Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Luiz Rodrigues morre em Uberlândia

Edição nº 1559 - 24 de Fevereiro de 2017

O advogado Luiz Rodrigues de Souza morreu em Uberlândia nessa segunda-feira 20, aos 74 anos, e foi enterrado na manhã seguinte, em Uberaba, pelos familiares e vários amigos de Sacramento e Conquista, onde militou como advogado durante toda sua vida, chegando a ocupar os cargos de vice-prefeito, delegado e promotor municipal.

Além de sua atividade profissional, Luiz Rodrigues teve uma participação compromissada com quase todas as instituições filantrópicas e clubes de serviços da cidade. Os seus relevantes serviços prestados a Sacramento, como diretor e presidente de várias entidades, valeram-lhe o título de Cidadão Honorário e a outorga da Medalha da Ordem de Na. Sra. do Patrocínio do Santíssimo Sacramento, duas das mais importantes honrarias dos poderes Legislativo e Executivo. Foi também vice-prefeito da cidade, quando chegou a ocupar a cadeira do Executivo por alguns meses, na vacância do titular, licenciado por motivos de saúde.

O seu corpo foi velado durante toda a noite no Velório Irmãos Pagliaro, em Uberaba. Um grande número de amigos esteve presente para levar as condolências à família. A Câmara Municipal de Sacramento enviou uma coroa de rosas e o prefeito Wesley De Santi Melo compareceu no momento do enterro. Mas ninguém se lembrou de deixar sobre o seu féretro a bandeira de Sacramento, como é de praxe àqueles que ocupam a cadeira de prefeito e recebem a Medalha da Ordem de Na. Sra. do Patrocínio do Santíssimo Sacramento. A OAB mineira foi representada pelas advogadas, Dora Cerchi e Ivone Regina Silva, Conselheira da Ordem no Estado.

Luiz Rodrigues deixa a esposa Cidinha e os filhos, Marisa, Renato, Daniel e Raquel. Neste momento de dor extrema dessa querida família, a quem sempre cultivamos uma amizade mais que fraterna, o ET expressa profundos sentimentos. 

 

Você, amigo de lu(i)z!

Nossa! Tenho centenas de imagens gravadas de Luiz, desde as câmaras analógicas em celuloides bem guardados às digitais... Mais as primeiras, mas as que ficaram gravadas para sempre estão no coração. São infinitas. E essas são as que valem, as que marcam, imagens indeléveis, não de paisagens, mas de amizade, de ternura e paz...

De dona Francelina, a mãe franzina à beira do fogão de lenha esperando o filho balconista do Armazém do João Rodrigues, que volta e meia aparecia comigo à tiracolo para apreciar aquelas delícias, entremeadas de belas histórias do Capão do Brejo.

Fui assim, sempre, amigo sincero e leal de Luiz, desde os tempos da venda do João Rodrigues, em frente a minha casa. Estudava num cubículo nos fundos do armazém, onde eu chegava pulando o muro que dava para a rua Cgo. Julião Nunes, sempre além das 10 da noite, quando retornava da escola, nos estudos que foram alcançados além da idade e com grande esforço. Do Ginásio noturno ao Técnico de Contabilidade e à universidade, um salto fantástico do menino que chegou das barrancas paulistas do rio Grande para as terras do Santíssimo Sacramento.

Luiz foi um companheiro de muitas jornadas. Difícil precisar o início desta amizade, mas nasceu no balcão da venda do irmão, quando descobri o jovem alegre e festivo para com todos os fregueses. Cativava à primeira vista, como dizia Exupery, num belo livro de nosso tempo. 

Foi a partir daquele sorriso que outras batalhas vieram à tona, tendo à frente uma mulher maravilhosa que inundou Sacramento de graças. A freirinha de São Joseph de Cluny, Ir. Maria Benigna de Jesus Martins, portuguesa que chega a Sacramento no início dos anos 60 e revoluciona a juventude. Minha professora de Sociologia no Curso Normal, foi a grande influência na minha vida de enxergar no próximo o principal compromisso do cristão: a grande mudança dentro da Igreja trazida por João XXIII, abrindo o caminho para a opção preferencial aos pobres. Luiz e eu éramos suas crias. 

