12 de Outubro, Dia de Na. Sra. Aparecida, padroeira do Brasil, e Dia da Criança. Há três anos festejamos a primeira data com uma Procissão Fluvial, transportando a Santinha em uma berlinda, desde a Estação de Jaguara à Estação do Cipó. Mais ou menos uma hora e meia de barco pelas águas claras do rio Grande. A imagem, facsímile a que foi encontrada nas águas do rio Paraíba, foi um presente dos missionários redentoristas, guardiães da imagem milagrosa desde o seu achado, há quase 300 anos.
A lancha principal abre a barqueata com Nossa Senhora à frente em uma imponente berlinda dourada, ao lado das autoridades religiosa e civis. A seguir, canoas e lanchas de pescadores e donos de ranchos dos arredores do grande lago descendo serenas pelas águas do rio Grande. Espero um dia vê-la no barco da frente fora do séquito institucional e de seu nicho tão chic, segura apenas por três dos mais simples pescadores ribeirinhos.
Aguardo sempre na Estação do Cipó. A chegada é bem bonita. Centenas de pessoas cobrem toda a barranca do rio para presenciar a chegada da Santinha. Fogos, hinos, cantos, palmas se misturam à fé eloqüente de nossa gente e de muitos turistas da região. Dali é transportada para debaixo de quatro grandes tendas para a concelebração eucarística, numa bela esplanada que divide o rio e a histórica estação, em petição de miséria.
Não se vê mais os trilhos da velha estação, parte do telhado caiu, as portas estão derrubadas, janelas despencando, mas a plataforma construída sobre belíssimas pedras de basalto rosa continua intacta. Ainda se vê uma pequena lousa onde se escrevia com giz as horas das descidas e subidas dos trens. E se você fechar os olhos, ainda consegue ouvir o apito do trem além da curva da caixa d'água, que vem fumegando a vegetação seca. É a romântica Maria-fumaça. Que beleza e que saudade!
Uma única vez embarquei na Mogiana. Foi no final do ano de 1969, ao concluir o curso de Pedagogia, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras São Tomás de Aquino. O hoje médico Dr. Luiz Pedro (colega que dividia um quarto comigo, na rua Castro Alves, 14) e eu tomamos o trem às cinco horas da madrugada, na estação de Uberaba, e aportamos na gare do Cipó, às 10h00 da manhã... Não havia mais os bondes elétricos. Mas uma velha jardineira GM transportava os muitos passageiros até a cidade.
Do alto da estação é possível ter uma visão parcial do imenso vale por onde serpenteia o rio Grande, divisor de estados e palco de combates de soldados constitucionalistas contra as forças do governo, nos idos de 1932. Nessa luta, nós, mineiros, embora com os laureis da vitória, éramos os bandidos.
Na baixada que separa a estação do rio, inundada a cada ano naquele tempo efervescente da estação, por ocasião das chuvas intensas de primavera e verão, se aglomera hoje a multidão debaixo de quatro tendas para participar da celebração e saudação a Nossa Senhora. Junto-me à multidão daqueles crédulos que, humildemente guardam a memória da Santinha que apareceu em 1717 àqueles três humildes pescadores, no rio Paraíba, Felipe Pedroso, João Alves e Domingos Garcia, para orar, na bela canção de Pe. Romualdo Pelaquim:
“Santinha da Conceição Senhora minha,
Aparecida em nossas águas,
Rogai a Deus por nós!..”
Junto-me também a outros, crédulos, naturalmente, mas que fazem do momento uma certa extravagância, misturando na sua delicadeza incauta, cerveja e fé. É o Brasil da miscigenação cultural e religiosa. A igreja, a partir do Vaticano II, “propiciou a elaboração do grandioso sincretismo católico: festas, ritos, tradições, conteúdos religiosos foram assimilados, incorporados, reinterpretados dentro do horizonte cristão e vieram compor a riqueza simbólica da Igreja Católica”.
É esta perspectiva ecumênica, de um convívio carinhoso e de ajuda mútua, que Sacramento sempre mostrou entre católicos, espíritas, protestantes, evangélicos, maçons, umbandistas... “Jesus nunca pregou Igreja, religião, mas o Reino de Deus, que significava libertação para o pobre, consolo para os que choram, justiça, paz, perdão e amor”, nos ensinou Puebla.
Pelas margens do rio, passeiam e degustam a natureza longe do rito sacramental, mas ao final da celebração estão todos lá, de chapéu na mão, aos pés do altar, beijando a Santinha, pedindo e agradecendo graças recebidas. Pais alçam seus filhos para alcançar a imagenzinha de Nossa Senhora Aparecida pedindo por eles, numa data especial. É também o Dia das Crianças.
A Mãe, ela que é negra, não vê cor nem raça, não vê crédulo nem descrente, não vê católico nem umbandista. Ela abraça a todos. E neste dia, especialmente, com seu amor materno, abriga sob seu manto, todas as crianças de nosso país.
Salve, Nossa Senhora Aparecida! Salvem, todas as crianças de nosso país!
(WJS)