Que dor dilacerante invade nossos corações neste dia!
Por mais que tenhamos fé...
-Não deixamos de chorar
Por mais que conheçamos a passagem evangélica de Marta com Jesus, na casa de Lázaro: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto viverá...”
- Não deixamos de chorar!
Por mais que saibamos sobre a Torá: “Que tudo o que acontece é porque foi ordenado lá do Alto; e que Deus é essência do bem e que somente o bem flui d'Ele...”
- Não deixamos de chorar!
Por mais que entendamos o livro de Jó, aceitando “que o homem finito não pode entender os caminhos de Deus...”
- Não deixamos de chorar!
Confesso, caros amigos, que esta semana foi terrivelmente indigesta, por lembrar que nossa querida Tatá, demonstrando a maior coragem que jamais vi em alguma outra mulher, se entregou estoicamente aos braços do Pai, dizendo: Pai, estou pronta! Combati o bom combate. Tive dois filhos. Amei-os como jamais amei alguém. Xande e Flávia estão formados e tenho uma linda neta, Nathália. Plantei, Pai, muitas árvores em meu jardim; e só não escrevi um livro, em palavras, mas dediquei minha vida a escrever combinações químicas no quadro-negro e caminhos de vida nos corações de meus alunos.
Sim, meu livro está escrito nas páginas dos cadernos de milhares de alunos que passaram por mim. Não tem palavras, Pai, tem apenas segredos de uma profissional que cumpriu o seu papel de mediar a educação por mais de 30 anos... As palavras saíam de dentro para serem gravadas nas mentes e nos corações de crianças, adolescentes, jovens brilhantes'.
Colegas, amigos, como é difícil entender o grande segredo da morte! Cristãos e muçulmanos, judeus e hindus, budistas e taoístas... todos nos perguntamos sobre esse segredo insondável. Filósofos, teólogos, sacerdotes, pastores, professores, médicos, padeiros e lixeiros nos perguntamos: Por quê? E algumas vezes até nos revoltamos contra Deus. Por que Deus faz sofrer os bons? E muitos homens maus morrem aos 80, 90 anos?
Não é um momento de buscarmos uma resposta, o melhor é entender que: “Algumas coisas estão além de nossa compreensão e eu devo aceitar isso como um mistério a ser revelado no momento adequado”. As explicações, ao invés de confortar, podem trazer muito mais estragos. Nada pior do que uma pessoa contar que está com câncer e alguém, até mesmo um amigo, responder que é por conta das mágoas que ela guarda ou de seus pecados...
Harold Kushner, um rabino israelita, contou em livro a história de seu filho Aaron, que morreria antes de completar os 14 anos, por causa de uma doença rara, progéria, prognosticada quando tinha três anos. Ao invés de desesperar-se viveu intensamente todos aqueles anos com seu filho. Depois, numa reflexão profunda chegou à conclusão de que, “Deus deseja que os justos vivam vidas tranqüilas e felizes, porém, às vezes, nem Ele mesmo consegue que isto se realize. Embora onipotente, coisas ruins acontecem a pessoas boas neste mundo, porém não é esta a vontade de Deus.
Ao invés da revolta contra Deus, devemos encontrar uma resposta para as maldades do mundo e assim, buscarmos uma bandeira de luta para denunciar, por exemplo, por que os países mais desenvolvidos do mundo gastam centenas de bilhões de dólares para sustentar dezenas de guerras pelo mundo afora e não empregam poucos bilhões para pesquisas científicas capazes de encontrar uma vacina contra essa maldita doença?
Pode ser um momento de reflexão e de repúdio, e aqui me dirijo especificamente a vocês, educadores, contra a decisão de uma instituição humanitária que entrega um prêmio Nobel da Paz a um presidente que banca três sangrentas guerras no mundo, quando, em pleno século XXI, o câncer mata uma em cada quatro pessoas no planeta. Isso não é culpa de Deus.
Não quero perguntar, 'Por que a Tatá?' Não quero fazer deste momento um instante de revolta. Entendo que, diante de seu corpo e de sua transvivenciação para os braços de Deus, seja um instante de reconciliação e de amor com as lições que ela nos deixou.
