Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

E OS SINOS VOLTAM A REPICAR

Edição nº 1530 - 12 de agosto de 2016

Há algum tempo, o cair da tarde para as crianças de uma pequena cidade que voltavam da escola, acontecia sob as bênçãos de Maria. Um bando de crianças alegres, descalças, suadas, brincavam de cantigas de roda, pulavam corda, carimbadas, peteca, enfim, o entardecer justificava tamanha alegria. Tanto fazia se tais brincadeiras ocupassem as calçadas ou a ruas da cidade, afinal, nessa hora do dia, não passava por ali nem carros, nem carroças, nem bicicletas, pois os adultos, após o trabalho, já estavam de volta para as suas casas. Seis horas. A tarde vinha caindo, a noite chegando... Da Igreja Matriz, repicavam os sinos e, do alto falante, ouvia-se, por todos os espaços da cidade, o canto da Ave Maria. Por alguns segundos, a música e os sinos interrompiam as brincadeiras das crianças. A hora era sagrada; aprendíamos isso com   os nossos pais e avós. Em silêncio, as crianças faziam o sinal da cruz e rezavam a Ave Maria. Algumas crianças, pertencendo a outras credos religiosos, não faziam esse sinal, pois não era uma prática comum às  suas crenças. Em vão, tentávamos convencê-las a seguir o grupo, mas isso não acontecia.   É a hora do “Angelus”: O Anjo do Senhor anunciava a Maria Sua maternidade As emissoras de rádio interrompiam sua programação para saudarem Maria! Alguns radialistas faziam inspiradas orações. Ah! são bem saudosas essas lembranças colhidas dos arquivos da memória. Mas tudo foi mudando. O tempo, como se batesse suas asas, “rodou num instante nas voltas do meu coração”. O cenário  agora é outro. A cidade é grande. Carros, motos, ônibus, buzinas. Alto falantes anunciando as vantagens de seus produtos. Um barulho ensurdecedor vem de todos os cantos da cidade. Uma loucura!  Gente pra lá, gente pra cá. Todos muito apressados. Ninguém se preocupa  com ninguém. Cada qual na sua, o resto que se cuide!  Seis horas da tarde. O céu começa a escurecer e as luzes vão se acendendo. A agitação é cada vez maior. Nesse burburinho infernal, estranhamente, vindo do centro da cidade, os sinos da igreja começam a repicar, e não só os sinos, bem alto, confundindo os nossos ouvidos, surge o canto da Ave Maria.    A voz é conhecida.    É  Edmar Ferretti que nos convida a saudar  Maria. Coisa estranha! O contraste é tão grande que parece distorcer nossa percepção. O padre enlouqueceu? Não percebe  que o repicar dos sinos e o cântico da Ave Maria estão invadindo o espaço público?  O entrechoque que se estabelece entre o barulho das ruas, os sinos e oração cria um contraste difícil de se entender. Isso é permitido, senhor padre? O nosso povo não está acostumado com coisas assim. Quem passa por ali, naquele momento, percebe o inusitado com um certo estranhamento. As reações são diferentes: Lindo para alguns, dispensável para outros. Uns se sentem convidados a entrar no templo, outros, nem se dão conta, mas o convite  permanece.Com insistência. Talvez o padre queira levantar uma questão, pois afinal, ouvir o repicar dos sinos não é coisa simples, é significativo.  Sino tem linguagem própria! Eles falam! São invocadores!  Aceleram corações. Eles têm códigos específicos capazes de suscitar ora boas lembranças, ora muita tristeza. Ora paz, ora inquietude, silêncio ou dor, mas nunca indiferença.  Fica-nos, então, a pergunta do romancista: “Por Quem os Sinos Dobram? E ele responde:”” Eles dobram por você.” Repetimos, então, a pergunta do romancista: E  você, ao ouvir os sinos, que sentimentos afloram  do seu coração?
Mariù Cerchi Borges