Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Para Codevasf rio São Francisco não nasce na serra da Canastra

Edição nº 1524 - 01 de Julho de 2016

O resultado do relatório final da Expedição Américo Vespúcio, realizada por uma equipe técnica da Codevasf (Companhia de Deenvolvimento do Vale do São Francisco), dá uma guinada geográfica de 180 graus no local de nascimento do mais importante, polêmico, usado e espoliado rio brasileiro: o rio São Francisco.
A expedição foi a primeira viagem de caráter nitidamente ambiental e cultural a percorrer em barco o rio São Francisco de ponta a ponta, das nascentes a foz. Foi concebida e organizada pelo ambientalista, Geraldo Gentil Vieira, em função da revitalização da bacia, por ocasião dos 500 anos de sua descoberta, em 2001, com o objetivo de realizar o mais amplo diagnóstico itinerante do chamado rio da integração nacional. E a conclusão foi inesperada: o rio da Integração Nacional não nasce na serra da Canastra.
“- Vieira, vários espeleólogos  e canoístas já sabiam disso: a verdadeira nascente não é onde todo mundo estuda, na serra da Canastra, descendo em cachoeiras para formar a belíssima Casca D´Anta, no município de São Roque de Minas. E, sim, no município de Medeiros (MG), na lagoa do rio Samburá, no município de Medeiros (MG)”, afirmou o jornalista da Folha de S. Paulo, Silvestre Gorgulho 70, em longa reportagem, encontrada em www.gorgulho.com/.
De acordo com o jornalista, a diferença da nascente da Casca d´Anta, em São Roque de Minas, para a nova nascente, no rio Samburá, em Medeiros, é de 49,18 km. “Levando-se em conta todos os diferentes dados, a nova nascente já apresentada no Congresso de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento, em BH 2003, e no SpeleoBrazil2001, o comprimento do São Francisco fica maior pela vertente do Samburá”, conforme declara Vieira. 
“- O rio São Francisco tem 2.814,12 km no trecho tradicional ou histórico, com as nascentes na serra da Canastra, e 2.863,30 km para o trecho dito geográfico do Samburá, que tem as nascentes na serra d´Agua, no município de Medeiros”.
E aí vem a conclusão de Gentil Vieira: "Na busca de dados geográficos mais precisos, comprovamos tecnicamente que a bacia hidrográfica, a vazão, a calha e a profundidade do Samburá são maiores. Para chegar a esses dados foram usadas imagens de satélite, cartografia adequada, visita às nascentes, e foi utilizado GPS geodésico Astech SCA 12S, teodolito Zeiss Theo 010, distanciômetro AGA210 Geodimeter e nível Zeiss. A equipe utilizou uma metodologia capaz de atender as escalas existentes".
A equipe da Codevasf tem agora um novo desafio: desengavetar e usar esses dados para uma próxima bandeira que será estender o Parque Nacional da Serra da Canastra até o Samburá. “Temos que criar o Parque Estadual da Mata de Pains, de 6 mil hectares, unindo tudo isto pela Área de Proteção Ambiental das Dez Cidades-Mães do São Francisco: Iguatama, Bambuí, Medeiros, São Roque de Minas, Vargem Bonita, Piumhi, Doresópolis, Córrego Fundo, Pains e Arcos”. (Aqui vale um grifo nosso: Não seriam 11 as cidades? Por que Sacramento ficou de fora?)
A proposta foi apresentada no SpeleoBrazil2001 (13º Congresso Internacional de Espeleologia, 4° Congresso Latino-Americano e o 26º Congresso Brasileiro de Espeleologia, realizados em Brasília, com 43 países participantes) e ao governo federal, em 2004, no plano de revitalização do rio São Francisco".
Mas, para a Agência Nacional das Águas (ANA) o estudo ainda não foi reconhecido oficialmente. O rio São Francisco continua nascendo ali no parque Nacional da Serra da Canastra, um pouco além da divisa do município entre Sacramento e S. Roque de Minas. Tudo por conta do Caboclo dÁgua.


