Rosileia (Leia) da Costa Borges, 39, é uma daquelas grandes mulheres que faz a diferença e que tem sido destaque na mídia pelo trabalho que realiza na condição de cadeirante. Os veículos de comunicação, Comércio da Franca, G1 Ribeirão, Folha de S. Paulo estamparam matérias revelando o seu espírito de luta e de coragem. As notícias foram reproduzidas em vários sites, como cintedi.com.br/noticia; razoesparaacreditar.com; mundoazul.org.br; noticiasdeminas.net/mg e muitos outros, pelo exemplo de superação que se tornou ao vencer uma paraplegia, consequência de um acidente sofrido em rodovia próxima a Sacramento, há sete anos. Sacramentana, Leia é a primogênita de José Hélio e Regina. Cresceu ao lado dos irmãos Robervani, Roberlúcio e Roberson, (Tatinha, mister Minas Gerais 2012). Amor e carinho nunca lhe faltaram, dos pais e dos irmãos, sempre foi o xodó, apesar da educação rígida, por ser a menininha da casa. Léia brilhou nos estudos e em tudo a que se propunha... Foi eleita a primeira Rainha do Rodeio em Sacramento. E sua estrela nunca deixou de brilhar, aliás, brilha ainda mais hoje. Confira a bela e emocionante história de sua vida.
ET - Léia, vamos começar falando de sua infância, adolescência, estudos em Sacramento.
Léia - Fiz toda a minha história em Sacramento, estudos, formação religiosa e aqui também eu renasci, no dia 16 de setembro de 2007. Nasci num lar católico, era atuante, participativa, ia sempre com minha avó Adelita participar das cerimônias até que, aos 18 anos, depois de um grave problema de pele, optei pelo Espiritismo. Fiz os primeiros estudos na Escola Sinhana Borges, a partir da antiga 5ª série (6º ano) fui para a escola Coronel até concluir o Magistério. Concomitante a esse curso, fiz também Contabilidade, na então Escola Maria Crema.
ET – A vida profissional veio a seguir ou prosseguiu nos estudos?
Léia – Foi imediata. Já no último ano do Magistério, em 1994, comecei a trabalhar como professora na Creche Vó Meca (bairro São Geraldo) e nunca mais parei. Concluí Pedagogia em 1998 e nesse mesmo ano me casei e fui morar em Franca (SP), onde morei por 16 anos, porém, sem nunca deixar Sacramento. Sempre fui apaixonada por tudo aqui, todo final de semana com a família, os amigos, principalmente, depois que me separei em 2003. Eu pegava meu filho Lucas, botava no carro e vínhamos pra cá todo final de semana, feriados, férias...
ET - Profissionalmente, o que fazia em Franca?
Léia - No início de 1999, comecei a trabalhar na rede estadual e, logo, apresentei uma proposta de trabalho no Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM), para trabalhar na formação de professores e lá permaneci até 2005, quando fui aprovada no concurso para professores PEB I, do Estado de São Paulo. Eu sempre gostei de estudar, me aperfeiçoar no meu trabalho, fiz pós-graduação. Enfim, tomei posse no cargo em 2006...
ET - E no ano seguinte você sofreu o acidente. Como tudo aconteceu?
Léia - Em 2007, eu coordenei na minha Escola, o projeto do Governo do Estado, 'Trânsito e Vida'. A gente havia terminado o projeto, a Autovias, concessionária da Rodovia Cândido Portinari (Franca – Ribeirão) foi à escola na sexta-feira, fez demonstrações, mostrou como cuidar de um acidentado... Todas essas noções, eu ainda disse para os alunos: 'Tomara que nunca tenhamos que entrar numa UTI dessas'. Mamãe estava comigo em Franca. No sábado cedo saímos para Sacramento, passamos na Marina de Jaguara, nadei, andamos de lancha com meu filho. Hoje, eu penso que parecia que estava me despedindo. Meu pai, toda vida, foi muito severo comigo, sempre fui muito vigiada, mas tínhamos liberdade, íamos sempre em família pra fazenda dos meus avós, nas festas nas fazendas, eu adorava dançar, cantar...
