Me desculpem os defensores da pavimentação asfáltica sobre os paralelepípedos. Não é a primeira vez que o ET expõe sua intransigente posição em relação a essa agressão à qualidade de vida e à natureza. A última delas, há alguns anos, ocupou a primeira página com a manchete, 'Diga não ao asfalto', em defesa à ideia de aloprados que queriam jogar piche em todo o centro histórico da cidade. O centro permaneceu em parte preservado, mas acabaram pichando toda a rua Capitão Ferreira, que deve ter revirado no túmulo, assim como seu filho, o fundador da cidade, Cgo. Brunswick. Aos moradores restaram-lhes a atitude dos humildes. Curvando a cerviz, repetiram o verso do belo poema de Eduardo Alves da Costa: 'E não dizemos nada...'
Do velho calçamento que embelezava aquela histórica via dos Fazendeiros, o asfalto passou a esquentar sua rica arquitetura do século passado, numa forma despropositada de se gastar o dinheiro do contribuinte. É mais ou menos como jogar tinta latex sobre um monumento revestido de azulejos barrocos.
Mas por que volto ao assunto? Há duas semanas os representantes da Associação Comunitária do Maria Rosa subscritaram um documento com uma inusitada reivindicação. Asfaltar o prosseguimento da av. Cgo. Julião Nunes, hoje denominada de Prof. José Natálio, no bairro Chafariz. Fora a ingerência no quintal do vizinho, não há, absolutamente, nenhuma justificativa plausível para a obra, a não ser os velhos chavões do calçamento mal feito, da reposição que deixou uma depressão na pista ou até a absurda história de que o calçamento de pedra faz a música pular no toca CD... Pode? Claro que pode. No velho Passa Perto tudo pode!!
Preocupação maior quando nosso alcaide parabenizou o grupo informando que as reivindicações passariam por “estudos de viabilidade técnico-financeira junto aos departamentos competentes”. Como a viabilidade só vai depender de dinheiro, e dinheiro é o que não falta à Prefeitura de Sacramento, antevejo um triste fim para a rua de minha infância, a rua da Japonesa, onde morou a autora de Quarto de Despejo, Carolina Maria de Jesus, e a Chica Bananeira.
Quando digo 'triste fim', além de defender o ecologicamente correto, lembro a vida útil da pavimentação de pedra em comparação ao asfalto. A praça Vermelha, em Moscou, toda pavimentada em pedras, tem 1.200 anos; o Coliseu, em Roma, quase mil; as históricas ladeiras e praças de Ouro Preto são do início do século XVIII... Já o asfalto, em poucos anos, mostra sua fragilidade. Basta olhar em vários pontos da cidade, o 'imortal' basalto retangular querendo brotar, como se estivesse sufocado pela ganância política da pseudo modernidade. Ao reparar o defeito, a emenda estraga mais o soneto. É como se a pedra vingasse com uma larga cicatriz no rosto exposta.
Há um estudo muito interessante feito pelo Prof. Alessandro Abdala abordando o assunto. O professor faz, com razão, uma apologia à pavimentação feita com paralelepípedos, por conta de várias razões e inconveniências da pavimentação asfáltica, baseada em dados técnicos, pesquisas e entrevistas, além de vistorias in loco, aqui lembradas, com sua licença:
- Enquanto o asfalto promove a impermeabilização do solo, o calçamento inunda o solo de água e oxigênio, refrescando o ambiente;
- aumento demasiado do calor na cidade: segundo estudos, o aumento da temperatura é de até três graus centígrados, com sensação térmica de cinco.
- eliminação da vegetação existente entre as pedras, que desempenham com seus nutrientes funções importantes para o meio ambiente;
- aumento da velocidade dos veículos, em consequência, mais acidentes;
- fortes enxurradas e inundações nas temporadas de chuvas;
- pequena vida útil do asfalto;
- a reparação deixa sempre remendos fora do nível, recomendando o recapeamento total da via pública, com custo caríssimo e despropositado.
- as pedras, quando removidas e bem executada a reparação, não deixam perceber que houve qualquer interferência no pavimento original;
- redes de água, de esgoto e galerias da cidade muito antigas e fora dos padrões, necessitando constantemente de reparos.
Invejo a pequenina Conquista e seus homens e mulheres públicos que souberam valorizar e preservar sua história, aliando a beleza de seus casarões centenários com o belo calçamento de basalto negro, sempre intacto. Perdeu nossa cidade essa oportunidade tão singular, de construir o futuro sem danificar o passado.
(WJS)