Havia entre mim e Ir. Benigna uma cumplicidade de ternura e afeto, que começou no dia 2 de janeiro de 1963, nas escadarias do prédio original da Santa Casa de Misericórdia de Sacramento. Tinha 14 anos. Ali estávamos os alunos do 1º ano do Curso Normal (Magistério) para saudar as irmãzinhas portuguesas da congregação francesa, Saint Joseph de Cluny, que chegavam para administrar a Santa Casa, Me. Antônia, Ir. Benigna, Ir. Mafalda, Ir. Izabel e Tereza Vaz.
A revolução liderada por Madre Antônia começou por transformar a realidade tão deprimente de nossa Santa Casa de Misericórdia, a começar por uma assepsia geral nas dependências, nos instrumentos, nos lençóis, fronhas, cobertores, além das incipientes medidas para uma futura profissionalização de seus enfermeiros.
As primeiras irmãs superioras da casa, como administradoras da Santa Casa, assim como algumas de suas irmãs, no trabalho direto como enfermeiras do hospital, completavam de forma admirável o já primoroso trabalho do corpo médico daquele nosocômio, que tinha entre seus abnegados médicos, naquele início dos anos 60, Dr. José Valadares da Fonseca, Dr. João Cordeiro, Dr. Fábio de Melo Bernardes, Dr. Clemente Vieira de Araújo, Dr. Milton Skaff, Dr. Francisco Paulino da Costa...
As irmãzinhas de Cluny levaram não apenas profissionalismo, segurança e responsabilidade àquela Casa Santa, mas ternura, paz e compreensão a todos os seus enfermos e um relacionamento entre seus servidores de um verdadeiro apostolado.
Nas pessoas de quatro queridas irmãs que passaram pela Santa Casa, Ir. Tereza, Ir. Juliana, Ir. Maria e Ir. Mafalda, gostaríamos de saudar todas as irmãzinhas que ali serviram e doaram parte de sua vida religiosa.
O trabalho da Congregação S. Joseph de Cluny se estendeu também à cidade. A Escola Coronel recebeu a graça de incluir no seu quadro pessoal a professora, Irmã Maria Benigna de Jesus Martins. Mestra e artista, cantora e compositora, escritora e poliglota; e nossa Ir. Mafalda do Menino Jesus, que hoje, no alto de seus quase 93 anos, nos brinda com sua tão carinhosa visita, para abrir esse cinquentenário.
À igreja de Mons. Saul Amaral a Congregação levou, através de suas irmãs, não apenas o seu conhecimento profundo de liturgia, mas o olhar de mãe e apóstola aos pobres da cidade.
É válido dizer que a Congregação de Saint Joseph de Cluny foi uma congregação além de seu tempo.
Ir. Benigna, nos passos de sua fundadora, a beata Ana Maria Javouhey, arrastava a juventude para o que nos alertava nas aulas de Sociologia: 'Tomar consciência dos problemas sociais do mundo'. Do que a Igreja poderia fazer pelos pobres de Traz do Morro, pejorativamente chamado de 'Cata Osso'.
Bradando sobre as injustiças daqueles que têm tanto e outros nada, lançava os seus alunos a um pioneiro trabalho de levantar as necessidades e condições de vida e de moradia daqueles que viviam abaixo da linha da pobreza.
Com a Congregação de Cluny nasceu a Obra Social João XXIII.. Aprendi muitas lições de amor e caridade acompanhando essas destemidas irmãs no então bairro Traz do Morro. Nessa militância junto aos mais pobres aprendi que, para as filhas de Javouhey, dentro de seu carisma, 'nada é mais sagrado do que a pessoa humana'.
Com Luiz Rodrigues, Miguel Alcanjo, Romim, Ítalo Cerchi, acompanhados por Ir. Benigna, formamos as primeiras Comunidades Eclesiais de Base, antecipando ao que os bispos latino-americanos só falariam cindo anos depois, em Medelin, em 1968...
A opção preferencial pelos pobres chegou a Sacramento bem antes, com as Irmãs de S. J. de Cluny.
Debaixo de frondosas mangueiras não ensinávamos apenas noções de catecismo, mas tirávamos lições dos evangelhos, mostrando que“sem a pregação da justiça não há evangelho que seja de Jesus Cristo. Essa ação não significa politizar a Igreja, mas ser fiel à sua origem, à verdadeira missão da Igreja”. E as Ir. de S. Joseph de Cluny sempre carregaram essa verdade.
Também de uma de suas filhas, Ir. Benigna, a cidade guarda dois preciosos trabalhos: a bandeira de Sacramento, cuja simbologia é de uma riqueza imensa e o Hino à Padroeira da cidade.
Alguns anos depois, a Congregação assume a Creche S. Vicente de Paulo, hoje Casa Infanto Juvenil – Ciju S. Vicente de Paulo, cuja obra está também dentro de seu carisma, olhar pelos pequeninos.
No cinquentenário do Concílio Ecumênico Vaticano II, a obra deixada em Sacramento pelas Irmãs de S. Joseph de Cluny vai ao encontro do que o papa João Paulo II, recordou, em Puebla, 11 anos depois de Medelin: “O compromisso de Jesus foi um compromisso com os mais necessitados”.
De meu último encontro com Ir. Benigna, quase no ano de sua morte, beirando os 90 anos, guardo seu sorriso indelével, numa demonstração profunda do amor que tinha por esta terra. Tenho certeza de que esse amor é recíproco, por parte de toda a comunidade sacramentana, pela maravilhosa obra aqui plantada por todas vocês, queridíssimas irmãs.
Nosso carinho e nossa homenagem a essas abnegadas Irmãs, nesta abertura das comemorações que marcam seu primeiro cinquentenário em Sacramento.
(WJS)