ET - E naquele dia havia uma festa...
Léia - Sim, tinha uma festa na Divisa e combinamos de ir toda a família. Minha mãe torceu o pé e não pôde ir, aí meu pai decidiu ficar também. Deixei meu filho Lucas com eles e fui para a festa com meus irmãos, Roberlúcio e Roberson, no meu carro, e o Robervani foi no carro dele, com a mulher. E foi aquela festa! Dancei até de madrugada com meus irmãos, conhecidos...
ET - Como ocorreu o acidente?
Léia - Então, na volta, aquela rodovia (Araxá-Franca) cheia de curvas, passei por todas. Depois que passamos o posto do Tião, já na reta, eu baixei pra pegar um CD, o carro caiu na beirada do asfalto, eu perdi o controle e ele capotou. Era um Fox novo, só que ele estava puxando a direção pra direita. Lembro-me que quando me abaixei pra pegar o CD, a direção puxou, tentei segurar, mas não vi mais nada... Eu voei do carro... Dia 16 de setembro de 2007, entre duas e meia a três horas da manhã, é minha nova data de nascimento.
ET - Você não estava de cinto de segurança?
Léia - Essa é a ironia da vida, eu havia acabado de sair de um projeto 'Trânsito e vida' e ninguém usava o cinto no carro. Mas só eu machuquei, os meninos não tiveram nada, graças a Deus. Parece uma coisa, porque toda vida fui muito precavida. Dirijo bem, posso dizer que dirijo desde criança. Já pilotei moto, dirigi caminhão, lanchas, fazia aquelas curvas da serra da Rifaina todo final de semana... E eu nunca saía sem cinto e exigia que os passageiros os usassem. Aquele dia, a gente estava descontraído, passei antes pela estrada de terra da fazenda, depois entrei na rodovia, não havia trânsito... E, de repente, o acidente, fui arremessada pra fora do carro.
ET – Arremessada para fora... Você se lembra do que aconteceu, ou desmaiou no momento?
Léia - Há pouco tempo é que meus irmãos me contaram detalhes do acidente, depois de eu muito pedir, porque eu não me lembrava de nada, só que a direção puxou para direita... Meus irmãos foram me procurar no meio do mato e contam que eu estava caída com as pernas abertas, inerte. Eles acharam que eu tinha morrido. Minha cunhada Edilene não achou pulso. Meus irmãos começaram a gritar, ela tentando acalmá-los, mas o Roberlúcio me ergueu e ficou me sacudindo e gritando: “Volta, volta!”. Minha cunhada diz que a hora que ele me soltou, eu respirei. A gente sabe que não pode mexer até o socorro chegar, mas hoje, os médicos dizem que se ele não tivesse feito aquilo, eu teria morrido ali mesmo... (Relata em lágrimas e, muito serena prossegue narrando como tudo ocorreu).Fiquei alguns momentos sem oxigenação no cérebro, mas aparentemente não tive lesões; as sacudidas que ele me deu, me salvaram. Por isso, digo sempre que sou muito amparada por Deus. Eu não tinha consciência de nada, mas dizem que tudo que me perguntavam eu respondia. Eles iam me levar para Uberaba, mas dizem que eu falei: 'Franca', lá eu tenho plano de saúde'...
ET - E como foi em Franca?
Léia - O Dr. Sinésio Grace Duarte e o Dr. Pedro Paulo Garcia Couri, especialistas em lesão medular, já estavam me esperando para os primeiros exames. Lembro-me que quando acordei, vendo aquelas pessoas em volta de mim, eu pensei: 'Estou viva ou estou no céu?' (risos). E, desde o momento que tomei consciência de que estava viva, eu pensei: 'Agora, eu quero viver, não importa como. E quero viver da melhor forma possível do que já vivia'. Passei por uma cirurgia muito delicada, muito demorada, uma cirurgia de risco. Foram colocados oito parafusos, três placas, fiquei 25 dias internada.
ET - Depois dos exames, o que foi constatado, que tipo de lesão você teve?
