Fechou-se um ciclo e, com ele, parte de um passado que, de uma certa forma, ficava circunscrito a dois alpendres, plantados num mesmo quarteirão, cada qual numa esquina e cada qual guardando sua própria história. Um deles, há seis anos, havia fechado as suas portas, o outro, sem pedir licença, acaba de fechar as suas.
Encerrou-se assim um ciclo, deixando, fora do alcance dos nossos olhos, restos de uma história que foi escrita numa cidade simples, com um enredo simples, falando de pessoas simples.
Era assim: Numa esquina, havia uma casa grande rodeada, em toda a sua extensão, por amplas varandas que davam formato a um belo alpendre. Habitava nessa casa uma dama: mulher bonita, educada, culta, discreta, atenciosa, acolhedora, amiga. Era nesse espaço que a vida acontecia. Isso porque ser jovem, de uma certa forma, era passar por aquele alpendre. Ali as gerações se sucediam ...ora uma, ora outra.... cada qual a seu tempo. Ali ficavam registradas partes das férias escolares, dos Natais, dos Réveillons, das brincadeiras dançantes e dos carnavais. Nada escapava àquele alpendre. Isso porque a dama que ali habitava, tinha o olhar sereno, o sorriso acolhedor e a plenitude daqueles que conhecem os anseios da alma humana. A dama sabia que a juventude passa depressa e que a vida só acontece uma vez por isso, era preciso acolher. Houve vezes em que, naquele alpendre, aconteceu a dor. E aquela dama compreendia que aqueles momentos faziam parte da vida; sem queixas e sem lamentos, baixinho, ela chorava a perda de seu marido e dos seus três filhos. Mas, aos poucos, o sol voltava a brilhar, a vida reacendia e o alpendre retomava sua missão de escrever história.
Agora, com as portas fechadas, ficam-nos algumas perguntas: Encontraremos algum dia, em algum lugar, aquele alpendre? O que dele ainda restará? Em que Páscoa iremos reencontrá-lo? Haverá algum porto seguro para abrigar nossas lembranças? Nossa saudade? Nosso Natal e nossos carnavais?
Por tudo isso, se for possível, por favor Dona Ada responda-nos: Onde colocaremos a lembrança da nossa juventude perdida? Para onde dirigiremos o nosso olhar quando dobrarmos aquela esquina?Onde buscaremos o repouso para os pés cansados?E se algum dia, aquele alpendre não estiver mais no mesmo lugar e tivermos perdido o mapa da nossa pequena cidade, onde encontraremos o nosso norte? Afinal, é justo abandonar aquele alpendre?