Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Nossa água não é a responsável pela alta incidência do câncer na cidade

Edição nº 1452 - 13 Fevereiro 2015

É crescente o número de doenças em todo o mundo, algumas com cura rápida, outras nem tanto e uma delas é o câncer, doença que apresenta um alto índice de cura, mas que cada vez mais acomete mais e mais pessoas. Sacramento, é sabido, tem um alto índice da doença - e não menos nem mais do que as cidades da região – mas isso tem gerado muitas especulações, questionamentos e o levantamento de hipóteses de que, o problema estaria relacionado à água, o que, na verdade, não procede. Um estudo apresentado pelo engenheiro do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE/Sacramento), Osny Zago, embora não apontando as reais causas da doença, indica que não é a água a responsável pela proliferação da doença. Confira as respostas do engenheiro em relação às assertivas propostas pelo ET.

 

A água do SAAE faz aumentar o índice do câncer na cidade

Não concordo com a assertiva. Posso afirmar sem medo de errar que este não é o problema de Sacramento, nem tão pouco da região ou do Brasil, mas, sim, do mundo todo. É a globalização que veio para colocar em comum tanto os benefícios como os malefícios das criações do homem, não só para nós, mas para toda a natureza. No passado não muito distante, tempo dos nossos avós, pouco se ouvia falar em câncer, aliás, esta palavra era proibida e não eram divulgadas muitas outras doenças que estão presentes no cotidiano da vida humana, dita moderna. O mais certo ainda é que não eram usados tantos produtos químicos na produção de alimentos como hoje, nem fazíamos uso de remédios como se fossem alimentos e não existiam os diagnósticos e exames preventivos que ocorrem hoje, o doente morria muitas vezes sem ter uma causa conhecida.  Nosso Planeta é um organismo vivo, em constante modificação pela evolução, que continua e continuará para sempre, e nós seres humanos  fazemos parte deste contexto e o  agravante é que nós estamos modificando e acelerando a ordem natural dessa evolução.

 

O ser humano é um dos responsáveis pelo surgimento de doenças 

Concordo, sem dúvida nenhuma...  Há inúmeros exemplos da exploração, modificação e criação impostas pelo homem, para os benefícios no dia a dia das pessoas.  Podemos citar alguns como a criação dos fertilizantes, agroquímicos “pesticidas ou agrotóxicos”, polímeros, transgenia de sementes, remédios em especial os antibióticos, as vacinas em geral e hormônios, radiação e tantas outras substancias e produtos poderosíssimos criados todos os dias, mas que afetam o planeta com toda a biodiversidade quando usados de forma incorreta. Tudo isso foi criado com o intuito de melhorar a qualidade de vida das pessoas, com resultados surpreendentes, como foi a erradicação de várias doenças, e que tem como consequência o aumento da expectativa de vida, que  quase dobrou nos últimos anos. No entanto,  nem tudo são flores, existem os efeitos colaterais, que acabam nos atingindo muitas vezes de forma extremamente negativa.

 

A cal é uma droga que produz sérios efeitos colaterais

Sim, é verdade. Existem hoje em torno de 900 princípios ativos e mais de 4.000 formulações diferentes, adaptadas como armas químicas feitas para matar cada tipo de bactéria que se queira eliminar. Uma dessas criações é a Cal que parece tão inofensiva, e que está presente em quase tudo que manuseamos. A Cal é usada nos processos de fabricação de muitos alimentos e até de medicamentos consumidos por nós humanos e animais domesticados. Sua origem vem do calcário, 'Carbonato de Cálcio' – CaCO3, encontrado na natureza. A Cal quando moída é levada ao forno a uma temperatura de 900ºC e libera o CO2 , 'dióxido do carbono', que se transforma no CaO, 'óxido de cálcio', que nada mais é do que a Cal virgem. Esta talvez seja uma das substancias produzidas artificialmente pelo homem mais importantes para aplicação do setor industrial, usada na fabricação de milhares de produtos usados diariamente por nós, quer seja de forma direta ou indireta. 

 

Saae tem problemas estruturais que podem incidir na doença

Estruturais, sim, o SAAE tem sérios problemas estruturais no sistema de abastecimento de água de nossa cidade, principalmente pela  idade de parte da rede que  foi construída entre 1965 e 1967,  ano em que foi criada a Autarquia Municipal que recebeu o nome de SAAE. De lá para cá o SAAE vem se adaptando constantemente a todas as exigências normativas e portarias do Ministério da Saúde, para fornecer água de qualidade para a população de Sacramento. Em função de parte do sistema ser antigo, algumas redes estão com a vida útil já exaurida, o que acarreta problemas de ordem técnica estrutural, exigindo manutenções periódicas, com paralisações no fornecimento de água. Mas, mesmo diante dessa realidade arcaica na sua estrutura, nossa água não tem nada a ver com a incidência da doença.

