faminto e matares a fome ao pobre, a tua luz brilhará na escuridão, e as tuas trevas tornar-se-ão como o meio dia. O Senhor te guiará constantemente, saciará a tua alma no árido deserto, dará vigor aos teus ossos. Serás como um jardim bem regado, como uma fonte de águas inesgotáveis” (Is 58, 6-11)
Conclui o Papa que “somos chamados a viver de misericórdia, porque, primeiro, foi usada misericórdia para conosco”. “Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7).
A Quaresma possibilita assim a constante mudança de vida que a Sagrada Escritura pede. No Brasil, durante o período quaresmal, a Igreja realiza a Campanha da Fraternidade, que a partir do Evangelho nos convida a um caminho de libertação pessoal, comunitário e social. A Campanha da Fraternidade deste ano é ecumênica e tem como tema o saneamento básico; Casa Comum, Nossa Responsabilidade. O lema “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5, 24). As Igrejas irão refletir e rezar juntas, pois a responsabilidade pela Casa Comum é de todos.
Peçamos a Maria, Mãe de Misericórdia, “que nunca se canse de volver sobre nós seus olhos misericordiosos e nos faça dignos de contemplar o rosto da misericórdia, seu Filho Jesus” (MV, nº 24) e nos ajude a cuidar de nossa Casa Comum.
(*) Pe. Sérgio Márcio de Oliveira
Pároco da Basílica