Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Minha Cidade

Edição n° 1311 - 25 Maio 2012

 

Faz-me falta ficar muito tempo longe da minha cidade - a saudade aperta, mas percebo, claramente ,que lá não é mais o meu lugar. A cidade mudou. Fico à procura de algum baú onde possam estar depositadas coisas do meu passado. Em alguns lugares, embora modificados, encontro: a escola onde estudei, a Igreja onde me casei, a rua onde morei, algumas casas, tal como as deixei, a casa que me viu crescer (mudada, sim, mas no mesmo lugar!). Compreendo ser impossível retomar a trajetória de ontem; um ontem que vai longe e que ameaça evadir-se da memória.  O calendário insiste em marcar pouco mais de cinqüenta anos desse afastamento; espaço considerável se tomarmos como medida a brevidade da vida.   Sinto que essa distância tenta arrancar de mim o que fez parte de mim! Vai longe o tempo em que eu visitava com mais freqüência minha cidade. Isso me ajudava a não perdê-la de vista. Mas, não se trata apenas de perdê-la da memória, quando, na verdade, ela também perdeu-me de sua memória!!!  Sou quase uma estrangeira na terra onde nasci; personagem de uma história que não tem mais script e cujo enredo perdeu a importância, se é que alguma importância chegou a ter. Mas insisto em retornar; preciso olhar, sentir... buscar as raízes, buscar as paisagens que ficaram engessadas nas minhas lembranças. As pessoas, as casas... estacionar o carro na pracinha do Rosário, (agora tão diferente!), e procurar encontrar o que restou da casa da Vó Maria, da Igrejinha do Rosário, da padaria do Quinto, da casa dos Pícolos, dos Flores, do Ariosto, da ponte do Rosário- também tão diferente! Onde foi parar tudo isso, meu Deus? Espaços novos foram se abrindo e eu já não os conheço. Ruas, bairros, comércio diversificado e, caminhando por esses espaços me perco e chego a perguntar: como faço para voltar ao centro da cidade?  Na minha ingenuidade, cheguei a pensar que a minha cidade ficaria protegida na redoma do tempo de tal forma a permanecer tal como a deixei.  Desejava que ela não se deixasse contaminar pela patologia da modernização. Ficava difícil desmanchar, das fotos antigas, guardadas há tanto tempo na memória, restos do que ela foi. Então, pergunto: para onde voltar? Descubro que os novos traçados da minha cidade não conseguiram, ainda, apagar as lembranças do lugar onde dei os primeiros passos, recebi os primeiros afagos, o primeiro leite, a primeira comunhão, as primeiras descobertas. Desejava que na cidade da minha infância, eu continuasse a encontrar os meus pais, meus avós, tios, irmãos, amigos, professores. Como era bom (embora eu não soubesse), caminhar pelas mesmas ruas, encontrar sempre as mesmas pessoas, conversar as mesmas conversas, dar voltas no jardim, assistir as missas aos domingos e passar, ao final da noite, pelo Langerton ou pelo cine Capitólio, para encerrar o dia de festa! Hoje, como se fosse possível,tento juntar tudo isso numa única argamassa, retratos amarelecidos desse universo (quase) perdido, que devagarinho insiste em fugir da memória. 

Talvez, o sangue italiano que corre nas minhas veias me deixe assim, tão saudosa. Sei de pessoas que deixaram a cidade e nem ouso perguntar-lhes se não lhes dói a saudade, pois tudo na vida é pessoal, vem de dentro, e é intransferível- sei disso. Sei de algumas pessoas que se sentiram até aliviadas do pesado fardo que carregaram quando moravam na terrinha. .Sei que tudo isso é possível, mas pergunto: será que tais pessoas se despediram da terrinha sem enxergar as cores do entardecer? 

 Mas, se a culpa de tudo o que eu sinto for mesmo  do sangue italiano que corre nas minhas veias, confesso: sou feita de saudade.  Saudade de um bem viver numa cidade pequena, que ostentava um cenário simples, cujos limites se delineavam a olhos nus. Foi dessa vida pacata e singela, que tirei fôlego para abrir novos caminhos nas mais diversas encruzilhadas da vida; acertando e errando, mas procurando sempre o traçado que aponta o caminho de voltar para a casa.

 

 

Mariú Cerchi Borges