O verbo “Ficar”, no linguajar dos adolescentes de hoje, expressa uma aproximação “amorosa” cujas características principais são: a falta de compromisso e de duração. O “Ficar” permite trocas de carinho, afagos, beijos e, algumas vezes , até uma aproximação mais íntima .O importante nessa relação é haver alguma atração de um para com o outro .Essa atração por si já justifica o “Ficar” que pode durar algumas horas, dias, semanas e, algumas vezes, até meses. Não existem regras fixas e nem critérios para o “Ficar”. Numa mesma festa , caso apeteça, o jovem pode “Ficar” com mais de uma garota(o) desde que, repito, haja alguma atração entre eles. O que fundamenta portanto, o “Ficar” é , justamente, a falta de compromisso, de afeto, de apego, de paixão. Ficou, ficou. Passou, passou. Vale o momento.
Santo Tomás de Aquino (1.200/1274), na sua Teoria do Conhecimento, aponta para os riscos do que ele denomina paixão antecedente, ou seja, a posse do objeto passando apenas pelo desejo, sem que o verdadeiro conhecimento, via inteligência, se processe. Para ele, conhecer o objeto que se deseja é fundamental e deve anteceder à posse do mesmo, o que evitaria erros de interpretação e escolha.
O desejo, expresso através do ato voluntário no entender do filósofo, teria que resultar desse conhecimento e não antecedê-lo, sendo essa a verdadeira via pela qual o conhecimento intelectivo devesse se processar. A inversão, nesse processo (paixão antecedente),traria consequências no processo do conhecimento favorecendo escolhas inadequadas.
Transportando esta teoria para o “Ficar” percebemos que, nas aproximações dos jovens através do “Ficar”, esse conhecimento antecedente já fica descartado. As conseqüências dessa inversão no processo do conhecimento , conforme já foi dito, favoreceria escolhas inadequadas .
O romantismo, embora inerente ao ser humano , fica comprometido nessa nova forma de aproximação. O “ Ficar” não abre espaços para isso.
Assim, a sofrida e deliciosa espera pelo telefonema prometido ...as flores no aniversário, a música que os aproximou, as fotos dos bons momentos, o perfume personalizado, o olhar sedutor, o afeto , o aperto de mão, os beijos roubados, o aniversário de casamento .... onde ficariam? sepultados no passado? Em que espaços do coração seriam guardados os bons momentos?
Então, perguntamos :Como ficaria o amor, se na concepção atual desse sentimento a operação mental do conhecimento fica descartada? Quais os desdobramentos que poderiam resultar dessa nova concepção expressa no “Ficar”? Haveria na memória ancestral registros capazes de resgatar os moldes da antiga forma de amar? Como entender esse “recuo emocional' frente a esse sentimento tão vital ao ser humano?
Elizabeth Badinter, no seu livro “UM É O OUTRO” diz : “não se destrói impunemente uma relação homem e mulher”... penso, que alguém pagará por isso.
O que esperamos, com sinceridade, é que essa juventude, vítima de tantos desencantos encontre novos caminhos para a vivência desse sentimento que só poderá ser verdadeiro quando fundamentado em princípios que respeitem a própria destinação do homem.
Que essa juventude encontre, “devagar e urgentemente”, esse caminho antes que a deificação dos sentidos o massacre para sempre.
(*) Mariù Cerchi Borges