A Escola Municipal Dr João Cordeiro abriu as portas no sábado 7 para a primeira intervenção 'Educação Cultural', promovida pelo grupo Hora do Rap, que além de exposição dos trabalhos realizados em diversas oficinas, dentro do projeto 'Rap na Escola – Caminhos da escrita', teve roda de conversa, oficina de grafite e discotecagem com DJ Pernambuco.
O evento reuniu grafiteiros, música e dança de Sacramento e região. Do lado de fora, diversos grafiteiros registraram sua arte no muro da escola. Aberto ao público no domingo 8, fora do pátio escolar, na praça Franklin Vieira, as atividades prosseguiram até à tarde com grande participação popular.
Projeto nasce a partir da Olimpíada da Língua Portuguesa
De acordo com a diretora Marilda Ferreira Borges de Souza, a ideia nasceu a partir do projeto 'Rap na Escola - Caminhos da escrita', idealizado para motivar a Olimpíada da Língua Portuguesa. “Para culminar o projeto, entramos em contato com o grafiteiro Dênis Balduíno, apresentamos o projeto. Abraçando a causa e, com sua criatividade, o seu grupo montou outro projeto”, explica.
De acordo com a diretora, as atividades começaram no início de novembro, desenvolvendo várias oficinas: de grafite; de rap, trabalhando com as rimas e métrica; oficina de breakdance, também conhecida como street dance (dança de rua), que faz parte da cultura do hip hop. “Eles trouxeram pessoas de fora para ministrar as oficinas, além do Juninho Fotógrafo que ministrou a oficina de fotografia e montagem de vídeos”, diz mais, avaliando os dois dias de atividades como muito positivos.
As atividades do primeiro dia foram internas, com a exposição dos trabalhos feitos nas oficinas, inclusive dança, e apenas um grafite feito por Denys e alunos da escola. Mas enquanto acontecia a culminância do projeto internamente, os diversos grafiteiros, de Uberlândia, Araxá, Uberaba, Franca, dentre outras cidades, deixaram a sua arte nos muros externos da escola.
No domingo, a Educação Cultural foi aberta ao público com espaço na praça Franklin Vieira, com muitas atividades. “O público pôde interagir com várias artes, comprar produtos das feiras de artesanato, camisetas, na praça de alimentação. Tivemos ainda a participação do projeto Sacra Essa Ideia, atendimentos da área da saúde, além da arte de vários artistas, como Consta Real (Araxá), Esaac, K-Olivier, Toi e DJ Nenê, Brava Rima, Tuti, André e Teco, Gabriel, NDN, Mano Jota, (Uberaba) Coletivo USB (com integrantes de Igarapava e Buritizal e Uberaba), DC Family (Franca), Roda de Breaking, Batalha de MCS, H.E (SP) e 7&8 Infinity (Sacramento)”, enumerou Marilda, agradecendo.
A escola tem que estar aberta para todas as artes...
A arte do grafite é uma forma de manifestação artística em espaços públicos, que está ligada diretamente a movimentos, em especial ao Hip Hop, como forma de expressar toda a opressão que a humanidade vive, principalmente os menos favorecidos, ou seja, o grafite reflete a realidade das ruas. É uma arte polêmica, para alguns o grafite é desempenhado com qualidade artística, para outros, não passa de poluição visual e vandalismo. Mas para a diretora Marilda, a escola tem que estar aberta para todas as artes.
“O grafite é uma arte de bairro, de periferia, de favela, é presenciada por nossos alunos, faz parte da vida deles e muitos já fazem isso pelos cantos. Então, por que não conhecer a arte e se educar para usá-la. Nossos alunos foram preparados e orientados para isso. Fomos à Prefeitura pedir permissão, afinal, aqui é um prédio público. Combinamos de não grafitar dentro da escola e assim foi. Fizeram um painel na quadra e os demais aqui na fachada”, explica a diretora, ressaltando o apoio da comunidade escolar.
“Abrimos as portas da escola para mostrar que a arte do hip hop é uma manifestação cultural da comunidade e que tem regras, ou seja, quando é feita com cuidado e disciplina é muito saudável, ainda mais quando temos o apoio dos professores, alunos e pais”, avalia, finalizando:
“- O projeto despertou nos alunos o senso de pertencimento. Não houve indisciplina, eles participaram, gostaram e através disso, eles vão perceber que a escola é deles, um lugar onde podem expressar a sua arte. Na minha avaliação foi muito positiva essa forma diferente de educar, de formar cidadãos”.
No domingo, o encontro foi reaberto com ToiRap, a diretora Marilda, as professoras, Soraia e Renata Cristina, o músico Gustavo Morlim e a psicóloga Ana Flávia ressaltando a importância do projeto 'Rap na Escola - Caminhos da escrita'. Todos foram unânimes em reconhecer que os alunos aprenderam muito nas atividades e nos dois dias do evento.
