O argentino Jorge Mario Bergoglio, desde ontem Papa Francisco, foi o primeiro a brincar com a sua origem não-europeia, ainda no balcão virado para a Praça de São Pedro: "Parece que os cardeais me foram buscar ao fim do mundo."
E, sim, após mais de mil anos, os católicos voltam a ter um chefe máximo oriundo de fora do Velho Continente. Não um norte-africano ou um médio-oriental como houve nos primórdios da Igreja, mas alguém desta vez mesmo de muito longe, de além-mar, do hemisfério sul.
Nunca foram tantos os cardeais não-europeus no conclave, como agora nestes dois últimos dias. Eram 55 em 115, vindos das Américas, mas também de África, da Ásia e até um da Oceânia. E isso fazia crer que havia fortes possibilidades de ser escolhido um homem que refletisse a imensa diversidade dos crentes, hoje muito mais numerosos no resto do mundo do que na Europa.
Já em 2005, quando a escolha recaiu sobre o alemão Joseph Ratzinger, depois Bento XVI, muitos votos terão ido de início para este mesmo Bergoglio. Porém, era ainda cedo para a experiência e então o cardeal Ratzinger quase que surgia como o herdeiro designado de João Paulo II.
Agora fez-se justiça à demografia e à geografia. Brasil, México, Filipinas, Estados Unidos, todos têm mais população católica do que Itália, o bastião europeu, país onde se ergue Roma, a cidade que acolhe o Vaticano. Mas mais justiça se fez ainda ao eleger-se um latino-americano e, acrescente-se, um de língua espanhola.
Nenhuma língua é mais falada por católicos do que o castelhano, com quatro nações entre os dez grandes países crentes, e isto sem contar com os Estados Unidos, onde a minoria hispânica se afirma cada vez mais.
Mas fará mesmo diferença um Papa não-europeu? Para lá do simbolismo, para lá da mensagem de universalidade que reforça a Igreja, a resposta depende da ação de Francisco. Ser o primeiro Papa a usar o nome do santo dos pobres pode indicar uma preocupação com o social, natural num homem com fama de modéstia e que vem da zona do mundo onde maiores são as desigualdades.
E um Papa atento aos fenómenos económicos e sociais, como já o foram João Paulo II e Bento XVI, é importante mesmo para os não-crentes, por ser desde o descrédito do comunismo soviético o único contraponto de peso a uma ordem mundial dominada pelo capitalismo e os espíritos neoliberais.
Ao até agora cardeal de Buenos Aires, o primeiro jesuíta à frente da Igreja, exige-se também que ponha ordem na sua própria casa. A resignação de Bento XVI mostra que desde os escândalos de pedofilia até às eternas suspeitas sobre o banco do Vaticano há uma carga sobre o sucessor de Pedro, seja quem for, que assume tamanho peso que até motivou um ato de renúncia que não acontecia há seis séculos.
Há ainda que lidar com os desafios da sexualidade, das novas formas de família e do lugar da mulher na Igreja. Disso, mais do que disse e fez no passado, ao condenar o casamento homossexual, dependerá se Francisco fica como um papa que veio do fim do mundo ou antes alguém que trouxe um novo mundo ao catolicismo do século XXI.
Liliana Lavoratti (Internet)