A pesquisadora da Embrapa Soja de Londrina (PR), Dra. Cláudia Vieira Godoy, esteve em Sacramento esta semana para uma palestra sobre manejo de doença da soja aos produtores rurais, na Casa da Cultura Sergio Pacheco. Na oportunidade, conversou com o ET, ao lado dos produtores, André Eugenio Barra Bizinoto, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais, acompanhado de sua esposa, Profa. Odileia Zago; empresário Helder Devós (Decão), em um café da tarde oferecido pelo casal Gorette Bertollucci e José Walter de Oliveira, produtor de soja, que também participou da entrevista.
A engenheira agrônoma, Claudia Godoy é doutora em Fitopatologia pela Universidade de São Paulo (2000). Trabalhou como pesquisadora em desenvolvimento de produtos (fungicidas, inseticidas e herbicidas) na Empresa Zeneca/Syngenta de 1999 a 2002. Em 2012 a 2013 frequentou o curso de pós-doutorado na Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, Estados Unidos, e atuou como pesquisadora visitante no National Soybean Research Center. Atualmente, é pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Soja) onde atua na área de Fitopatologia com ênfase em epidemiologia e controle de doenças de soja, em Londrina (PR).
ET - Há tempos assistimos no município esse dilema sobre os problemas enfrentado pelos produtores rurais para o combate da ferrugem nas lavouras de soja. Falando hoje à noite aos produtores rurais, a senhora vai apresentar uma solução definitiva para o problema?
Drª Cláudia Godoy - Na verdade, vou apresentar alguma coisa bastante velha, que são os fungicidas e mostrar como o fungo está se adaptando a eles, porque o fungo vem mudando muito rápido, se tornando resistente, e muitas vezes, os recursos adotados no ano passado não servem para esta safra, devido à sua adaptabilidade. O fungo vem sofrendo várias mutações, que vão se acumulando no seu genoma, então, o produtor tem que estar muito atento, acompanhando a eficiência dos produtos para saber o que usar na próxima safra. Ou seja, vou mostrar como fazer para se manejar a doença sem perdas, utilizando as poucas ferramentas que temos, que são o vazio sanitário, o cultivar de soja precoce e adaptação do controle químico para diferentes épocas de semeaduras.
ET - Quais são as doenças que afetam a soja em nosso Estado?
Drª Cláudia - Minas Gerais tem uma grande área produtora, 1,5 milhão de hectares de soja. Fui convidada a vir falar de duas doenças, a ferrugem, doença que já deu muito prejuízo aos produtores, que é um fungo que muda bastante e, também, do mofo branco, porque essa região tem uma altitude bastante favorável para o mofo.
ET - A ferrugem está presente também em outros países produtores, como EUA, Argentina... ou é uma doença tipicamente de países tropicais?
Drª Cláudia - A ferrugem está presente no mundo inteiro. Mas nos Estados Unidos e Argentina, por exemplo, que têm grandes áreas de soja, são países que têm inverno rigoroso, ao contrário do Brasil, cujo clima é tropical. O inverno noutros países funciona como vazio sanitário.
Vazio Sanitário é uma medida fitossanitária de extrema importância para combater a doença da ferrugem asiática. Trata-se de um período, definido por lei, em que é proibido manter nas fazendas plantas vivas de soja que restaram da última safra ou plantas voluntárias (tigueras e guaxas).
Já no Brasil temos o vazio sanitário artificial, isto é, proibindo o plantio de soja no inverno para reduzir o inóculo da ferrugem. O que fazemos no Brasil é imitar o que se faz nos países temperados. A proibição não é tão eficiente, mas é uma medida que ajuda atrasar a entrada da doença. Antes da proibição, muitos produtores usavam o período do inverno, que é também seco, para produzir soja sob pivô, o que propiciava a presença do fungo o ano todo e os prejuízos eram muito grandes, por isso, a partir de 2006 foi determinado o vazio sanitário.
ET - Em relação a novas pesquisas, há algo promissor na área, algum antídoto já em teste, algo que a Sra. definiria como revolucionário para combater de vez a ferrugem asiática?