Léia - A lesão foi na T4 (na altura do busto), então eu só movimento dos ombros para cima, do busto para baixo perdi todos os movimentos e sensibilidade... Mas minha motivação e vontade de viver contagiavam as pessoas. Fiquei totalmente imóvel durante três meses. Teria que esperar seis meses para a restauração dos neurônios, do sistema nervoso pra saber se iria voltar a andar. Mas acho que Dr. Sinésio e Dr. Couri já sabiam... Mas havia a ansiedade da espera, a expectativa. E eu cheguei muitas vezes a imaginar que estava voltando, que eu estava formigando, sentindo os movimentos, eu alimentava a esperança de voltar a andar. Mamãe se mudou pra Franca, e tive que adaptar toda a casa... O Lucas tinha quatro anos, mas muita gente ajudava e ajudou muito.
ET - Vencidos os seis meses...
Léia - Passaram-se os seis meses e nada, apesar de todos os esforços e terapias possíveis. Quando completaram-se sete meses, comecei um projeto de basquete sobre rodas com os cadeirantes da Unifran, onde eu fazia fisioterapia e lá eu comecei a perceber gente com 4, 10, 20 anos em cadeira de rodas e pensei: 'Gente, eu com sete meses já querendo andar...'. Mas parece que a ficha não queria cair e eu sempre com aquela fé: 'Meu Deus vai me ajudar, meu Deus é do impossível...'
ET - E sempre ativa na vida diária...
Léia - Sempre, sempre... Não me entreguei esperando esse momento chegar. Não, fui à luta. Como eu havia sido atleta do handebol, do vôlei, aqui em Sacramento, decidi apostar no basquete sobre rodas. Eu queria estar ativa. Reaprendi a nadar e renovei minha carteira de motorista na categoria especial. E justo eu, que teria que trocar a carteira em 2008, no ano seguinte ao meu acidente, com um sonho antigo, de fazer exames para conseguir a habilitação na categoria D, para dirigir caminhão Brasil a fora... Acabei renovando a carteira em banca especial, e passei de primeira, entrei com a documentação e três meses depois chegou o carro adaptado.
ET - Você diria que seus pais, seus irmãos sofreram mais do que você com este acidente?
Léia - Foi novo pra todo mundo. Mamãe se mudou pra Franca, papai chorava demais, mas escondido, e segurando as pontas, cuidando da casa com meus irmãos. Meu irmão, Robervani, ficou traumatizado, porque ele vinha logo atrás e viu o acidente. Ele não conseguia me olhar, se recusava a me ver, ele chorava muito. Nossa mãe foi sempre nosso esteio, a fortaleza, a que esteve sempre presente, cuidando de mim e do meu filho. Eu digo que sou o que sou, porque tenho a herança dessa fortaleza, de ser guerreira, que é minha mãe, meu pai, meus avós... Tive pessoas maravilhosas que me ajudavam e me ajudam, a mim e a meu filho Lucas, que era minha maior preocupação, pois tinha apenas quatro anos. Eu pensava: 'Nasci de novo. Meu filho tem apenas quatro anos e precisa de mim. Deus me deu a oportunidade de continuar a criá-lo, dar-lhe o amor de mãe'.
ET - Como Lucas passou por toda essa experiência, quando ele veio a entender o que de fato estava acontecendo?
Léia - No começo, foi como se eu estivesse doente e fosse sarar. Ele dizia que iria ser médico pra me tratar, aí compramos equipamentos médicos de brinquedos e ele brincava de médico. Mas tinha muita assistência, de amigos, os filhos dos amigos, psicólogos, a família sempre lá. Enfim, ele foi sempre muito envolvido de muito amor. E eu sempre dizendo que estaria sempre ao lado dele, falava de Deus que me fez renascer, o tempo passou e eu passei a ter uma vida normal sobre rodas. Cada conquista ele comemorou junto comigo. Lembro que quando chegou o carro foi uma festa e fomos passear, nós viajamos juntos. Não nego que ele tenha ficado um pouco frustrado, porque ele dizia: “Mamãe vai voltar a andar”. Ele via meu esforço... “Mas mamãe não mexe, mamãe anda na cadeira de rodas, mas o amor da mamãe é o mesmo”. Tudo isso foi menor que o preconceito que vivi.