Que saudade dela ao percorrer esses corredores, essas salas, esse laboratório ensinando com competência e sabedoria os elementos químicos!
Que saudade dela na cantina a conversar e a brincar com as serviçais sempre queridas, disputando com Euripa as risadas mais gostosas da Escola!
Que saudade dela na sala dos professores, nos dez preciosos minutos de descanso e de troca de conversas jogadas ao léu, ao belo sabor da amizade e do carinho que mantinha com todos!
Que saudade dela nas reuniões, nos módulos ao vê-la demonstrar uma preocupação angustiante com os destinos de uma educação cada vez mais claudicante!
Que saudade dela nas primeiras filas deste Galpão Cultural a assistir e a rezar conosco no Chico Fé, a dançar e a cantar conosco nos FACCs, especialmente, ao ver a dublagem de seu inesquecível Roberto Carlos!
Que saudade dela ao meu lado descendo de carona, às quartas-feiras à noite, e trocando confidências políticas, profissionais e nos despedindo sempre com um gostoso papo em frente à sua casa, lembrando: 'Estamos na esquina da semana'!
Que saudade dela chegar em nossa casa, amiga tão querida que era de minha esposa, Luísa, com freqüência mais que semanal, e jamais de mãos vazias, a oferecer um doce preferido, ou a levar um DVD de Roberto Carlos, que pedia ao irmão, Rei, para gravar e me oferecer de presente!
Que saudade dela nas nossas pequenas festas, por saborear todos os seus docinhos, que oferecia sempre com uma delicadeza materna, em todos os aniversários de Petra Maria e Anya Maria.
Que saudade dos anos 70, 80, a atleta de vôlei sem estatura a comandar o time, a nadadora exímia, da adolescência às competições máster, colecionando medalhas como representante da cidade e dos clubes, STC e Atlântica!
Que saudade das tardes em sua varanda, quando de fora eu gritava: “- Ô Táta, assim mesmo com a tônica no primeiro 'a', como gostava de chamá-la. E lá saía com seu sorriso gostoso, guardando sempre palavras do mais puro e sincero elogio à minha filha Anya Maria, que sempre me acompanhava:
“- Que gracinha ela está!”, dizia ao embalá-la na rede que mantinha na varanda. E logo trazia um brigadeiro, um docinho...
Que saudade dela, de seu jeito criança, de sua ternura a ligar de manhazinha e dizer: 'Ô, Boy, não esquece de mim, não!' E dava o seu sorriso de anjo, a espera da carona que a levaria ao trabalho, que suportou a cabo até tombar na raia, como um puro sangue. Só aí foi internada.
Meu Deus, que saudade da Tatá!!
Já conhecendo sua doença há alguns anos, guardava esse segredo só para si. Estoicamente, suportou até o último momento sem nenhuma medicação. Como encontrava forças para tanto amor? Às vezes, eu me perguntava: De onde vem esse dom? Principalmente, quando brincava, respondendo às amigas que a convidavam para caminhar na avenida próxima à sua casa: “- Caminhada é só pras gordinhas!!” E ria gostoso.
E ficávamos em sua varanda a conversar, a comentar sobre o quão difícil está a vida profissional do professor. O salário mendicante. A falta de interesse dos alunos, dos pais... Nas últimas eleições, nos divertimos muito na celebração da vitória da Dilma, rindo baixinho e sem alarde da oligarquia arcaica e sempre temida do país.
Ah, que saudade da Tatá!
Nesta tarde de sábado, segundo a tradição, reservado apenas às pessoas que recebem a graça de serem levadas aos braços do Pai por Nossa Senhora, eu posso dizer o quanto Tatá foi querida, nobre e santa.
Não bastam, amigos, estas bandeiras que cobrem o seu féretro. Eu desfraldaria ainda sobre o seu corpo inerte as bandeiras do afeto, da abnegação, da doçura, da entrega, da coragem, da vitória, do respeito, da solidariedade, da luta, da garra e, sobretudo, da ética, da bondade e do Amor.
Texto proferido pelo amigo, Walmor Júlio Silva, em nome da família, no velório realizado no galpão da Escola Coronel.