Drª Cláudia - O centro da nossa pesquisa são os genes resistentes nas cultivares, mas o problema é que com a variedade do fungo, ele consegue vencer sempre as cultivares.
O Código Internacional de Nomenclatura de Plantas Cultivadas define um 'cultivar' como "um conjunto de plantas que foi selecionado tendo em vista um atributo particular, ou combinação de atributos...” Significa, estritamente 'variedade cultivada' de uma espécie vegetal, diferente de 'variedade de plantas', usada no comércio de plantas e suas sementes.
Por isso, as cultivares têm sido recomendadas sempre associadas às outras estratégias de manejo, associadas ao vazio sanitário e ao fungicida. Então, para manejar a ferrugem hoje, tem-se que utilizar um conjunto de estratégias para não perder, ou seja, nenhuma estratégia isolada funciona. Só com cultivar, com resistência sozinha não funciona.
Hélder - Sabemos das dificuldades que os produtores enfrentam com a ferrugem, sabemos também da grande capacidade de mutações do fungo... O que a senhora pode dizer sobre as novas variedades Inox? Sabemos que temos que usar fungicidas, mas é nas mesmas quantidades que usamos nas variedades convencionais ou não?
Drª Cláudia. Na Inox é uma variedade muito boa, para se associar aos fungicidas que vêm perdendo a resistência, se não usar, o fungo quebra a resistência. Temos visto nas regiões onde a ferrugem é bastante severa, que o que tem controlado é a Inox mais o fungicida, porque quando o fungicida perde a eficiência, não se consegue mais segurar e a Inox ajuda bastante, porque dá uma estabilidade maior de produção. Ou seja, a Inox mais o fungicida são duas tecnologias que quando associadas, conseguem dar uma estabilidade maior de produtividade.
Soja Inox® é o nome da tecnologia lançada pela TMG onde a cultivar tem genes de resistência a ferrugem, mas não imunidade. A Embrapa também possui cultivares com genes de resistência a ferrugem, denominada
Shield.
José Walter - Plantei uma cultivar da TMG 7063 Inox e fiz um cantinho de experiência, 4 ha, só com aplicação de fungicida. Fechei a lavoura sem ferrugem e com boa produtividade. Eu corri risco ou fiz certo?
Drª Cláudia - Você plantou cedo? (José Walter confirma que sim). Então, você teve o escape da ferrugem e deu sorte. Se você planta cedo, a probabilidade de a ferrugem entrar é pequena. Mas isso que você fez é arriscado. O ideal é monitorar a lavoura e, assim, fazer isso com segurança. Fazer por fazer, só porque é Inox é arriscado, se a ferrugem tivesse entrado, o fungo poderia quebrar o gene de resistência da Inox. As cultivares com gene de resistência devem ser manejadas como cultivares suscetíveis porque se o fungo quebrar a resistência em função da sua variabilidade, o produtor pode ter redução de produtividade. A grande vantagem da cultivar com gene de resistência é a maior estabilidade de produção, principalmente na região onde o plantio é mais tarde e tem mais ferrugem, como é o caso dessa região.
ET - O que significa plantar cedo?
Drª Cláudia - Plantar cedo quer dizer depois do vazio sanitário, no início da janela de plantio, no comecinho de outubro, por exemplo, quando o risco é menor. Quem planta em novembro, corre muito risco, porque o inócuo é maior, plantio de dezembro então, nem se fala, mesmo que seja Inox, porque o risco de perda é grande. Plantando em outubro, se o produtor monitorar, pode reduzir o número de aplicações, mesmo se não for Inox. A região de Sacramento tem uma semeadura mais tardia e pega inóculo de ferrugem de outras regiões. É uma região que tem que se preocupar com a ferrugem.
André - Uma das preocupações do produtor é esse manejo, porque hoje quem monitora e quem faz as aplicações são os técnicos das empresas que vendem os produtos e eles colocam na cabeça do produtor o manejo que a empresa vende. Eu, particularmente, tenho uma certa resistência nesse sentido, por isso compro produtos de diversas empresas, mas há muito produtor que adquire de uma única empresa, incorrendo no erro de usar um único produto. O que a senhora recomenda?