ET - Preconceito?
Léia - Pessoas achavam que eu estava acabada, que eu não seria capaz de mais nada e isso machuca muito. Enfrentei uma batalha judicial, porque o pai pediu a guarda dele, alegando que eu não teria condições de criá-lo. Eu era uma pessoa muito ativa, no trabalho, no dia a dia, fazia trabalhos sociais, participava e, de repente, pessoas usam minha condição de paraplégica pra humilhar, menosprezar. Eu sempre fui muito vaidosa, bonita e ainda sou, mas ouço muitas pessoas me olharem e falarem: “Que pena, ela tem um rosto tão bonito...”.
ET – E como você enfrenta essas situações?
Léia – Com classe. Eu que sempre trabalhei muito a questão da pluralidade cultural e social, a diversidade... Eu já havia trabalhado um projeto, 'Respeito às diferenças' e, claro, não esperava uma atitude dessas em relação a mim. É claro que me choca um pouco... Mas vivo cada dia para que elas não tenham dó de mim e sim respeito. A fé que me impulsiona e essa força que me vem de dentro, isso me dá ainda mais força e vontade de lutar e superar as barreiras. Eu queria mostrar para mim mesma que eu continua a mesma Léia, minha cabeça é a mesma, minha inteligência é a mesma, minha capacidade de amar é a mesma...
ET – Quando você diz: “Eu passei a ter uma vida normal sobre rodas”, no ponto de vista da afetividade, nesse tempo você teve algum relacionamento amoroso?
Léia – Quando tive o acidente eu namorava há quase três anos com o Caio e ele foi muito amoroso e companheiro nas adaptações da 'nova vida' sobre rodas. Lucas se sentia seguro com sua presença masculina perante cada adversidade a enfrentar... Aprendemos junto, com orientações da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, e nos reinventamos. Foram mais cinco anos após o acidente e um crescimento em todos os sentidos, com grande admiração um pelo outro. Convivemos durante oito anos, até 2013. Hoje, perante tudo que enfrentamos juntos, permaneceu a amizade, a relação com os familiares, o respeito, o bem-querer, seguindo rumos diferentes. Hoje estou solteira... E Caio continua com os laços afetivos ligados ao Lucas.
ET - Chegou a se revoltar por alguns instantes por conta de ver sua vida transformada de uma jovem linda, que jogava, que esquiava para uma paraplégica?
Léia – Revoltar, nunca. Quando a gente tem um conhecimento do ser espiritual que a gente é, compreende com mais clareza a vida. Mas tive muitos momentos de dor, de desespero, de angústia, mas de revolta, nunca. Eu sempre busquei amparo em Deus e fui compreendendo que, se sobrevivi foi porque teria alguma missão na terra. E quando estudava, tive grandes professores e me espelhei em muitos, e carrego comigo o seguinte: 'Professor é missão'. E que a gente tem que ser espelho para os alunos, por isso, eu questionava muito: 'O que Deus quer de mim?'.
ET – E que resposta você deu para esta pergunta?
Léia - Eu penso que Ele tem uma missão para mim. Quem sabe na condição de cadeirante, eu possa fazer a diferença na vida de outras pessoas. E passei a encarar a vida dessa forma, como se eu fosse instrumento de modificação para mim mesma e, também, poder auxiliar quem passa pelo mesmo que passei, e que, talvez, não tenha tido todo o amparo e orientações que tive pra enfrentar uma nova vida.
ET – Muito lindo o que você acabou de falar. Que lição você tira de tudo isso?
Léia - A lição que tiro de tudo isso é de que a vida é um dom divino, é amor, mas é também uma escola; e que estamos aqui para aprender e evoluir a cada dia, aproveitar cada instante para fazer o bem, para crescer e nos tornarmos pessoas melhores, porque a passagem pela vida aqui é muito rápida...
ET - Quando é que você soube, de fato, que não voltaria a andar?
