Sacramento foi destaque no jornal Valor Econômico, em matéria de Marcos de Moura e Souza, intitulada, “Javaporcos não dão trégua a agricultores”, na edição dessa terça-feira 29. De acordo com a matéria, o fazendeiro Amarildo Bizinoto investiu durante anos na produção de milho, soja e sorgo na região oeste de Minas. Venceu percalços frequentes e comuns à agricultura: anos de secas, anos de preços baixos dos grãos, anos de chuvas devastadoras de granizo. Mas, recentemente, se viu diante de um adversário ao qual teve de se render.
“Tive de parar de plantar milho. Já cheguei a ter mil hectares de milho, só que ficou inviável”, disse ele na semana passada na sua fazenda, no município de Sacramento (MG). O que forçou Bizinoto, de 51 anos - 33 deles investindo no campo - a abandonar a cultura de milho em suas terras foram os javalis. “Eles entram nas plantações em manadas; já tive muito prejuízo com javali”.
O animal é o pesadelo de produtores de diversos estados, do Rio Grande do Sul à Bahia. Está expandindo sua presença por áreas onde nunca tinha pisado, causando prejuízos em pequenos sítios e em grandes fazendas e elevando gastos de produção. Em algumas áreas, a opção dos agricultores - como Bizinoto - tem sido simplesmente desistir do milho, um dos alimentos favoritos do animal.
Número de produtores de milho caiu no município
A matéria aponta, que Sacramento, com 27 mil habitantes e economia baseada no campo, viu uma mudança em seu perfil rural nos últimos anos. “Estimativa do Sindicato dos Produtores Rurais da cidade dá conta de que, alguns anos atrás, havia entre 50 a 60 produtores comerciais de milho na região e hoje, são cinco ou seis. Muitos produtores passaram a gastar mais com cercas elétricas para proteger suas lavouras de milho e soja - também afetadas pelos javalis”.
Mas, o que se passa em Sacramento, segundo a matéria, é o mesmo que se vê em fazendas em São Paulo e também na região Sul, onde os javalis são responsáveis por parte da redução do plantio de milho no Estado. E o Mato Grosso já está em alerta. Segundo Antônio Galvan, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja MT), o que mais preocupa ainda são as queixadas, um tipo de porco do mato. Mas o javali e as misturas dele já estão entrando no estado.
“Alguns animais já foram vistos em algumas regiões”, diz Galvan. Já, Gilmar Ogawa, assessor da presidência da Federação da Agricultura e Pecuária de São Paulo, destaca que além dos estragos nas lavouras e nas nascentes, os produtores têm medo de ataques do animal.
Animal chegaram ao Brasil pelo Uruguai, mas também foram trazidos por criadores
De acordo com a matéria, os javalis e seus cruzamentos são onívoros, se alimentam principalmente de milho, mas comem outros grãos, tubérculos, aves e até ovelhas e bezerros recém-nascidos. O javali - cujo nome científico é Sus scrofa - é uma espécie de porco selvagem, com origem na Europa, Ásia e norte da África.
Segundo dados compilados pelo Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali - um documento produzido em 2017 pelos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura - a primeira introdução do animal na América do Sul se deu entre 1904 e 1906, pela Argentina. A caça e a criação para o corte teriam motivado essa introdução. Do Uruguai esses animais se disseminaram pelo Brasil, sobretudo, a partir dos anos 1990. Também foram trazidos por criadores para produção de carne, para caça esportiva e para zoológicos.
Nos anos seguintes, se espalharam e passaram a ter vida selvagem cruzando com porcos do mato ou com porcos domésticos. São três a quatro crias por ano, cada uma com sete a oito filhotes. Alguns mantêm o aspecto mais marcado dos javalis puros, com focinhos compridos e presas longas para fora; outros se assemelham mais a porcos. Podem pesar 300 quilos.
Caça é permitida
Os javalis são considerados animais nocivos e invasores. Assim como ocorre nos EUA, Austrália e outros países afetados pela disseminação dos javalis, o Brasil, desde 2013, permite a caça como forma de controle. A prática costuma ser alvo de críticas de grupos e pessoas engajados na defesa do bem-estar animal. Mas mesmo caçado aos milhares todos os anos com armas de fogo, lanças, cachorros e armadilhas, o javali e seus cruzamentos com porcos, os chamados javaporcos, proliferam num ritmo acelerado e continuam sendo motivo de preocupação no campo pelos estragos que causam em plantações e áreas de nascentes de rios.
Há ainda outro e mais complexo problema associado ao animal: o fato de serem potenciais vetores de transmissão dos vírus da peste suína e da febre aftosa. Um estudo recente coordenado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e liderado pela zootecnista Ana Lígia Lenat apontou que, em um cenário extremo em que os vírus da aftosa ou da peste suína clássica venham a atingir a população de javalis e javaporcos no Brasil, e a partir deles se dissemine pelos rebanhos bovino e suíno, os prejuízos em três anos seriam de R$ 52 bilhões.
“Felizmente, não há nenhuma informação de javalis ou javaporcos contaminados com os vírus no país. O que há é um cenário de alerta e os danos já contabilizados por produtores rurais e centenas de cidades”, informa Lenat.
Em relação ao controle, fazendeiros têm dois caminhos: obter licenças no Ibama, Exército e Polícia Federal para fazerem o abate e para portarem armas; o outro caminho é recorrer a caçadores habilitados e autorizados.
“É um hobby caro que nós temos", afirma Júlio César Ferreira, caçador autorizado de Sacramento. Ele e outro caçador, Adriano Lima, calculam que, juntos, já abateram mais de 300 javalis desde o começo deste ano.
Dados do Ibama mostram que entre abril e setembro, quase 10 mil javalis foram abatidos nos estados de Santa Catarina, São Paulo; Minas Gerais; Rio Grande do Sul; e no Paraná. Os números representam os abates regularmente notificados ao Ibama, mas para Daniel Terra, presidente da Associação Nacional de Caça e Conservação, os números oficiais são subestimados.
“A gente estima que para cada pessoa que se cadastra no Ibama há outros 15 a 20 caçadores não cadastrados”, afirma. Segundo ele, há 40 mil cadastrados, mas a burocracia, custos da legalização e desconhecimento explicariam a grande informalidade na atividade da caça do javali no Brasil.
Foto:Adriano Lima, Júlio Cesar e Francisco, já abateram mais de 300 javaporcos no município; acima lavoura de milho depredada
(https://valor.globo.com/ Redação ET)