O médico Cristiano Freitas Arantes, especialista em Medicina Preventiva e Social, integrante da equipe da Estratégia de Saúde da Família (ESF) da Prefeitura, a convite da presidenta do movimento Amor Exigente, Maria Madalena Fraga Brás, falou aos participantes do grupo na reunião da última segunda-feira 16, no Centro Pastoral Pe. Victor Coelho de Almeida.
Em rápida entrevista, Dr. Cristiano falou ao ET sobre o tema abordado. “As pessoas precisam saber que a dependência química é muito complexa, envolvendo não só o indivíduo que faz uso nocivo de determinada droga lícita ou ilícita, mas fundamentalmente a família, que convive e sofre com tal situação.”
De acordo com o médico, o dependente passa a não ter projetos de vida, nem a desenvolver suas potencialidades. “Aí entra o papel da família, que é fundamental, pois o usuário tem que se sentir amado, saber que alguém se preocupa com o seu bem-estar. Isso ajuda a sua autoestima e faz com que o dependente busque meios para ficar em abstinência ou pelo menos próximo disso”, explica.
De acordo com Cristiano, o enfrentamento atual relativiza a questão da abstinência. “Não se fala mais em abstinência para todos, porque na verdade o que se busca em alguns casos é uma redução de danos. O tratamento é individualizado, sendo preciso acolher o indivíduo, conhecer seus limites e potencialidades, envolver a família nesse processo, avaliando de que forma ela pode contribuir para que o sujeito possa levar a sua vida sem as consequências nefastas da dependência. Enfim, o papel da família é fundamental no tratamento”, frisa.
Tratamentos em clínicas terapêuticas
Questionado sobre comunidades terapêuticas e entidades como Fazendinhas, Ongs que assistem dependentes químicos, diz o médico que hoje existe um questionamento muito grande a respeito. “É uma questão ampla e complexa existindo um questionamento muito grande do real efeito que essas instituições produzem no indivíduo e na sociedade como um todo, porque ao tirar a pessoa do convívio familiar e trancafiá-la num determinado espaço, se por um lado contribui para a desintoxicação do indivíduo, por outro não atua em questões centrais, tais como a desestrutura familiar, ciclo de amizades, desemprego”, pondera explicando:
“- Em alguns casos, por exemplo, são importantes, principalmente quando a pessoa já perdeu totalmente a noção do que é bom ou ruim, não tem mais capacidade de discernimento, aí sim, essas instituições têm seu valor, porque a pessoa não consegue mais abrir mão da droga sem ajuda especializada”, reconhece, lamentando a falta de infraestruturas que algumas entidades apresentam. “Infelizmente, muitas dessas entidades não têm uma estrutura adequada para tratamento, isto é, não têm uma equipe disciplinar em período integral, como por exemplo enfermeiro, auxiliar de enfermagem psicólogos, médicos, dentre outros”.
Entidades de terapia grupal
Por outro lado, Cristiano reconhece que grupos de terapia como o Amor Exigente, Cerea, Narcóticos Anônimos (NA), Alcoólicos Anônimos (AA) e outros semelhantes são instituições muito importantes, porque dão respaldo para as famílias, conforto, orientações, informações, trabalhando na linha dos fatores sociais.
“- Quanto mais orientações para a família e o indivíduo, de boa convivência familiar e informações de como lidarem com essas questões, mais efetivo é o tratamento. Dependência química é doença, classificada pela Organização Mundial de Saúde como transtorno da mente e de comportamento, por isso é fundamental que tenham instituições que realmente amparem e orientem as famílias”.
Valorizar os determinantes sociais
Afirma Cristiano que o Brasil e nossa região carecem muito de estruturas sociais adequadas. “Essas pessoas são tiradas da família, da sociedade, muitas vezes à força, através de uma internação voluntária, involuntária ou compulsória, porém se esquecendo dos determinantes sociais. Então, a pergunta que fica é esta: 'Que trabalho é feito para o usuário retornar à sociedade? Digo isso, porque, muitas vezes, o indivíduo volta para sua família totalmente desestruturado, convivendo com o mesmo grupo de amigos, frequentando os mesmos lugares. Hoje, os fatores sociais e econômicos são tão ou mais importantes que os biológicos na determinação das doenças”, alerta.
Referindo-se à Lei Antimanicomial, que acabou com a internação de pessoas que eram jogadas em manicômios, para serem tratadas, sabe-se lá de que jeito, o médico alertou para uma visão crítica das chamadas clínicas terapêuticas. “Até que ponto vamos ficar varrendo para debaixo do tapete, as questões que precisam ser encaradas de frente?, indaga.
Uma questão de saúde pública
Questionado sobre o papel do SUS na recuperação de dependentes químicos, Dr. Cristiano, diz que esse programa do governo federal cumpre um papel limitado. “O SUS, apesar da estrutura que possui, não consegue atender toda a demanda. Através dos postinhos de saúde, articulada com o CAPs (Centro de Atenção Psicossocial), o SUS tenta minimizar o problema, fazendo com que as pessoas sejam acompanhadas, com consultas ambulatoriais, medicamentos. Mas, infelizmente, sabemos que, às vezes, o retorno é demorado, as vagas são limitadas para uma grande demanda”, justificou. E finalizou, respondendo a uma última pergunta:
- O Sr. é a favor da descriminalização?
“- A questão das drogas é uma questão de saúde pública muito séria, que envolve crianças, jovens e adultos e que precisa ser combatida tanto no setor público quanto através de entidades como o Amor Exigente, que trazem esses esclarecimentos para as famílias de dependentes. São instituições que fazem um trabalho importante, de voluntariado e que são muito pouco valorizadas pela sociedade. Deveríamos separar o usuário do traficante. Uso de droga não deveria ser questão de polícia, mas de política pública. Porque, quando um país como o Brasil criminaliza o usuário de maconha, por exemplo, o mesmo vai buscar com o traficante, e se não encontra, ele compra Crack, ou o que encontrar, ampliando seu repertório de substâncias nocivas. E como ele já está no submundo da droga, ali ele permanece, alimentando essa rede de violência e sofrimento”.