Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Morre Maria do Coco: Sacramento perde uma grande mulher

Edição nº 1609 - 09 de Fevereiro de 2018

Maria das Dores Barcelos (foto) ficou conhecida como a Maria do Coco, porque era mulher do Cocane. E com um nome assim, claro, virou Coco. E a mulher, a Maria do Coco, mulher de fibra que deixou um rastro de exemplos vida a fora. Ela tinha 77 quando morreu na manhã da última sexta-feira 2, depois de permanecer 14 dias internada no Hospital Escola de Uberaba. 

Trasladado para Sacramento, seu corpo foi velado no Velório Municipal, a partir das 13h, por familiares, um grande número de amigos, moradores do bairro João XXIII e conhecidos. Dona Maria do Coco  teve sete filhos:  Léia, Ernane, Elcione (falecido), Hércules, Leuza (falecida), Hérmio e Erly e deixa também 13 netos e três bisnetos.


Ela fez a diferença na família ...

Maria das Dores foi uma daquelas pessoas que deixam marcas e o que recebe da família e do bairro onde sempre morou, o João XXIII? Um sincero reconhecimento. 

Sua história de vida começou quando nasceu no bairro João XXIII, em 1940, que naquele tempo era conhecido como, 'Trás do Morro' ou 'Cata Osso'. Ali, cresceu, namorou,  se casou com Cocane e foi morar como todos do bairro numa casa de adobe coberta de folhas de coqueiro, em meio a um terreno, um pasto, na verdade; e ali foram nascendo os filhos. Ela e o marido trabalhando para o sustento da família. Até que em  1962, chegam a Sacramento as irmãs de  São José de Cluny para administrar a Santa Casa, cujo carisma era o acolhimento e a ajuda aos mais pobres.  

“- Eu tinha seis anos, mas lembro quando as irmãs Benigna e Mafalda iam de casa em casa visitando as famílias” - recorda a primogênita Léa, revelando como nasceu a Obra Social João XXIII. 

“- Mamãe contava que vendo aquela pobreza, as irmãs decidiram construir a Obra Social João XXIII com grande apoio do Seu Ítalo Cerchi. Foi através dessa obra que nasceu a vilinha na praça. Primeiro construíram quatro casinhas e nossa família foi uma das contempladas. “Mais tarde veio a Igreja de S. Miguel no meio da praça. Foram quase 50 anos morando ali. Erly nasceu naquela casa, fomos todos criados ali e vimos o progresso chegar”, completa o filho Ernani.

 Aos 37 anos Maria ficou viúva com os sete filhos, Erly, o mais novo,  tinha dois anos. Se Maria já trabalhava, teve que redobrar as forças. E diariamente cortava a cidade para chegar às casas de famílias da sociedade, onde lavava e passava.  Os filhos mais velhos foram também para o trabalho. Léia começou aos 12 anos. 

“- Tivemos uma vida muito difícil, mas, graças a Deus nunca passamos fome. Mamãe trabalhava, mas de manhã, como não tinha pão, ela fazia sopa de fubá, de macarrão. A mesma coisa era à noite, nunca dormimos sem comer, ela fazia sopa e dormíamos todos de barriga cheia. Mamãe trabalhou demais...”, recorda e cita um fato, que muitos dos mais velhos devem se lembrar. 

“- Mamãe, saia cedinho e voltava à noitinha. Depois de uma estafante jornada, ela voltava pra casa trazendo suas sacolas com restos de quitandas que ganhava, além de uma lata de lavagem para os porcos, que equilibrava sobre uma rodilha de pano na cabeça. E quando matava um porco, então, era uma festa, além de dar um pedacinho para os vizinhos, os parentes, recorda Leia, afirmando que sua mãe foi sempre muito feliz, nunca perdeu o sorriso no rosto. “Ela sempre dizia com orgulho: 'Sou  muito feliz, tenho uma vida de rainha...' ”.

 Destaque-se ainda que Maria do Coco  tinha uma bela voz, adorava cantar e tinha alma de poeta, gostava de compor versos...

Líder no bairro João XXIII
“- Mamãe toda vida foi muito religiosa. Antes na construção da Capela de São Miguel, no bairro, depois de trabalhar a semana inteira no centro da cidade, aos domingos, a sua grande fé a levava de volta ao centro para ir à missa Tinha uma fé inabalável”, afirma, lembrando que foi uma catequista do bairro, recém criado. 
“- O trabalho de catequese começou com as irmãs, que visitavam as famílias de casa em casa, onde rezavam o terço. Depois, as irmãs passaram a reunir os moradores debaixo das mangueiras que existiam na praça. E  ali a gente rezava o terço, cantava, tinha catequese, mesmo se as irmãs não fossem, mamãe comandava a reza. 
Eu me lembro que havia voluntários como catequistas. Tinha o Walmor, o Luiz Rodrigues, José Alberto, além de outros alunos da irmã Benigna, que vinham da cidade para ajudar na construção das casas e davam  catequese.  Depois começaram as missas, sempre celebradas pelo Pe. Antonio Borges. Foi quando decidiram fazer a capela de São Miguel”, recordam Leia e Ernani, que conta outro fato interessante: 
“- A gente fazia catequese depois da missa. E logo que acabava, saímos todos para a sopa servida na Casa da Sopa, dirigida pelos espíritas, que também construíam a Vila Sinhazinha”. E Leia completa: “E mamãe dizia que Ir. Benigna não se importava, falando: Deixa, deixa as crianças, elas alimentaram o coração , agora vão alimentar a barriga'. O bairro João XXIII deve muito às irmãs e aos espíritas”, dizia minha mãe, agradecida.
 Depois de construída a capela, por muitos anos Maria foi catequista e zeladora da Capela de S. Miguel. Ela foi a guardiã de tão rica história, inclusive duas fotos históricas, a do 'coreto' coberto com folhas de coqueiro e a da inauguração da igreja...   
Mas de repente tombou...
Para os filhos, Leia e Ernani, Maria do Coco não suportou a perda da filha Leuza, há quatro meses. “Desde que Leuza morreu mamãe mudou, entristeceu e definhou”, revela Ernani, completado pela irmã. “Mamãe entrou em depressão. Ela que sempre foi uma mulher de força, de muita fé, suportando a morte de papai quando tinha apenas 37 anos; também passou pela morte de Elcione, se abateu muito com a morte de Leuza.
Como eu trabalho durante o dia e à noite, às vezes, dava uma passadinha nas folgas, mas Leuza ia à casa dela todos os dias, era sagrado isso.  Até que, há quatro meses, devido a um AVC, ela morreu. Mamãe sofreu demais, foi se entregando, ficou internada na Santa Casa por 16 dias, depois foi para Uberaba e não  resistiu... Mas ela está com Deus, ela fez por merecer esse lugar ao lado do Pai do Céu”. 
A Deus, Maria do Coco!