Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Ármilon Mello é escolhido patrono da FLAR do bicentenário

Edição nº 1712 - 31 de Janeiro de 2020

Neste ano de 2020 Sacramento comemora seus 200 anos, coincidindo também com mais uma edição do evento 'Festival de Literatura e Arte na Roça' – FLAR, que será realizado nos dias 4, 5 e 6 de setembro. A FLAR acontece a cada dois anos no Instituto Cultural Leopoldina Geovana de Araújo – INCLA, no povoado de Santa Maria.  O Festival reúne manifestações religiosas, contadores de histórias, poesia, música, fotografia, exposição de artesanato, gastronomia mineira, mesas de reflexão, brincadeiras infantis e homenagens. Em 2020 haverá vários eventos ligados ao FLAR, como o Sarau de Despejo Carolina Maria de Jesus, que acontece no dia 8 de fevereiro próximo, com a exposição de arte da produção dos encontros de sábado de Arteterapia na Roça, em 2019.

A primeira edição, ainda como FLIT – Feira Literária do Triângulo, homenageou a maior escritora negra da nossa literatura, a sacramentana Carolina Maria de Jesus, também homenageada pela Biblioteca Brasileira em Nova York e, em agosto próximo, pelo Instituto Moreira Salles, em São Paulo. Na segunda edição, em 2018, a FLAR homenageou o filho daquele povoado, Ármilon Ribeiro de Mello (foto), estudioso do espiritismo e “contador de causos”, de saudosa memória.

Nesta edição, fazendo uma justa e merecida homenagem ao nascimento desse grande personagem de Santa Maria, que em 22 de março completa um ano de sua morte,  o ET conta um pouco de sua vida, ressaltando seu legado àquele pequeno rincão de terra. Entre tantas benfeitorias, Ármilon tem grande participação no restauro do Casarão da Santa Maria cujo início da construção data de 1851. Nascido no dia 04 de fevereiro de 1932, nesta terça-feira 4, estaria completando 88 anos. 

Orgulhoso de contar sua origem, costumava dizer que estar em Santa Maria, pequena comunidade localizada entre os municípios de Sacramento e Conquista, era os melhores momentos de sua vida. Foi o primogênito de uma família de quinze filhos do casal João Ribeiro de Mello e Altina Araújo de Mello (filha de Leopoldina Geovana de Araújo e Jovino Gonçalves de Araújo, então proprietários da Fazenda Santa Maria).

Com pouco mais de dez anos, mudou-se com seus pais e três irmãs (Zelândia, Verana e Cely) para São Paulo, em meados da década de 40. Seu pai, João, montou um comércio que, na época, chamava-se Secos e Molhados. Lá vendia tudo o que vinha das Minas Gerais.  Os familiares de cá despachavam, através do trem da Mogiana, os itens alimentícios para venda (farinha, ovos, galinha, queijos, entre outros).

A vida era humilde e de luta pois, aos 11 anos, Ármilon ajudava a família vendendo frutas e verduras nas ruas da grande metrópole, com um carrinho de mão. Seu tio Ateneu, quando foi morar em São Paulo, com a irmã Altina e o cunhado João, adquiriu uma carroça com um burrinho para ajudar nas vendas. 

O sonho de seus pais era proporcionar estudo à família, já que eles não tiveram a possibilidade de frequentar escola, após o aprendizado da leitura. E o sonho foi realizado. Ele e suas irmãs tiveram o privilégio de estudar nas melhores escolas públicas da época. Todos conquistaram ensino superior, para a grande satisfação dos pais.

Apesar da simplicidade e poucos recursos materiais, o lar do casal e filhos recebia com generosidade e muito amor todos os parentes e amigos mineiros que buscavam a sorte na grande cidade. 

Lembra a irmã Célia que houve momentos desse lar mineiro abrigar, além dos da casa, mais de dez familiares e amigos, vindos de várias regiões do Triângulo. “Todos contavam com o carinho da família, pois além do amor, recebiam alimentação e descanso em colchões espalhados por toda a pequena casa”.

“- Ainda jovem, nosso irmão compartilhava o trabalho com os estudos, ajudando no sustento da família e toda sua prole, que nessa época já contava com dez filhos. Assim, dedicando-se aos estudos, sem esquecer da educação das irmãs que, a cada dois anos, nascia mais uma. Concluiu o Científico, curso equivalente ao ensino médio, hoje, e manifestou o desejo de cursar Direito, na escola superior mais concorrida da época, fazendo realizar o sonho dos pais. O menino, retirante de Minas, que vendia frutas e verduras nas ruas da grande cidade, iniciou os estudos em Direito na Faculdade de Direito do Largo São Francisco”.

Sua filha Sumaia relata que o encontro com aquela que seria sua eterna esposa foi providencial. “Durante umas férias de verão, resolveu viajar para a cidade de Uberlândia com o propósito de visitar tios e primos que lá moravam. Foi quando conheceu nessa viagem a prima Delfimar, que tinha, na época, 16 anos; ele 25. Foi amor à primeira vista.  A partir desse encontro, iniciaram o namoro por cartas durante cinco anos, até o matrimônio”. 