Um dos grandes incentivadores da cultura do Hip hop na cidade, o artista plástico Dênis Balduíno destacou na sua mensagem o papel da escola no processo. “São dois dias de movimentação intensa, mas que carregam um mês de trabalho intenso dos profissionais da escola, colaboradores, alunos e só temos que agradecer muito por essa iniciativa”.
O grafiteiro Júlio Neguela, de Uberlândia, participou apresentando um trabalho autoral de letras, fez parte do coletivo de grafiteiros e revela o prazer em participar. “É com prazer que estou aqui, dou aulas de grafite, Batalha de MCS, ou seja, sou um profissional do grafite. São 21 anos no grafite e podendo usufruir do meu trabalho”, explica Neguela. Acompanhado pela mulher, Ester Ferreira de Souza, que vende camisetas dentro do estilo da arte em uma das tendas, mas quer fincar a marca Neguela. “Confeccionamos as nossas camisetas que em breve terá marca própria, quem sabe Neguela”, antevê.
As jovens Thaíssa Gabriela França Cândido, Ana Beatriz Tinoco Souza, Patrícia Nunes dos Santos vendiam doces, que foram confeccionados com a ajuda dos professores. “Cada um ajudou um pouquinho com os doces que estão deliciosos e tiveram muita aceitação”.
A Secretaria de Saúde também esteve presente com as profissionais, enfermeiras e técnicas de enfermagem, Leda Helenice Roldão de Andrade, Regina Célia de Oliveira, Mislene Garcia Borges de Melo, Benedita Nunes Santana e Cecília Cândido que fizeram aferição da pressão arterial e glicemia; testes rápidos de HIV, sífilis e hepatites B e C realizados com apenas um furinho no dedo.
O hip hop mostra os problemas sociais e mostra também a solução...
Kairo Damasceno (ToiRap), de Uberaba, deixou uma mensagem para os presentes, falando da importância da educação atual, que tem Carolina, Zumbi dos Palmares e agora a arte urbana dentro da escola.
“A cultura do hip hop mostrou para nós, que vem da periferia, que tínhamos que levantar a cabeça e buscar nosso espaço. E quando vimos o que é o hip hop vimos que a nossa história não se resume somente aos livros didáticos. Vemos que eles, os livros didáticos, falam de assuntos, como por exemplo, a escravidão, de uma forma irreal, quase que fictícia. Mas ela é real, a cultura negra nos mostra isso de forma real, trazendo não a revolta, mas uma reflexão de liderança, de atitude para conseguirmos trazer a vitória cada vez mais”, afirma, completando com a importância do hip hop no contexto.
“E o hip hop é isso. Ele mostra os problemas sociais e mostra também a solução para eles: estudando, correndo atrás, chegar e ocupar as universidades, enfim, ocupando espaços que por direito é de todos os seres humanos como povo de bem. E a educação agora encampando essa cultura.
Diria que o hip hop vem para substituir a escola com seus métodos atrasados, só focadas nos livros. E é isso que estamos fazendo aqui, mostrando para esses jovens como é a história e que eles são capazes de ocupar espaços e serem lideranças de suas comunidades. Estamos mostrando que ele vai ser liderança da periferia, da sua comunidade, não é com arma na mão, não é com drogas, mas é com o microfone, o spray na mão, fazendo grafite da forma certa, como pessoa de bem”, revela, com toda razão.
ToiRap parabeniza a escola pela iniciativa. “Este projeto hoje prova que isso é possível. Sempre digo para as pessoas que não podemos esperar o governo. Temos que cada vez mais avançar, para mostrar que não é porque as pessoas vivem na periferia, que precisam ser abordadas pela polícia”, destaca, acrescentado uma situação de preconceito que viveu quando vinha para Sacramento.
“Estávamos esperando um Uber, ele chegou, mas não parou, passou direto, acredito que pelo jeito como estamos vestidos. Nisso veio um conhecido, que parou, conversou e nos trouxe”, contou, lamentando.
“Então, infelizmente a sociedade ainda tem essa ideia de que a pessoa que mora na periferia, que canta rap, que tem um estilo diferente é taxada como bandido, como marginal. Mas temos que resistir e a Hora do Rap hoje é resistência”, por conta do preconceito, explicando e criticando o governo que não prega o diálogo, mas o desleixo e desprezo pela cultura.
“- O governo prega no slogan dele a questão de segurança e isso não é o slogan de diálogo de entendimento. A gente entende que a solução do problema não é a gente, tipo assim, lacrar a casa, por cerca elétrica. Então, eles vão ter que colocar cerca elétrica na favela, né. O problema é o seguinte, a solução é a educação, é a igualdade, é a cultura, a conscientização. O que a gente tá vendo que acontece no governo é um reflexo disso, um reflexo da elite, querendo cada vez mais se blindar e fechar as portas para o povo”.
ToiRap finaliza perguntando quantas pessoas não serão impactadas com isso. “Uma parada aqui que eu sempre falo para os meninos a gente não pode esperar o governo, a gente tem cada vez mais avançar, em detrimento do governo e da elite, que entende que o jovem negro da periferia ele tem que ser abordado, esculachado...”