Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

“Até o céu chorou...”

Edição n° 1198 - 26 Março 2010

“Mamãe do Rosário / sua casa cheira. / De cravo e de rosa/ flor de laranjeira”. Esse é um trecho de louvação à 'Mamãe' do Rosário e a São Benedito, entoada pelos congadeiros e moçambiqueiros por ocasião de sua festa, no mês de outubro. 

Ele foi cantado novamente nos últimos dias, mas não foi para a festa. Primeiro, na sexta-feira, 19, na despedida do congadeiro Armandino de Souza (Mandino), que faleceu, após permanecer alguns dias hospitalizado. E ecoou também na segunda-feira, 22, na despedida do Rei do Congado, Sebastião Inácio da Silva, 68, e seu soldado, o neto Rones Maciel Inácio, 13. 

O canto ecoou mais triste pelas circunstâncias da morte de Sebastião e Rones, num trágico acidente que, por pouco não ceifou a vida de Rosalina Inácio, Zazá, 34, do genro Ailton Lúcio da Silva, 30 e da pequena A.E.I.S., 9.  

A muitos passou despercebido, mas o céu da manhã da segunda feira, se mostrava com o belo azul, da cor do manto da 'Mamãe', salpicado de nuvenzinhas brancas. Mas logo, quem olhou para o céu pôde ver, os flocos brancos correndo pelo manto que cobre a terra. E aos poucos foram se juntando e formando grandes nuvens escuras em sinal de luto e de respeito aos familiares, amigos, congadeiros e moçambiqueiros, porque os filhos Sebastião e Rones, esses, já eram embalados no colo da 'Mamãe'. 

O interessante é que as nuvens enlutadas não cobriram todo o céu, que continuou mesclado de azul, para dar a certeza da presença da 'Mamãe' naqueles tão tristes momentos de velório. 

Quantas perguntas sem respostas! Revolta? Nenhuma. Mas a dor estampada nos rostos buscava entender o inexplicável para tal tragédia. O grande coração de cada um, apesar de tanta dor, estava repleto de perdão a quem dele necessitasse e de esperança pelos hospitalizados.

Sebastião Inácio nasceu no Congado. Ainda na barriga da mãe, a rainha Antônia (falecida em 14/10/09) seu coração já batia ao som das caixas, nos preparativos para a festa, ao lado do pai Divino (Valdivino) Inácio, que reinou no Congado, até 1991 e que junto com a mulher guardaram a tradição, passada de geração a geração, para louvar a Mamãe do Rosário e São Benedito, o santo negro, patrono dos congadeiros da cidade, com o Terno da Guarda de São Benedito. 

Sebastião, homem trabalhador, íntegro, esposo, pai de família, mas que sempre se fez presente nas festas e nas reuniões para tratar da tradição para saudar a 'Mamãe'. E não foi diferente naquele domingo fatídico. Deixou as lides rurais e veio reunir-se com os companheiros para confraternizar e discutir o novo uniforme, para ficarem mais bonitos para a 'Mamãe'.  “Fizemos um almoço. Não teve cantoria, porque o Mandino morreu na sexta-feira. Não teve bebida, só refrigerante, porque é tempo da Quaresma. Nem cantoria nem bebida. Ele estava indo pra casa...”, contou-nos um dos congadeiros no local do acidente, olhando consternado para o corpo coberto com um pano  o plástico azul, sem se dar conta de que o azul é a cor do manto da 'Mamãe. Sebastião estava indo sim, mas para a casa do Pai. 

Homenagens não faltaram durante o velório. Olhares tristes e inertes. Não havia mais lágrimas, só resignação. Mas os jovens colegas de Rones, crianças ainda, não continham o choro, sem entender a dimensão da vida e da morte. As palavras trêmulas de Delcides Tiago,  a serenidade emanada de José do Carmo Martins, o patriarca moçambiqueiro e o choro misturado ao último rufar de um solitário tambor na cadência fúnebre do sepultamento.

E as nuvens enlutadas, silenciosamente se juntaram e cobriram o céu. Não fizeram barulho. Por certo a zelosa 'Mamãe', deu-lhes um sinal:  “Psiu! Silêncio! Eles estão dormindo”. E aí, silenciosamente, o céu começou a chorar. Suavemente, gotículas caíam, enquanto os corpos eram levados para a última morada. Cerrados túmulos, um ao lado do outro, grossas gotas caíram. O céu chorou abundantemente por alguns minutos. E chorou para lavar a dor dos familiares, congadeiros, moçambiqueiros, crianças, jovens e adultos que observavam e atiravam flores. 

 O céu chorou para lavar a dor de Zazá que não pôde velar o pai e o filho. A dor de uma mãe, não das feridas do corpo que são pouco ou nada diante da dor da perda e da incerteza da sobrevida do marido e da filhinha, internados em Uberaba.  

E cá na terra, os congadeiros entoavam a cantiga puxada pelo capitão José do Carmo, “Tá caindo fulô / tá caindo fulô / elas vêm da céu / foi Mamãe que mandou”. Lá na casa da 'Mamãe', o Zé Santana, a rainha Tia Joana, o Azor, o Desidério, o Temístocles, o Tio Adolfo, o Zé Bertulino, o Cristiano, o rei Divino, o Bigico, a Terezinha, a Tia Hilma, a rainha Vó Tonha, o Mandino e tantos outros que já se foram, entoavam desde o domingo à tarde: “Mamãe do Rosário /vem chegando fulô / eles vêm lá da terra / o netinho e o avô”.

E é Ela, a 'Mamãe' do Rosário e o protetor São Benedito que vão interceder a Deus para o conforto e a aceitação dos que ficaram, porque Sebastião e Rones já estão em paz ao lado do Pai e da querida 'Mamãe'.  

 

MEJ