Léia - Quando se passaram os seis meses e os meses seguintes e não voltei a andar, pedi ao Ronaldo Bizinotto, que mora em Brasília, uma ajuda pra conseguir uma vaga na Rede Sarah Hospitais de Reabilitação, e a vaga saiu em Belo Horizonte. Lá nos reuníamos por um mês para a reabilitação, quarenta cadeirantes e seus acompanhantes num salão imenso para a aula de Lesão Medular. Todos na mesma situação e todos alimentando uma grande esperança. Todos entram ali para sair andando. Os médicos falam sobre lesões na coluna, respondem perguntas, tiram dúvidas. Eu vinha pesquisando, sabia muito sobre lesão medular e ia perguntando e eles respondendo: “Ainda não existe nada com comprovação científica”, respostas que sabíamos de cor. Mas nunca falavam da possibilidade de voltarmos a andar, mas também, ninguém nunca perguntou isso. Até porque, acho que todos já sabíamos a resposta...
ET - E você fez a pergunta que todo mundo queria fazer...
Léia – Sim, estávamos todos lá com a neuro, Dra. Ana Paula e Dr. Gustavo, que perguntou: “Mais alguém tem pergunta?” Eu senti que eu seria a pessoa que deveria tomar frente. Foi aquele silêncio, eu olhei para os lados, todo mundo fito em mim e perguntei: “Doutor, quer dizer então que todos nós que estamos aqui, ninguém voltará a andar?” Ele suspirou e respondeu: “Não!” E completou: “Vocês já podem voltar para os quartos”. Lembro-me como se fosse hoje, o anfiteatro tem muitas portas, que se abriram e todo mundo ficou parado me olhando. Foram minutos que duraram uma eternidade. Todos me olhando...
ET – Você desabou, abriu a boca...
Léia – Não, nada disso. Peguei minha cadeira, rumei para a porta, parei e disse: 'Ah, gente, já que não vamos poder andar mesmo, vamos apostar uma corrida de cadeira aqui no corredor'. E saí correndo e todos vieram atrás na maior algazarra. O pavilhão parou para olhar. Não houve choros, não houve gritos nem desespero. Hoje, sou referência na Rede Sarah, utilizo as redes sociais e tento ajudar as pessoas que sofrem acidentes. E pessoas que nunca vi, me falam que eles lembram desse momento marcante: “Hoje, falaram de você no Sarah”. E mantenho contato com toda aquela turma até hoje. Em Franca também, Dr. Sinésio me usa como exemplo nas aulas do curso de Medicina e Fisioterapia na Unifran.
ET - Depois de tomar consciência da sua condição, aí foi tocar a vida...
Léia- Fiquei três anos afastada do Magistério e, em 2010, apesar de todas evidências apontarem para a aposentadoria, decidi voltar para a sala de aula, readaptada. Falei que não iria me aposentar, afinal estava com a cabeça a mil, acreditava que tinha muito a oferecer ainda na educação, dentro da escola, na inclusão social. Não estava na hora de me aposentar.
ET - Outro exemplo de vida... E volta, então, à vida de educadora?
Léia - Era o que eu mais sonhava, mas ainda, não. Pelo esforço que fazia ao me sentar e sair da cadeira de rodas para a cama, para o carro, com a musculatura que dá sustentação à coluna vertebral enfraquecida, com o peso do ombro e cabeça, recaindo em cima das vértebras, eu ouvi um 'toc' e passei a sentir fortes dores. Fui ao médico e veio o diagnóstico. “Você fraturou de novo a coluna” – disse o médico, explicando que a vértebra T11 cunhou com a T 12.
ET - Foi preciso nova cirurgia?
Léia – Sim, e essa muito mais complexa do que a primeira. Entrei no centro cirúrgico às 7h da manhã e só sai às 16h. Foi um novo recomeço. Decidida a voltar ao trabalho e sabendo que demoraria sair a resposta da Secretaria de Estado da Educação, logo que saí do hospital dei entrada em nova documentação com um requerimento de readaptação de cargo para eu voltar a trabalhar. E, em 2012, voltei como professora na sala de multimídia, na Escola Miranda, que já possuía acessibilidade, porque já havia alunos com mobilidade reduzida. Eu fui a primeira professora a lecionar nessas condições, com a escola toda adaptada. Hoje realizo um trabalho de reforço digital para alunos com dificuldade de aprendizagem na Escola Henriqueta, em Rifaina.
