A tradicional Gráfica Na. Sra. da Abadia mudou de dono. “Aposentado há alguns anos, filhos criados e vida acertada quero mais é curtir a vida, rezar e fazer o bem. Como meus filhos decidiram partir para outra atividade, resolvi vender. Mas continua trabalhando com o José Américo, para quem vendi a gráfica. Trabalho por prazer, por amor”, foi assim que Aluísio Silva (Luizinho) 63, depois de 20 anos de empresa própria e 50 trabalhando em gráfica, recebeu o ET para contar um pouco de sua experiência desse mais de meio século como tipógrafo e gráfico.
Herança paterna
Filho de José Lucas da Silva Júlio, Seu Lulu, sobrinho de Eurípedes Barsanulfo, e de dona Maria Madalena Bento da Silva, Luizinho, o caçula dos filhos, cresceu com os irmãos, Paulo, Itamar, Vera Cruz, Vera Lúcia e herdou a profissão de tipógrafo do pai, assim como os dois irmãos. Já o Seu Lulu adquiriu a Gráfica Orion, que mudou mais tarde para Gráfica Brasil, do escritor Homilton Wilson, diretor proprietário do jornal A Semana, pelos idos dos anos 30.
“Papai trabalhou mais de 40 anos com a tipografia, depois ele a passou para meu irmão, Itamar e eu. Mas, os três filhos homens todos fomos gráficos. Depois de ser bancário e professor, o Paulo montou uma grande gráfica em Frutal, onde trabalhou até falecer. Meu irmão Itamar seguiu o mesmo caminho, morreu trabalhando na Gráfica Brasil, hoje, administrada pelo seu filho, Juninho. Itamar e eu trabalhamos alguns anos na Gráfica Brasil, até que, em 1995, separamos a sociedade. Ele ficou com a Gráfica Brasil e eu abri a Gráfica Na. Sra. da Abadia, ali na rua Abrão Abdão Amui, até construir um novo prédio, na rua Ângelo Crema, um ponto para mim muito privilegiado, com uma aura especial, pra onde mudamos em 2001”, relembra. Neste início de mês, a Gráfica Na. Sra. da Abadia passa a ser administrada pelos novos sócios, José Américo de Oliveira e Maira Aparecida de Oliveira, tendo como um de seus impressores, o experiente Aluísio Silva.
52 anos de experiência
Lembra Luizinho que 20 anos é o tempo de fundação da Gráfica Na. Sra. d´Abadia. Mas era moleque quando começou e teve sua primeira e única carteira de trabalho assinada pelo pai, ao completar 18 anos. “Eu era menino, tinha 10 anos, comecei fazendo acabamento e acabei na impressão. E há uma passagem engraçada. Meu pai tinha muito medo de eu cair dentro da máquina e nós tínhamos um funcionário, o Doriquinho, que hoje tem uma big gráfica em Goiânia. Um dia, o papai chegou e pegou o Doriquinho me ensinando a imprimir. Eu estava em cima de um caixote imprimindo. Papai chegou, queria mandá-lo embora e ainda me bateu por estar aprendendo a trabalhar, porque tinha medo de eu cair... Mas eu nunca mais parei. Toda vida gostei demais e toda vida trabalhei com impressão, embora saiba fazer de tudo numa gráfica, só não evoluí no computador”, ressalta.
Confessa Luizinho que trabalha no serviço gráfico por amor e foi assim desde o princípio. “Aprendi porque gosto, não fiz curso nenhum. Desde o tempo do Itamar, o pessoal vinha instalar máquinas e eu sempre ali observando e matutando e sou assim até hoje. Adquiri uma experiência muito grande, inclusive para consertar as máquinas, porque a dificuldade aqui é grande com mão de obra. Mas eu sou 'fução' e muitos defeitos consigo corrigir. Toda vida fui quebra galho dentro da gráfica, embora haja casos em que precisamos chamar técnicos. Mas faço isso, porque sou apaixonado por tipografia. São 52 anos de ofício e nos três meses que fiquei parado aguardando comprador, para mim foram um labirinto. Estava me sentindo vazio. Achei que ia morrer, mas Deus deu um jeito e estou trabalhando. Trabalho em gráfica por amor”.
Sociedade em família
Casado com Arlete Marcondes, Luizinho teve três filhos, Aluísio, Ana Carolina e Ana Cláudia. “Formamos uma empresa familiar, o Aluísio tinha 15 anos, quando começamos e a Ana Carolina, 13. A Ana Cláudia veio bem depois. O início da gráfica foi uma dificuldade imensa, eu tinha o conhecimento técnico da indústria, mas não da parte financeira, tive de buscar recursos fora e graças a Deus e às amizades, o investimento veio fluindo até os dias de hoje. Só que os meninos desanimaram, não quiseram mais, alçaram outros voos. Ficamos sem funcionários, porque este é um setor que carece de mão de obra especializada.”