Delfimar, conhecida como Mazinha, conta que o casamento foi um grande acontecimento familiar. Havia parentes de todos os cantos do Brasil. Passaram as núpcias em Brasília. Ármilon levou sua esposa para morar em São Paulo, cidade que ela ainda não conhecia. “Quando cheguei na casa onde viveríamos os primeiros anos de casados, tive uma linda surpresa, pois encontrei tudo arrumado e organizado com muita simplicidade, mas com todo o necessário, com carinho e cuidado. Foi nessa casa que nasceram nossos três primeiros filhos, Soraya 'in memoriam', Siomara e Marco Aurélio. São nossas filhas também, Leonina e Sumaia”.

A rotina de Ármilon era bastante intensa. Com três empregos, saia para o trabalho às 6h da manhã e retornava apenas 11h da noite, pois além da família, continuava a dar assistência aos pais e irmãos mais novos. Na verdade, durante toda sua trajetória de vida, Ármilon ajudou, silenciosamente, vários de seus familiares concluírem os estudos, mantendo o compromisso que assumira com seu pai de cuidar de seus irmãos.

Pela determinação, inteligência e bondade, Ármilon teve uma grande ascensão profissional devido a sua dedicação e continuidade nos estudos. Tornou-se estudioso da Maçonaria em 1975, prosseguindo com essa filosofia ao longo de sua vida, chegando a construir em sua residência um jardim com a simbologia maçônica. Nesse mesmo espaço, construiu também o Captador de Energias, “o Heptágono da Perfeição”. Esse complexo é visitado pelos irmãos de ideal até os dias de hoje. 

Dois anos antes de se aposentar como superintendente de um órgão ligado ao Ministério do Trabalho, conseguiu transferência para Franca. Foi a ponte para retornar a sua cidade natal, Sacramento, pois sempre manifestou o imenso desejo de voltar às suas origens, conforme destaca Sumaia.

“- Quem imaginou que Ármilon viveria uma aposentadoria de descanso, talvez desconhecesse seu compromisso maior, o resgate da história de sua tão amada fazenda Santa Maria e a realização de vários sonhos coletivos dessa comunidade. Tal compromisso nos levou a homenageá-lo na FLAR de, 2018”.

Ármilon e Delfimar ao se mudarem definitivamente para Sacramento, em meados de 1990, adquiriram as terras de Santa Maria, que pertenciam ao seu querido tio, Athaíde Gonçalves de Araújo. Eles doaram a área nobre da fazenda, para ser constituído o Instituto Cultural Leopoldina Geovana de Araújo - INCLA. 

 A criação dessa entidade teve grande importância na união de muitos membros da família: irmãos, filhos, sobrinhos e vários familiares de mesmo ideal. O Casarão - sede da grande fazenda do século XIX, de relevante importância histórica para toda a região - tornou-se a sede do INCLA e do museu histórico da entidade. 

Em outro espaço da fazenda, também doado, foi construída a Cozinha Piloto com três objetivos fundamentais: preservar a culinária mineira, promovendo cursos gratuitos para a comunidade, em parceria com várias entidades, favorecendo o aumento de renda dos moradores com a comercialização de produtos mineiros de qualidade; fornecer refeições às caravanas de turistas que vêm de vários lugares do Brasil para visitar a região e oferecer lanches aos frequentadores regulares que participam das atividades do Instituto.

Logo após a criação do Instituto, Ármilon e Delfimar também doaram uma área à Heigorina Cunha, para a realização do seu sonho: construir um centro de tratamento às pessoas portadoras de necessidades especiais. Faz 20 anos que a Casa Assistencial Dr. Bezerra de Menezes recebe crianças e jovens deficientes, com atendimento gratuito, especializado em diversas áreas terapêuticas.

Com a ajuda e o carinho de amigos e trabalhadores locais, o INCLA reergueu a capela, em memória de todos os católicos que viveram no começo da história da fazenda Santa Maria, mais tarde dando lugar a uma nova orientação religiosa que surgiu no fim do século XIX, início do século XX, o Espiritismo. A capela está no mesmo local de origem. 

Foram oito anos de muito trabalho e investigação, para refazer aquele patrimônio histórico, mantendo as mesmas características coloniais da época. Empenhou-se em localizar a clareira onde os bandeirantes teriam fincado um cruzeiro e erigido um pequeno altar para cultos religiosos no século XIX.

Ao pesquisar registros históricos e contar com inspiração, redesenhou-se o que teria sido a capelinha construída pelo seu tataravô, o padre Antônio, o proprietário da antiga sesmaria de Santa Maria.

Outro sonho, esse compartilhado pelo Dr. Tomaz Novelino, de construir um observatório astronômico, nas terras de Santa Maria, para resgatar os estudos de astronomia ministrados pelo Professor Eurípedes Barsanulpho, no colégio Allan Kardec, foi apoiado por Ármilon e Mazinha que doaram o terreno no local mais adequado a essa obra. O grupo de estudiosos, liderado pelo professor Carlos Alberto Poggetti, discípulo do Dr. Novelino, vem realizando várias campanhas para tornar esse sonho, realidade. 

Por pertencer a uma família de raízes espíritas, Ármilon estudou a fundo essa filosofia e se dedicou a conhecer amplamente a vida de Eurípedes Barsanulpho. Nos anos em que viveu em Santa Maria, Ármilon era o responsável em contar para os caravaneiros as histórias de Eurípedes, da origem de Santa Maria, de seus moradores ilustres, entre outras. Durante anos, todos os domingos, dedicou-se também ao compromisso de explanar o Evangelho no Culto das 9 horas, na Chácara Triângulo, em Sacramento.

Muitos feitos de Ármilon são desconhecidos, pois ele tinha uma atitude de silêncio diante das suas ações.