 

Saae não cumpre exigências governamentais 

Também não concordo com a assertiva. Toda água para consumo humano no Brasil é regulamentada pela Portaria MS Nº 2914 de 12/12/2011, do Ministério da Saúde, que  estabelece os procedimentos relativos ao controle e a vigilância da qualidade da água para o consumo e seu padrão de potabilidade, dentro dos  parâmetros estabelecidos para a vigilância, que  são: os Microbiológicos, os Fisioquímicos e os Radioativos. Fora os problemas operacionais que podem ocorrer pela idade de parte da rede,  o SAAE vem cumprindo todas as exigências estabelecidas pela Portaria do Ministério da Saúde, em relação aos parâmetros de substâncias, elementos químicos ou quaisquer outros agentes nocivos à saúde humana. Assim, os resultados das análises no SAAE mostram-se sempre muito aquém dos valores mínimos estabelecidos. 

 

Existe indícios de produtos contaminados pela Cal 

 Sim, é verdade. No final da década de 1990 foi descoberta uma contaminação por dioxinas no leite de vaca produzido na Europa e os estudos e análises mostraram que a origem da contaminação, vinha do farelo de polpa cítrica importada do Brasil. Ficou concluído no processo de investigação, que a Cal utilizada durante o processo de estabilização do PH da poupa cítrica era a responsável pela geração da dioxina pela reação química que provocava. 

 

Proibiu lá e liberou aqui

Não posso afirmar, com certeza. Lá, imediatamente, todos os estoques foram apreendidos e destruídos, já no Brasil, até hoje os órgãos responsáveis pela vigilância de alimento para uso animal, não souberam informar qual foi o destino dado a milhares de toneladas do produto estocado, que eram destinados à exportação. Existem fortes indícios de que este farelo contaminado “recusado pela Comunidade Europeia” foi pulverizado no mercado interno a preços acessíveis, como sendo produto de qualidade. Tem-se notícia de que produtores aqui em Sacramento alimentaram o rebanho leiteiro e de corte, usando este farelo como complemento alimentar, nesse período.

 

O velho esterco de gado, de fertilizante se transformou em agrotóxico

Logo após a 2ª Grande Guerra se começou a idealizar uma produção agrícola baseada na melhoria genética das sementes, monoculturas, uso intensivo de fertilizantes, aplicação de agroquímicos, “pesticidas ou agrotóxicos” para controle de pragas e doenças, irrigação intensiva e mecanização pesada.  E deu certo, todo esse incremento na agricultura provocou um aumento extraordinário na produção de alimentos. Para se ter uma ideia, a população humana cresceu de 1965 a 2005 próximos dos 111%, enquanto a produção de cereais no mesmo período cresceu 154%  e de carne 280%, segundo dados da FAO. Sem, no entanto, resolver o problema da fome, já que neste período 29% da população mundial era subnutrida. 

 

A falta de orientação técnica causa exagero

Sim, por exemplo, o DDT, sigla do composto Dicloro-Dietil-Tricloroetano que, com justiça, salvou milhões de pessoas da malária, leishmaniose e dengue, quando foi usado no combate dos vetores propagadores destas doenças, principalmente na América do Sul, África e Ásia. Manipulado desde 1874, o DDT teve suas propriedades inseticidas  descobertas em 1939 pelo químico suíço, Paul Hermann Muller, que pelo feito recebeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1948 O produto foi usado na agricultura por mais de 30 anos no combate às pragas, muitas vezes com dosagens e número de aplicações muito acima do recomendável, pela falta de orientação técnica e despreparo do agricultor do passado e ainda hoje, mais de 40 anos depois, ainda pode-se encontrar traços de DDT em regiões onde foi largamente usado. Outros compostos poderosos também foram usados por longos períodos, até descobrirem os danos que causavam à saúde. Nesta lista está toda a cadeia dos POPs Produtos Organoclorados Persistentes, como: BHC, Aldrin e do Heptacloro, todos eles altamente prejudiciais à saúde. 