Os 20 anos da gráfica N. S. D´Abadia
Para Luizinho, os 20 anos na Gráfica Na. Sra. da Abadia não foram fáceis, foram de muita luta, mas ela me deu inúmeros benefícios, uma casa própria, um prédio próprio para a empresa, filhos formados, enfim um suporte de vida. Eu não tenho instrução nenhuma, não quis estudar. Só cursei o primeiro grau e muito mal. O meu conhecimento aprendi com a vida, a minha escola foi a vida e a minha vida foi numa gráfica. E foi a partir da gráfica que meus filhos puderam estudar, se formar e ter vida própria. E eles foram batalhadores junto comigo. Eles penaram comigo, que tenho um gênio meio difícil, mas eles venceram, nós vencemos. Não fosse eles, não teria vencido sozinho. Não que eu esteja rico, nunca liguei para isso - mas vivo bem, graças a Deus, uma casa boa, meu carro, minha moto, minha bicicleta pra pedalar todos os finais de semana. Tenho uma vida maravilhosa e só tenho que agradecer a Deus e a Na. Sra. d'Abadia de quem sou muito devoto. Aprendi a reconhecer na vida que Deus é bom, ele ajuda quem precisa, existe na nossa vida...”
Devoção a Santinha d'Abadia...
Luizinho se confessa um católico-espírita. Nasci católico, fui batizado e sempre tive muito respeito a todas as religiões, mas ao longo da vida, não pratiquei nenhuma. Para mim todas levam a Deus. Além da devoção a Na. Sra. da Abadia sou também devoto do Divino Pai Eterno. Já fui rezar na festa em Trindade, mas não era religioso e fui chamado pelo meu pai. Três meses antes da morte de Heigorina ela me chamou. Sou um católico-espírita e para mim não tem nada a ver, o que importa é minha devoção. Deus é único, o criador do universo, somos subordinados a Ele, e toda religião leva a Deus”.
Ao vender a gráfica, um dos pedidos que Luizinho fez aos novos proprietários foi que conservassem o nome da empresa, que tem como patrona, Na. Sra. da Abadia. “Eles aceitaram e estou muito feliz. E ela continua como nossa protetora. Papai vai ficar muito feliz. Ela ilumina a gráfica e eu vou continuar lá até quando Deus quiser.
Paixão por Sacramento
Nesses anos todos, Luizinho nunca pensou em sair de Sacramento. “Meu lugar é aqui. Sacramento é uma família, um lugar de tradição, terra abençoada. O nome, Sacramento, é sagrado para todo sacramentano. Veja que tem gente que sai daqui, roda, roda e retorna. Aqui é nosso lugar. O cantinho do mundo é Sacramento, que tem a proteção divina, a proteção de Nossa Senhora, a proteção de Eurípedes Barsanulfo, a proteção de Pe. Vitor e tantos outros. Sacramento tem uma aura muito especial. Sou muito feliz aqui, onde nasci, cresci , construí minha vida, criei minha família e vou continuar aqui, enquanto Deus quiser”.
O mercado gráfico
De acordo com Luizinho, quando aprendeu o serviço ainda era o tempo das antigas tipografias. “Como o nome indica, os textos eram todos compostos com tipos móveis, letrinha por letrinha dentro do componedor, depois diagramado e preso nas chapas, e só depois ia para a impressora. Meu trabalho começava aí, como impressor eu ia imprimindo folha por folha, 500, 1.000, 5.000... Era, digamos, quase um trabalho artesanal. Só mais tarde vieram para Sacramento as primeiras offsets”, recorda, revivendo com alegria todo esse tempo e convicto de sua permanência no mercado.
Serviço gráfico não morre nunca
“- A tipografia nunca morreu, nem vai morrer, não vai ser extinta do mercado, porque há trabalhos bem específicos que só ela faz” afirma, e com razão, pois estudos comprovam que o conhecimento adequado do uso da tipografia é essencial aos designers que trabalham com diagramação, ou seja, na relação de texto e imagem. A tipografia é um dos pilares do design gráfico e uma matéria necessária aos cursos de design. Para o designer que se especializa nessa área, a tipografia costuma se revelar um dos aspectos mais complexos e sofisticados do design gráfico. Com advento dos computadores e da edição eletrônica de texto, a tipografia permanece viva nas formatações, estilos e grafias, afirmam os estudiosos.
Relíquias são eles próprios
Luizinho destaca ainda que possui, guardadas como relíquias preciosas, revistas da história da tipografia, do tempo de Gutemberg que, no século XV, desenvolveu tipos móveis em metal e aperfeiçoou a prensa tipográfica. O conceito básico foi o da reutilização dos tipos para compor diferentes textos. Mostrou-se eficaz e é utilizada até os dias de hoje, constituindo a base da imprensa durante muitos séculos. Essa revolução que deu início à comunicação em massa, que foi chamada pelo teórico Marshall McLuhan como o início do “homem tipográfico”, começou com Gutemberg e prosseguiu em Sacramento com Homilton Wilson, Seu Lulu, Reverendo, Doriquinho, Itamar, Luizinho, Tody, Juninho...