Eram autos religiosos, teatros, corais, ruas enfeitadas nas procissões de Corpus Christi, leitura e discussão dos Evangelhos debaixo das mangueiras do Trás do Morro, eram as CEBs nascendo e Luiz e eu ali com os jovens do Trás do Morro, mais aprendendo do que ensinando. E Ir. Benigna à frente, com outro grande amigo, José Alberto, na formação catequética. Tempo de Puebla, tempo de criticar o apolitismo. Não se exclui do espaço da fé e dos templos sagrados a ordem profissional, econômica, social e política. Essa é a verdadeira Igreja, não falo aqui da igreja Católica, falo da Igreja de Cristo. Maravilha!!  A Igreja do papa Francisco.

Que formação incandescente tivemos, companheiro, Luiz. Dali vinham as lides políticas, na União Estudantil Sacramentana, da qual você foi presidente. Das páginas da Marcha do Estudante, jornal estudantil que escrevíamos e rodávamos os dois, ainda no velho mimiógrafo à tinta, ali na Farmácia do Neto Borges, avô do Cocão, amigo inesquecível, que nos cedia o prédio para funcionar a União Estudantil, hoje esquecida por conta desse marasmo pensante e político de mestres e alunos.

Recordo um dia, lá pelos idos dos mesmos anos 60, quando decidimos aprender a atirar. Outro grande amigo comum, o Tal, nos emprestou uma ‘Flowber 22' (não tenho certeza da grafia), uma espingarda tipo 'felobé', como chamávamos na época. Buscamos uma grota na direção do ribeirão Borá e levamos uma caixa de balas (projéteis) e várias latinhas que foram colocadas próximas sobre um barranco. Tiro pra cá, tiro pra lá... nenhuma latinha voou como Giuliano Gemma fazia. Permaneceram lá, intactas. Acho que nunca mais empunhamos uma arma. Decidimos atirar com as palavras... 

Ah, belas histórias, os encontros com Zacanini, no Desemboque, até uma triste despedida do amigo, já quase moribundo, em São Paulo. E quando alisamos os cabelos com a Nadir da Flor, ali perto do Cemitério... Que história!!

Tudo isso contribuiu para um salto até alçar o desejo incontido de participar mais diretamente da vida política. Advogado atuante, promotor em Conquista, Delegado em Sacramento... popularidade que o leva à vitória no pleito de 1976 tendo o amigo José Alberto como cabeça de chapa para a governança da cidade. Fazem um governo exemplar. No dia 1º de agosto de 1978, ocupa o cargo de prefeito ao cobrir a licença do titular. 

Foi assim... Nunca nos afastamos. Principalmente por conta da amizade e do carinho recíprocos. Um único embate nos separava, ele se enveredou nas lições de Adam Smith e eu cultivei minha indomável sede socialista. Mas nunca nos afastamos. A ponto de receber um dia um inusitado convite para compor sua chapa como candidato a vice-prefeito, na disputa majoritária da cidade pelo Partido Democrata Cristão. 

Foi uma bela disputa. Éramos quatro candidatos. Fomos os segundos mais votados, nos anos daquela espetacular virada do PMDB, pós ditadura, que elegeu o grande prefeito Dídia. Perdemos para o PMDB de Ulysses Guimarães, foi uma honra. Não essa parvoíce que se transformou hoje o partido a ponto de alçar à presidência através de um golpe parlamentar jurídico e midiático. Que vergonha! Teotônio Vilela revira no túmulo. Fora Temer!

Grande amigo, foram anos maravilhosos. Quando a gente passa a vida assim, fazendo o bem, vale a pena. É lamentável vê-lo partir, diria tão cedo, por conta desta maldita doença que ainda não encontra um elixir para minorá-la. Gastam-se bilhões em defesas militares e aplicam-se merrecas em descobertas científicas para a cura dos cânceres da vida. Que pena! Não foi Deus que o levou, amigo, foi a ganância pelo lucro desenfreado do capital rentista que hoje move o 1% da população detentora de mais da metade da riqueza do planeta.

E me desculpe pelo desabafo, como sempre fazíamos dentro de nossa sinceridade e liberdade ao nos expressarmos um para o outro. Que negócio é esse de pedir para ser enterrado em Uberaba? Foi aqui esta terra que o viu crescer. Foi aqui que trabalhou para erguer a Vila João XXIII e para construir o bloco norte da Santa Casa. Foi aqui que dirigiu a União Estudantil, a Santa Casa, o Rotary Clube. Foi aqui a terra que o escolheu como vice-prefeito. Foi aqui que construiu sua vida como advogado brilhante. Foi aqui que se colocou rodeado de amigos... Que merda, Luiz! 

(WJS)