Drª Cláudia - A própria empresa está errando na rotação de produtos. Se ela fizer a rotação, ela vai ter o seu produto por mais tempo no mercado. A própria pesquisa da empresa recomenda isso, mas lá na ponta não estão fazendo. Quando se faz a rotação, você quebra a seleção do fungo. A rotação é saudável até para a empresa preservarem seus fungicidas eficientes por mais tempo. O que os produtores têm que fazer é cobrar das empresas o monitoramento, mostrando que a ferrugem está presente na região, caso contrário estarão aplicando sem ter ferrugem. As cultivares mudaram muito, temos muito material precoce, plantando cedo sem ferrugem. Hoje, o que predomina é a doença de final de ciclo e, por isso, o produtor consegue reduzir o número de aplicações, mas para isso precisa do monitoramento. Os fungicidas não são curativos e não se pode perder a época de aplicação. O monitoramento da região é importante. Os produtores podem deixar os canteiros de teste de germinação e fazer o monitoramento nessas áreas para acompanhar a entrada da ferrugem na região e se comunicar para evitar atraso de aplicação na região.
ET - Em julho último, o governo autorizou a entrada de 51 novos tipos de agrotóxicos no mercado brasileiro. Isso vai adiantar para o combate das pragas?
Drª Cláudia - São produtos genéricos, mas para a ferrugem não temos nenhum lançamento de novas moléculas. Temos hoje três grupos químicos: Triazóis, Estrobirulinas e Carboxamidas, porém não há nenhum modo de ação novo. Por isso, o produtor tem que aprender a manejar com esses três grupos químicos. Os produtos que vão entrar no país são produtos que o Brasil já tem, eles são só ativos novos com os mesmos modo de ação que o fungo vem resistindo. Não há nenhum modo de ação novo no mercado para ferrugem nos próximos anos. Esses produtos que foram registrados, na maioria, são genéricos, que ajudam a reduzir preços para o produtor.
ET – Ainda, segundo o Diário Oficial da União (DOU), dessa lista, 28 produtos são classificados como tóxicos; 17, extremamente tóxicos; 5 pouco tóxicos. E diz ainda que 27 desses produtos são perigosos ao meio ambiente; 18 são muito perigosos; 5 pouco perigosos e 1, altamente perigoso. Isso em relação ao meio ambiente. Perguntamos, e em relação a nós humanos, são perigosos?
Drª Cláudia - Para obter o registro, esses produtos passam por um processo de análise de resíduos, utilizando uma dose, há carência para que seja feita a colheita. Enfim, são feitas várias análises de segurança e se foi feito o registro, é porque foram obedecidas todas as regras, foram seguidas todas as normas de segurança e não haverá problema com o consumo. O registro é feito por três órgãos, pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que avalia a toxicologia; o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) e o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), que avalia a eficiência, e são três órgãos muito rigorosos.
ET – Então, podemos comer soja e seus derivados, tranquilamente?
Drª Cláudia - Sim, podem comer, tranquilamente.
Odileia - Antigamente, nas colheitas de arroz, as pessoas usavam Aldrim, BHC, Formicida... Manipulavam com as mãos sem nenhuma proteção. A partir do início da produção de soja no país, aos dias de hoje, a questão de toxicidade dos produtos aumentou?
Drª Cláudia - Não. Os produtos hoje são menos tóxicos. Por exemplo, se pegar os fungicidas, eles são específicos para os fungos. Os benzimidazóis são os mesmos usados para tratar micose, pois são específicos para fungos e por atuarem em processos específicos. Portanto, a toxicologia dos produtos vem sendo reduzida. E os mesmos fungicidas que usamos na soja são os mesmos usados na saúde humana, em doses menores. Aliás, os benzimidazóis, os triazois vêm da área farmacêutica e são usados na soja e na saúde humana.
