Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Porque mudanças assustam tanto?

Edição nº 1335 - 09 Novembro 2013

Acredito que você concordará comigo se eu disser que a mudança costuma ser um tema um tanto difícil de assimilar. Mudança é uma palavra que insere em si sentimen­tos difíceis de elaborar. Mas, o principal deles e o mais temido é o medo da morte. Não exatamente o medo da morte física, que é a última das mortes que experi­mentamos em nossa passagem por este planeta, mas, da morte ou transformação psíquica que antecede as mudanças efe­tivas e visíveis que fazemos em nossas vidas. Sim, porque quando mudamos al­guma coisa em nossas vidas, é certo que alguma coisa se transformou primeira­mente dentro de nós.

Mas, por que é sempre tão difícil pensar na morte e nas mudanças? Por que a morte exerce tanto fascínio e temor em nossos corações? Os romanos tinham o seguinte provérbio: “memento mori” - que quer dizer: “lembre-se que vai morrer”. Se você parar para refletir sobre a morte, perceberá que a cada momento, a cada minuto, tudo está morrendo abrindo espaço para o novo entrar. É a velha e conhecida lei da transi­toriedade que nos ensinam os orientais mais tradicionais. O que quero dizer com isso é que, por trás de toda dificuldade de aceitação dessa inevitável lei, está nosso medo ancestral de morrer, ou seja, toda mudança evoca nosso instinto básico de sobrevivência e lutamos bravamente para preservar situações que, na maioria das vezes, destroem nossos melhores senti­mentos e emoções, por medo de morrer. 

Mas, o que não percebemos é que, no desespero de preservar tudo o que construímos, seja um trabalho, um casa­mento ou uma profissão, morremos um pouco a cada dia, na ilusão da preservação da vida. Entregar-se à vida e a tudo o que ela pode nos trazer de novo, inclusive a possibilidade da morte, é o nosso maior desespero. Abandonar-se. Por que isso é tão difícil e desesperador? Mesmo um abandono temporário, como a pratica da meditação, por exemplo, é desesperador para muitas pessoas. E dizemos: 

-”Meus pensamentos não me deixam em paz, não consigo me entregar, esvaziar, silenciar”. 

Sentimos medo. Somos todos construí­dos pelo medo. Medo da vida, medo da morte, medo do novo. 

Se, definitivamente, compreendermos que toda experiência é impermanente, que nosso trabalho será maravilhoso enquanto nos der prazer e alegria, que nosso casa­mento será eterno enquanto o amor e o respeito prevalecerem e que, quando isso deixar de existir, devemos buscar outras fontes de felicidade e alegria, abrindo es­paço para que o novo penetre novamente em nossa alma, preenchendo-a de alegria e êxtase. Quando pudermos compreender essa maravilhosa lei, nesse momento e somente nesse momento, poderemos en­contrar verdadeiramente nossa felicidade. Essa lei, da qual não podemos fugir e nem evitar, faz com que nossa vida tenha movi­mento. É a grande lei que trabalha a favor da evolução, pois, ela nos atira de experiên­cia em experiência, sem descanso, até que um dia, finalmente, compreendamos que tudo o que buscamos está bem dentro de nós. E isso nunca muda. Somente quando nos sentirmos livres, quando tivermos a coragem de arrancar algumas máscaras que fomos obrigados a vestir, algumas mais cristalizadas do que outras. 

Quando deixarmos de aceitar alguns pa­péis impostos, começaremos a construir uma verdadeira liberdade, que brota do âmago de nosso ser interior, de nossa alma, do que há de mais profundo dentro de nós. Não falo de uma falsa liberdade que ainda obedece a interesses sociais, mas, a verdadeira liberdade de ser, de seguir seu verdadeiro destino que é ser você mesmo, sem máscaras, sem estereótipos. É claro que esse estado implica em sofrimento até que se encontre o êxtase. Implica em solidão, em contato com a dor do descon­trole sobre todas as coisas e pessoas que tentamos desesperadamente controlar. Re­quer o aprendizado e o exercício da maior dificuldade humana e a maior qualidade necessária para o desenvolvimento es­piritual, que é o desapego. Todos os es­forços que fizermos em direção contrária ao desapego, ao descontrole, à entrega, serão em vão, pois, são contra o princípio básico da vida. Procure e pratique o silêncio e nele tente encontrar esses sentimentos, carregados dos medos e desesperos que são de todos nós. Não tenha medo de ficar sozinho com você mesmo, pois, você nunca estará sozinho, já que seus sentimentos são os sentimentos de todos nós. Cada um de nós deve conquistar sua própria soli­tude, que não deve nunca ser confundida com solidão. Solitude é um suave estado e sentimento de prazer e liberdade que nos traz a ausência do medo de estar só. 

 

Eunice Ferreira