ET – Você sofreu preconceitos por parte dos alunos ao entrar na sala de aula de cadeira de rodas?
Léia - Alunos, sobretudo crianças, não têm a maldade que encontramos em certos adultos. E depois, na escola já havia vários alunos com mobilidade reduzida, com síndrome de Down. No meu caso, eles acharam interessante, eles queriam ajudar a empurrar a cadeira, sentar no meu colo e eu sempre fiz tudo pra eles se sentirem importantes, que estavam me ajudando. Eles adoravam as aulas, que eu chamava de 'aulas de rodinhas': eu na minha cadeira e eles nas cadeiras secretárias de rodinhas. Sempre foram aulas muito dinâmicas, produtivas e eles sempre muito respeitadores, amorosos. E é isso que me faz seguir na Educação, sendo objeto de inclusão com este aprender constante. E para eles cada dia era uma novidade, quando fiquei de pé na cadeira de rodas na sala. Para eles foi o máximo.
ET - Aliás, você foi notícia nos jornais por causa dessa cadeira. Como foi isso?
Léia - Fui participar pela Escola Miranda, de um curso do Jornal GCN, do Comércio da Franca, que elaborava o projeto 'Jornal na Escola'. E numa das oficinas, eu me lembro muito bem, no dia 28 de novembro, aniversário de Franca, os participantes tínhamos que ler um poema de um historiador francano que ficara cego e estava dando palestra nessa oficina. Era muita gente e todos ficaram de pé, e só eu assentada. Aí, eu disse: 'Todo mundo está de pé, vou ficar de pé, também'. O pessoal me olhou com aquele olhar surpreso: “Mas como?”. Aí acionei a cadeira e me levantei. Até então, eu só a usava na escola. Todos ficaram olhando e tentaram encarar com naturalidade. Na minha hora de ler, fiz uma leitura com entonação, voz forte, e todos viveram uma grande emoção...
ET – E foi notícia na imprensa...
Léia - Quando eu cheguei à escola, o jornal já havia ligado pra fazer uma reportagem. No dia 3 de dezembro de 2012 – Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, eles publicaram no Caderno de Domingo, a página do meio, inteira e teve muita repercussão. Neste anos de 2014, foram feitas duas matérias, uma pela filial da Rede Globo, de Ribeirão Preto, no Dia do Professor, 15 de outubro; e outra, no dia 26 de outubro, pela Folha de S. Paulo. Outra matéria vai sair na revista, Sou Mais Eu, da Editora Abril. E estou aguardando contato da Fátima Bernardes, da TV Globo. Já fizeram contato, só faltam confirmar a data. Fico feliz com essas reportagens, que podem servir de motivação pra muita gente.
ET - Como funciona essa cadeira que te coloca de pé?
Léia - Depois da cirurgia de 2010, os médicos me indicaram essa cadeira motorizada, stand up, capaz de me elevar da posição de assentada para uma posição bem na vertical. Eu posso ficar de pé e trabalhar assim por algum tempo. Posso escrever na lousa, pegar livros nas estantes, abrir armário, e posso olhar olho no olho. Já cheguei a ficar por 50 minutos de pé... Mas é uma cadeira cara, custou R$ 15 mil na época, que consegui graças a rifas e ajuda de muitos familiares e amigos, todo mundo ajudou. Essa cadeira faz o ortostastismo, ela ativa a circulação, trabalha o fortalecimento dos músculos, dos órgãos internos. A gente vai perdendo a musculatura e é preciso também um reforço para ajudar até nas funções do organismo, sem contar a maior independência que ela me proporcionou.
ET - Um outro sonho você conseguiu realizar este ano, voltar a morar em sua terra natal. Aposentou-se de vez?