Livros de medeirense exaltam a 'nova nascente'

O fazendeiro Antonio Carlos da Cunha, o Bereta da fazenda Mantíbio, no município da pequena Medeiros (MG), lançou em 2014 dois livretos de contos e crônicas: o primeiro “Lágrimas do São Francisco”, com 30 páginas; o segundo, “Caboclo d´água, protetor das águas”, com 50 páginas.
Nos dois livros, o personagem principal é o rio São Francisco e sua nascente, que  Bereta teima em afirmar que está na lagoa do Samburá, rio que corta o município de Medeiros, contrariando a histórica marcação fincada aos pés da serra da Canastra, no  município de S. Roque de Minas, que limita com Sacramento, pelo ribeirão da Parida, dentro do Parque Nacional da Serra da Canastra.
E pelas últimas pesquisas e levantamentos feitos por uma equipe técnica da Codevasf (Companhia de Deenvolvimento do Vale do São Francisco), coordenada por Geraldo Gentil Vieira, Bereta tem razão, o rio da integração nacional nasce naquele município, o ponto mais distante da foz.
Agora o que surpreende pela leitura dos livros é que a figura mitológica do Caboclo-d'Água, que Bereta jura existir, foi o causador de toda essa confusão.
Os livros em linguagem muito simples, clara e poética são frutos de sua vivência no local. Os pais, segundo ele, moraram nas margens do Rio Samburá, onde  haveria um Caboclo-d´água. Segundo a enciclopédia, o Caboclo-d'Água é um ser mítico defensor do rio São Francisco que assombra os pescadores e navegantes, chegando mesmo a virar e afundar embarcações.
O Lágrimas do São Francisco traz além do prefácio com pedidos do autor para divulgar o rio e mais três capítulos: no primeiro, 'Lágrimas de São Francisco', escreve Antônio Carlos: “Medeiros! Faz um século que eu esperava por esse dia, esta homenagem. Hoje você reconheceu que sou seu filho. (...) Eu nasci nessas campinas verdes, entre as matas e os animais, sentindo o perfume das flores e ouvindo o canto dos pássaros. Lá em São Roque, no alto da serra é a nascente histórica, onde contam histórias, fazem orações, pagam penitências, fazendo uma simples visita e um belo passeio. Agora, aqui nesta nascente que eles chamam geográfica, é o meu berço materno. Filhos de São Roque, quando visitantes forem aí em sua cidade, subirem a serra para visitar a nascente histórica, diga-lhes que tenho outra nascente”
No segundo capítulo, 'Medeiros fala', Bereta cita os diversos rios do município: Bambuí, que abastece a cidade e Ajudas, os córregos das Vacas, da Prata,  da Pimenteira, do Servo, da Gameleira, da Água Vermelha e com narrador, afirma: “Francisco, essas águas caem no sue leito e você vai crescendo”. Destaque-se no capítulo a descrição das queimadas  que assolam a região na época da seca. 
No terceiro capítulo, 'São Francisco leva', como o próprio título  indica, o autor pede que o rio leve uma mensagem por onde passar: “Diga para todo o povo do Nordeste fazer uma visita, conhecer o lugar onde você nasce, beber e banhar nas suas primeiras águas”.
O segundo livro, Caboclo-d´água, protetor das águas, registrado no MEC, traz um depoimento do sacramentano Luiz Eduardo Borsato, que há tempos conhece Bereta, desde o tempo em que trabalhava numa fazenda no Caxambu, até que voltou a Medeiros para a  fazenda perto do rio Samburá.
“- Para mim, foi um prazer acompanhar e ajudar Bereta a identificar o Caboclo-d´Água, fazer um trabalho para termos a certeza de que  este rio São Francisco  nasce naquele lago e não no córrego da Gameleira,  local demarcado pela ANA (Agência Nacional das Águas), como sendo o rio São Francisco”, relata e conta sobre o Caboclo-d´água”, afirma Borsato, relatando que viu uma algazarra desses caboclos.
“- Os moradores de Medeiros fizeram uma cavalgada para divulgar a nascente do rio São  Francisco, encerrando com uma festa brilhante. Eu vinha de Sacramento  para assistir à festa, e quando cheguei ao rio Samburá, ouvi um barulho estranho. Parei a caminhonete em cima da ponte, olhei e vi os caboclos-d´água pulando na cachoeira...”.
 Nos quatro capítulos do livro, Cunha fala do desrespeito à natureza, o desmatamento, a erosão e cobra atenção de ambientalistas e investimentos de proteção à nascente do rio São Francisco, no rio Samburá. Cunha também questiona a razão da demarcação da nascente  do rio (pág.25):
“- Qual razão os levou a dizer e marcar a nascente do rio no Córrego da Gameleira? Estamos no Terceiro Milênio, crianças! O Brasil é um país de primeiro mundo, quando se trata de tecnologias, computadores, internet, GPS, via satélite, avião, barco, canoa motorizada, carro novo e dinheiro para trabalhar. Qual a razão os levou lá córrego da Gameleira? Foi uma falha nos aparelhos? Foi porque o dinheiro acabou? Foi um vendaval que os impedir que caminhassem mais alguns quilômetros? Ou foi uma bela armação dos caboclos-d´água que fizeram igual uma teia de aranha, induzindo-os a errarem a nascente do rio?”