Samuel Luiz Araújo
Notário em Minas Gerais, doutorando em direito das relações econômicas internacionais (PUC-SP)
Vem sendo uma preocupação atual crescente a que diz respeito aos direitos humanos. Preocupa-se com o chamado mínimo existencial, isto é, aquilo que todo cidadão necessita para viver (e não sobreviver) com dignidade. Os italianos formularam na década de 1990 uma teoria a respeito desse mínimo existencial, cuja desatenção poderia responsabilizar o causador do dano.
Discutem-se políticas públicas destinadas à erradicação da fome, da miséria, do analfabetismo, da violência contra minorias. Voltam-se as atenções para aumentar a escolaridade do povo, para melhorar a qualidade da alimentação, para garantir uma moradia digna, etc. Envidam-se esforços para se alcançar um estado melhor de coisas para todos. Entre eles, destacam-se as medidas adotadas pela Organização das Nações Unidas e efetivadas por seus diversos órgãos (FAO, Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, etc.).
No Brasil, tem-se a impressão de que essas medidas não são bem-vistas. Aquela velha história: “quanto mais ignorante o povo, melhor”. E também que os poucos esforços mais parecem parte de um conto, de uma fábula interminável.
Lado outro das políticas públicas e paralelamente à impressão que se tem do Brasil, há um profundo desapreço a valores elementares do ser e que a sua inexistência leva a um aprofundamento da miséria social. Valores essenciais como ética, moral, um bom caráter, solidariedade, benevolência e tantos outros, que são próprios de uma sociedade evoluída, passam desapercebidos da maioria da população brasileira. Chegou-se ao cúmulo de o brasileiro se orgulhar de dizer que é esperto, que é malandro, que trabalha ou estuda pouco, que obteve uma vantagem indevida sobre o outro. O engraçado de tudo é que o esperto se revolta quando experimenta o prejuízo.
Ética, moral, um bom caráter, tudo isso está caminhando para se tornar uma lenda. Chegará o tempo em que o pais contarão para os seus filhos: “Era uma vez um povo que se preocupava com mínimos éticos, todos respeitavam um padrão moral”. Hoje, a mentira é válida, desde que com ela se atinjam os objetivos almejados. E, definitivamente, não importa quem seja o destinatário da mentira, isto é, a sua verdadeira vítima. Aliás, está na posição de vítima porque quer e ele é apenas “um meio para se alcançar um fim”.
Fala-se aqui da mentira gênero, que engloba as espécies de desvirtuamento e ocultação maliciosa da verdade. E mais, inveja, ganância, soberba, egoísmo, orgulho e todos os demais defeitos (defeitos?) dizem respeito ao homem somente no seu aspecto espiritual. No aspecto temporal, tudo é válido para se alcançar o sucesso.
Esses são os elementos da indignidade da pessoa humana. Fala-se em fomentar a dignidade, mas faz-se muito para verdadeiramente projetar a indignidade do ser humano. E o pior, faz-se hoje despudoradamente, como se fosse normal para os padrões éticos atuais, tudo se permitindo e isso em todos os graus e setores da sociedade.
Os elementos da indignidade estão por toda parte. Ajunte-se a isso a insatisfação soporífera da sociedade brasileira, que reclama do caos e nada faz. As poucas manifestações de insatisfação assemelham-se a estados de sonambulismo, em que o sujeito se encontra em sono profundo e por uns instantes mostra-se presente. Logo depois, retorna às profundezas do seu sono.
Os elementos da indignidade se ramificam e aderem à sociedade de modo quase imperceptível, aluvial, aderindo-se ao corpo e (de)formando um novo ser. Por tudo isso, pode-se assegurar que estamos caminhando (ou já estaremos já?) para uma sociedade sob o império do princípio da indignidade da pessoa humana. Continuemos a promover a dignidade, mas com os olhos atentos na indignidade, envidando todos os esforços para impedir que esta venha a sufocar e aniquilar aquela.
(Extraído do jornal Estado de Minas,
edição 23.03.2015, página 7/ Opinião)