Léia - Não, nada disso! Aconteceu o seguinte: eu nunca tive problemas de saúde, mas este ano tive uma pneumonia que me deixou muito mal. Minha mãe foi ficar comigo novamente em Franca, e começou a sugerir pra eu vir pra mais perto da família, em Sacramento. Outras pessoas de lá foram me incentivando e comecei a pensar o quanto valeria a pena, porque toda semana dirigia pra lá e pra cá. Se bem que viajo para outros lugares, São Paulo, praias pra todo lado com meu filho. Mas comecei a pensar seriamente nessa possibilidade. Conversei com minha diretora, que já me havia orientado, arrumou tudo e vim transferida para Rifaina. E tudo em questão de 15 dias de férias, consegui arrumar a casa, a escola para o Lucas. Enfim, as coisas deram certo e cá estou.
ET – Como o pessoal de Rifaina te recebeu?
Léia – Muito bem, com muito carinho e amizade. A escola foi comunicada e, quando voltei das férias, a escola já estava prontinha: rampas, barras, uma sala especial, com banheiro adaptado, com ajuda de uma enfermeira da rede básica de saúde, a cada quatro horas, ela ajuda a realizar o cateterismo para esvaziar a bexiga. Dou aulas em Rifaina duas vezes na semana durante todo o dia. São apenas 30 quilômetros entre as duas cidades. E, no dia 26 de outubro último, dia das Eleições, no meio da Dilma e do Aécio, me vejo na Folha de S. Paulo com a matéria: Paraplégica, professora volta a dar aula em pé com cadeira adaptada.
ET - E como toda boa professora, para ajudar o salário, tem também uma atividade extra, é consultora de cosméticos e maquiagem?
Léia - Há um ano surgiu a oportunidade de ser consultora de beleza independente Mary Kay e aproveitei. É uma forma de complementar o salário de professora e me manter na ativa. Os dias em que não estou na escola, estou por aí visitando clientes. Paro, não! Aproveito a oportunidade de estar no primeiro colégio espírita do Brasil. Pretendo fazer algum trabalho no Educandário Eurípedes Barsanulfo, onde já fui professora de 1995 a 1998. Entendo que, quanto mais a gente doa, mais a gente recebe. E as coisas vão acontecendo comigo de uma forma que só Deus poderia estar presente. E eu tento agradecer com o trabalho fraterno, me doando. Eu me sinto fortalecida.
ET - Vemos que você tem aqui em sua casa alguns 'anjos da guarda' pra te ajudar.
Léia – Sim, a Meire, está comigo desde que me mudei para Sacramento. Ela é 'minhas pernas'. Viúva de um tio meu, queria trabalhar e logo apareci, deu certo, passa o dia comigo. Tenho também minha mãe, sempre muito presente, meus familiares todos, amigos e vizinhos, sobretudo, meu filho Lucas. Deus coloca anjos na vida da gente na hora que mais precisamos.
ET - Você já nos deixou lições de otimismo, de luta, de coragem... Agora, especialmente endereçada aos jovens paraplégicos, com que mensagem você finaliza a entrevista?
Léia - A vida é preciosa demais pra não valorizá-la, não subestimem a vida, porque é uma oportunidade sublime de evolução do ser espiritual que somos. Antes, procurem vivê-la com qualidade, buscando no potencial alcançar seus objetivos. Valorizem a família, os amigos, o trabalho, a fé, a religião isso é que move montanhas. Procurem doar um pouco de si a quem precisa e há tanta gente precisando de uma palavra de conforto, de alguém para ouvi-la. Respeitem a si mesmos e aos outros e procurem, da melhor maneira, vencer os obstáculos.
ET – Quem não os tem?
Léia – Sim, todos nós temos problemas e podemos vencê-los com dignidade. Não se acomodem, não se entreguem. Estudos estão sendo feitos, o mais recente foi a regeneração da medula com a retirada do bulbo olfativo, portanto, não desistam nunca da vida. Fui destaque como uma moça bonita, a primeira Rainha da Cavalgada, aluna brilhante, professora competente e, quem sabe, minha missão maior não seja como cadeirante! Mas não se assustem se me virem um transformer, num exoesqueleto por aí, estou disposta a todas as experiências bem sucedidas, quero qualidade de vida para continuar vivendo minha missão.
ET - Muito obrigado pela entrevista. Parabéns, parabéns, por tudo!