ET - Dra. Cláudia, a Gorette preparou duas tortas para recebê-la. Uma de soja transgênica, outra orgânica. E percebemos que a Sra. só comeu da orgânica... (brincadeira) Mas a Sra. prefere o alimento geneticamente modificado ou dá preferência aos orgânicos?
Drª Cláudia - Eu comi o pão de queijo da Gorette e o bolo de milho da Odileia e ambos estavam muito bons. Como consumidora eu não faço diferenciação entre orgânico e geneticamente modificado. Alguns alimentos tendem a usar muito inseticida em função de pragas e em País tropical como o nosso é bem difícil à produção orgânica, o que torna os alimentos orgânicos mais caros e de difícil produção em larga escala.
ET - Mas há algum receio?
Cláudia - Meu receio é sempre quanto a excesso de uso de agrotóxicos pelo excesso de pragas. Os produtos geneticamente modificados podem ajudar a reduzir aplicações de agrotóxicos a exemplo da tecnologia Intacta RR2 PRO™ que proporciona resistência às principais lagartas da soja, tais como a lagarta-da-soja, a falsa-medideira, a lagarta-das-maçãs e a broca das axilas. Algumas tecnologias geneticamente modificam não reduzem o uso de agrotóxico, mas facilitam o manejo para o produtor como foi o caso da soja resistente a glifosato. Outras tecnologias OGM têm como finalidade aumentar o teor nutricional como o arroz dourado, rico em betacaroteno. A engenharia genética permite que se façam mudanças pontuais nos genomas das plantas. No melhoramento convencional você envolve um conjunto de genes muitas vezes desconhecidos. É a evolução da ciência e muitas vezes isso assusta, mas há todo um estudo de segurança por trás dessa evolução antes que se faça a liberação de um produto comercial.
ET - O governo cortou este ano 30% das verbas destinadas às pesquisas feitas pelas universidades e instituições públicas e, para o próximo ano, já anunciou o corte de 50%. Isso vai atrapalhar as pesquisas na Embrapa e das demais instituições?
Drª Cláudia - Sem dúvida. Vai prejudicar bastante e vamos ter que nos adaptar e buscar recursos noutras fontes. Mas esses cortes já vinham ocorrendo nos anos anteriores e a gente vem sempre se adaptando.
ET - Agradecendo sua simpática cordialidade, finalizamos com mais duas perguntas. Diante disso, que futuro a Sra. enxerga para uma Soja sem ferrugem?
Dra. Cláudia - A ferrugem não vai sair do Brasil. O fungo vem se adaptando aos fungicidas e vai se adaptar mais ainda nos próximos anos. O sistema produtivo também se adaptou com cultivares precoces e plantio mais cedo. Mas algumas regiões não conseguem escapar da doença e podem começar a ter perdas de produtividade. A região de Sacramento, por ter semeadura tardia é uma região que pode ter um controle mais difícil da doença. A redução da janela de semeadura da soja ajuda no manejo da doença. Não iniciar o plantio com irrigação ajuda o estado como um todo, porque as áreas irrigadas produzem inóculo para os produtores que só conseguem semear quando as chuvas começam. Para a região de Sacramento, as cultivares com gene de resistência são uma ferramenta importante para a estabilidade de produção.
ET – Podemos dizer que chegamos a uma situação irreversível: não fossem os agrotóxicos, não haveria comida suficiente para alimentar a humanidade?
Drª Cláudia – Os agrotóxicos hoje são vistos como vilões, mas eles nos ajudam a produzir em um País como o Brasil, onde temos condições contínuas para sobrevivência de pragas durante o ano todo. Devem ser usados com cautela, seguindo as recomendações e evitando excessos. Não devem ser usados como a única solução, por isso sempre somos muito defensores de medidas como vazio sanitário, cultivares precoces e resistentes, monitoramento e redução de janela de semeadura para soja. Também vivemos mais porque temos remédios e vacinas que não tínhamos há 100 anos. O desenvolvimento dos agrotóxicos é paralelo ao desenvolvimento de remédios na medicina porque são as mesmas indústrias. Tratamos as plantas da mesma forma que tomamos remédios. E a evolução da ciência para um futuro melhor.