Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Gira Mundo, Gira

Edição nº 1347 - 01 Fevereiro 2013

“Gira Il mondo gira/

Nello spazio senza fine

Con gli amore appena nati/

Con amore già finiti

Con  la gioia e col dolore/

Dellla gente come me’’

(Gira mundo gira/ No espaço  sem fim

Com os amores apenas nascidos/

Com os amores já terminados

Com a alegria e com a dor / 

De pessoas como eu”)

 

Certamente eles tinham se preparado com muita antecedência para o banquete final. Tudo contribuía perfeitamente para uma noite feliz. O entardecer de um domingo chuvoso....um final de férias...uma banda famosa... e luzes, muitas luzes colorindo ainda mais o ambiente. Enfim, tudo perfeito para o encontro com a alegria. A escolha do tênis a ser usado, do sapato confortável para facilitar a dança, da bermudinha folgada, do shortinho jeans  artisticamente manchado e desfiado, do bonezinho com a aba voltada para a nuca, da prancha nos cabelos, do esmalte preto nas unhas, dos óculos escuros.... enfim, tudo perfeito para a participação no banquete final.

 

Ingressos nas mãos, lá vai o bando de jovens, na explosão dos hormônios, na desmedida euforia, na incerteza dos passos e na justeza do momento presente. Mesmo sem terem terminado o ensaio para o primeiro ato da vida, confiantes, eles entram no palco.

 

Acostumados aos espetáculos mirabolantes, nada mais despertos o espanto na juventude desses tempos obscuros. Tudo é pouco para causar êxtase: efeitos especiais, gelo seco levantando fumaça difusa, confetes prateados, música eletrônica, ritmo frenético, fogos de artifício, enfim, uma parafernália de recursos endereçados ao deleite e ao encantamento. E foi nessa busca frenética (repito) de mobilizar fortes emoções que o efeito pirotécnico desencadeou a tragédia.

Ao final do primeiro ato da peça, a busca dos culpados: porta de entrada e saída estreita, número superior de pessoas ao limite do espaço, falta de seguranças, de saídas de emergência, de extintores de incêndio. Depois os esclarecimentos são cuidadosamente apresentados por profissionais de notória competência. 

 

E, assim, minuciosas explicações são oferecidas pelo corpo de bombeiros, pela perícia técnica, pelos meios de comunicação, pela polícia e por aqueles que se salvaram da tragédia. Parentes chegando, o mundo inteiro se manifestando, flores e gestos de solidariedade vinda dos mais recônditos espaços desse nosso imenso mundo globalizado; atos heróicos de pessoas que, até então, desconheciam sua capacidade de desprendimento, solidariedade e ajuda. Desatinados frente ao terror, mobilizaram forças até então desconhecidas. 

 

Tão jovens que eram, não haviam tido tempo para se descobrirem tão generosos; arrancaram as camisetas, empunharam as picaretas, os extintores de incêndio e  mãos à obra. Naquele momento, era preciso fazer o que precisava ser feito e eles o fizeram.

 

Dos bolsos de alguns corpos já estendidos pelo chão, celulares tocavam em busca da resposta que não viria nunca mais.

 

Agora, para os que sobreviveram a esse filme de terror, registros das cenas que jamais se apagarão da memória. Para os pais, parentes, amigos, a dor sem fim, fincada para sempre, no mais profundo dos seus corações.

 

“Oh! mundo. Somente agora eu te vejo. No teu silêncio eu me perco. Eu não sou nada frente a ti”

Mariú Cerchi é Educadora