Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

O sonho de Dédalo

Edição nº 1366 - 14 Junho 2013

- Pai! Qual é mesmo o nome mesmo do Sr. Déda?

- Não faço a mínima ideia... Deve ser Dédalo!

Acordei com um rangido diferente nas articulações, um som meio desarticulado... Mudo. Não fui trabalhar em função desse rangido... Desse som desarticulado. Mas enquanto minha mãe voltava da padaria, me veio com a notícia.

- Perdemos mais um grande amigo, vou fazer uma oração.

Lembrei-me de minha interrogação que havia ficado em minha memória visual lá nos anos de 1979, quando frequentava os bastidores do futebol sacramentano, juntamente com o meu pai, o Curtume. A figura esguia e séria do Sr. Deda nunca saiu de minha memória sempre visual. Sério. Sem deixar de ser simpático! Magro. Sem deixar de ser atlético! Fala mansa e sempre cordial, um português bem aplicado, movimentos das mãos curtos e expressivos, poderosos sobrancelhas pretas emolduravam uma face pequena... E, ah, sim... Ele usava boinas inglesas. Sua marca indelével até mesmo há pouco tempo quando fui visitá-lo em casa para uma entrevista. 

O meu pai sempre frequentava os bastidores do futebol sacramento na condição de um militante do esporte na cidade, e sempre me levava à tira colo, como fazia com os outros filhos e filhas. E lá estávamos nós ao fundo do gol do campo dos Marianos, e o seu Deda estava lá. Ao fundo do gol do XIII de Maio... e o seu Deda estava lá. Na Praça de Esportes, o seu Déda também estava lá. Na AABB o seu Deda estava lá. E sem falar no Atlético onde foi desde sua fundação, em 1952, a vida do homem que falava um português bem aplicado em gestos curtos embaixo de boinas inglesas.

- Pai! Qual é mesmo o nome mesmo do Sr. Deda?

- Não faço a mínima ideia... Deve ser Dédalo!

Foi assim em 1979, quando após horas conversando, os dois militantes, em um fim de sábado à tarde, a caminho dos Marianos, para assistirmos a mais um jogo nos bastidores dos times, foi que fiz esta pergunta. E ela nunca mais me saiu da memória, quando passava pela calçada do Atlético, das poucas vezes que me permiti por lá andar, em um mundo caba vez mais corrido onde tinha apenas os finais de semana, para rever família e amigos. 

Somente vinte e nove anos depois fui saber o nome daquele homem fino de poderosas sobrancelhas pretas que me recebia em sua casa e me mostrava à sombra de suas boinas inglesas a história do esporte sacramentano, guardado por ele em recortes de jornais, fotos mil, flâmulas, adesivos, brasões documentos históricos todos guardados em sua biblioteca particular. Tive a oportunidade de conhecer um pouco desses arquivos e tive a felicidade de escutar por horas suas histórias. Da fundação do clube XIII de Maio, da fundação do clube da Congregação Mariana, da fundação do Estádio Municipal, da fundação do Clube Atlético Sacramentano, da fundação da praça de esportes, da AABB, do poliesportivo, da participação em campeonatos, diretoria de em vários clubes, viagens, sonhos, o amor à família, à política, ao esporte, a Sacramento. 

- Pai! Qual é mesmo o nome do Sr. Deda?

- Não faço a mínima ideia... Deve ser Dédalo!

- Dédalo...o que é Dédalo, pai?

- É o nome de um homem. Um homem visionário. Um homem mitológico! Um homem que ousou voar!

 

Julio César é Sociólogo, escritor, autor do livro, entre outros, “Sobre Melros pássaros-pretos e borboletas”.