 

Então, os agrotóxicos são os responsáveis

Não, não são as altas doses de agrotóxicos que provocam o câncer. Altas doses podem provocar intoxicação e levar à morte imediata ou deixar sequelas profundas. As pequenas doses ingeridas por tempo prolongado é que são as responsáveis pelos danos futuros, pelo efeito da “bio-acumulação”. Essa contaminação é feita lentamente sem deixar rastros, sintomas e não pode ser sentida. Se não diagnosticada poderá se manifestar depois de anos e anos, com danos na maioria das vezes irreversíveis, com muito sofrimento para os pacientes na fase terminal. Posso falar isso por ter vivido esta dolorosa situação em entes queridos. Com os atuais métodos de tratamento,  em estágios avançados, são poucos os casos de sucesso, por isso devemos fazer preventivamente diagnósticos e desconfiar de qualquer sintoma que aparece em nosso corpo.  

 

Podemos dizer que “O veneno está na mesa...” 

Sim, o título é do cineasta brasileiro Silvio Tendler que lançou o documentário em 2011 com esse título, denunciando as consequências danosas do uso indiscriminado dos agroquímicos na agricultura. O documentário procura mostrar os riscos da contaminação dos alimentos, dos trabalhadores e do meio ambiente.  O documentário além de ressaltar os malefícios enfatiza que muitos dos agrotóxicos usados aqui no Brasil já são proibidos na maioria dos países desenvolvidos, pela comprovação dos danos causados para homem, meio ambiente e toda biodiversidade. 

 

Existem produtos com autos níveis de contaminação

Isso foi em 2010, quando a ANVISA, órgão do Ministério da Saúde que estabelece o Limite Máximo de Resíduos, fez uma coleta de alimentos de origem vegetal para análise em todos os Estados da Federação, exceto São Paulo que não aceitou participar. Os resultados foram alarmantes, culturas como o pimentão tiveram 92% das amostras contaminadas com níveis muito superiores ao permitido para o consumo humano, morango com 63%, pepino com 54%, alface e cenoura acima de 50%. (Relatório disponível para consultas na pagina da Anvisa).  

E, há a comprovação dos malefícios desses produtos, tais como  leite materno contaminado em mulheres de Lucas do Rio Verde (MT), resultado de uma pesquisa da bióloga Danielly Palma, e que foi publicado no  Jornal Folha de S. Paulo, em 23 de março de 2011, com o título, “Leite materno está contaminado em município do agronegócio”, e pode ser  acessado um documentário que o Jornalismo da Band fez abordando o assunto, com a presença do toxicologista da Unicamp Félix Reyes e que mostra que a dosagem máxima permitida na lei não significa imunidade, já está comprovado que as nossas defesas não estão preparadas para eliminar a maioria dos resíduos estranhos que absorvemos. Parte pode ficar retida no organismo pelo efeito da bio-acumulação.  Das mães que participaram da pesquisa, 19% já sofreram abortos espontâneos em gestações anteriores e há relatos de  má-formação fetal e câncer, mas não é possível afirmar se os casos são consequência da ingestão de agrotóxicos. Uma coisa é clara, 'a água de Sacramento é que não pode ter sido'. Nossa água é saudável, está, aliás,  abaixo  dos índices, isto é, as amostras apontando índices bem inferiores aos estabelecidos por lei.  

 

Qualidade de vida nos livra do câncer

Sem dúvida. Uma boa qualidade de vida nos livra de todas as doenças. Falar de doenças e causas não é minha praia, mas temos que ser justos e apontar outras possíveis causas para o câncer ou outras doenças, tais como, o modo de vida adotado pelo ser humano em relação ao trabalho, vida com stress, o cultivo da mágoa e do ódio pelo semelhante, consumo de gorduras saturadas, alimentos prontos com conservantes e estabilizantes, o uso de bebidas e de fumo, o sedentarismo e outros fatores,  que têm reflexos importantes no perfil da saúde das populações, podendo desencadear inúmeros fatores de risco. 

 

A água não mata

A do SAAE, com certeza, não mata. Vamos imaginar as pessoas que fumaram desde jovem e chegam lá pelos 50 ou 60 anos, descobrem que está com um dos tipos de câncer, podem responsabilizar a água que bebeu pela doença? Todos os estudos apontam o tabagismo como o principal fator de risco. Muitos dos tipos citados vêm associados com o consumo de bebidas. E temos que  ver os diversos tipos de substâncias nocivos que estamos ingerindo pelos alimentos, que estamos respirando ou que estamos tendo contato. E como estão nossos hábitos alimentares? Estamos ingerindo muita comida industrializada cheia de conservantes, estabilizantes? O que quero deixar claro é que ninguém sem uma prova concreta tem o direito de propagar suposições, mentiras e boatos, deixando as pessoas inseguras, alarmadas e apreensivas, levando muita gente a gastar dinheiro sem necessidade e até sem poder, comprando água engarrafada e olha que já tivemos reportagens que mostraram a situação de muitas águas engarrafadas. A água do SAAE, com certeza é melhor que muitas dessas águas.