Paulo Bessa dos Santos, 75, é sacramentano, nascido na região da Ibituruna. Cresceu na fazenda onde passou a infância e fez os estudos na Escolinha de Santa Maria. Paulo se lembra bem dos professores até o quarto ano: dona Anatole Cunha e Jeovah. “O Prof. Jeovah era muito bom, mas era bravo... Como durante toda minha vida gostei de aprender e era esforçado, me dei bem com todos”, recorda. A juventude e parte da vida adulta também foram vividas na Ibituruna, até vir para a cidade. “Eu tinha vontade de aprender uma profissão e, de fato, aprendi eletricidade, na prática, só depois fiz um curso de eletrônica”.
Em 1968, aos 30 anos, já casado com Bárbara Messias, desde 1961 e com dois filhos, Paulo junta as malas e vem para Sacramento, através de um convite para tomar conta da AABB. “Lá permaneci seis anos, de onde saí para trabalhar na Eletrônica 2000, com Jerônimo, e, finalmente, depois de dois anos ingressei no Laticínioss Scala, onde trabalhei na manutençã elétrica por 18 anos e me aposentei. Digo, sempre que, todas as minhas profissões, todos os trabalhos que fiz foram muito bons, graças a Deus. Sempre dei muito valor aos lugares onde trabalhei. De roça, eu sabia tudo e na parte elétrica aprendi tudo muito bem”, reconhece.
O gosto pela música de viola
O gosto de Paulo pela música é herança de família. “Meus tios do lado da minha mãe eram violeiros, tocavam muito e, quando nasci, mamãe decidiu que eu iria aprender a tocar com os tios. Ela tinha até uma simpatia: dizia que a pessoa que cortasse minha primeira unha e jogasse dentro do violão do meu tio, que eu aprenderia com facilidade a dedilhar um violão. Mamãe gostava demais de música, minhas irmãs tocavam também. Mas eu comecei a tocar tinha uns 16 anos”.
Seu dom para a música o levou a formar com o irmão, Mário, a dupla, Bessa e Bessinha. “Eu era o Bessa, por ser mais velho, o Mário, o Bessinha, mais novo que eu três anos. Tocamos muito em Uberaba, na rádio Difusora com o Nhô Bernardino, um programa alegre. Tocávamos até músicas de nossa autoria, éramos uma dupla bem famosa na região. Depois de uns cinco anos a dupla acabou e a partir daí passei a ter um violão só para mim”.
Depois de aposentado, Paulo logo buscou fazer outras coisas e tornou-se um lutier (do francês, luthier, artista que constrói e restaura de modo artesanal, instrumentos de corda com caixa de ressonância). “Em 2001, comecei a consertar violão e viola e resolvi fabricar uma viola. Sem explicação de ninguém, fui pegando as manhas e consegui fazer minha primeira viola. Hoje fabrico viola, violão, para adulto e adolescente e já completei 18 instrumentos, alguns vendidos para outras cidades e os demais estão aqui em Sacramento”.
Expertise na fabricação de instrumentos, Paulo detalha os cuidados para fabricar um bom instrumento. “Tudo começa a partir da madeira, para dar um bom timbre. Ela não pode estar verde, ela deve ter uns quatro a cinco anos de tempo de corte. A primeira viola que fiz, o braço foi de sassafrás, mas o jacarandá roxo é o ideal e o meu preferido. Temos também o cedro, a imbuía que são madeiras muito boas, resistentes para a curvatura, numa tábua de três milímetros de espessura”, detalha.
Paulo ressalva que todo instrumento possui uma emenda, porque é muito difícil hoje encontrar uma madeira que dê a largura da caixa de ressonância. Quanto aos acessórios são comprados no comércio, como cravelhas (tarraxas), trastes, rastilho e os elementos eletrônicos para eletrificar o instrumento. Falando da diferença entre viola e violão, Paulo explica: “O violão normal tem seis cordas, mi, lá, ré, sol, si e mi. Já a viola tem cinco pares de cordas, portanto dez cordas, dispostas em cinco pares. Esses pares de cordas são tocados sempre juntos, como se fossem uma só corda”.
A originalidade da viola de bambu
Paulo falou das madeiras nobres: sassafrás, jacarandá roxo, cedro e imbuia, mas reconhece que hoje não são muito usadas pela dificuldade em encontrar madeira de lei. “As peças de madeira nobre que consigo vêm de pessoas amigas, que as tem guardadas de muitos anos. Hoje, as fábricas estão usando madeiras tratadas e até improvisadas e, ultimamente, de bambu. Eu mesmo nunca vi, mas resolvi fazer a experiência. Cortei o bambu gigante verde, deixei secar bem e comecei cortando as partes mais grossas, levei na lixa até ficar certinhas, imprimi e colei com uma cola para travar bem e de repente deu certo”, diz, ressaltando um detalhe:
“- O bambu é usado apenas nas tampas da caixa de ressonância, nas laterais usei o jacarandá; no cavalete, cedro e, no braço, cabiúna. A Pestana e o rastilho são de ossos e o mosaico, artesanal, também é criação minha. Dá trabalho, mas tenho todo o tempo, não tenho compromisso de horário. A viola acústica não dá um timbre bom, mas a eletrônica não tem diferença. A próxima experiência será um violão, o bambu já está secando”, revela.
Na sua obra artesanal, que é toda comercializada, Paulo faz uma homenagem à família materna, gravando o sobrenome 'Bessa' como marca do instrumento, dentro da caixa de ressonância. Além disso, cada peça traz um selo com data de fabricação, endereço e telefone para contato. “ Dizem que sou um profissional, , mas me considero apenas um fabricante artesanal de instrumentos de corda. Não me considero um profissional, porque para isso precisaria de uma fábrica bem montada, todos os equipamentos e maquinarias, estoque de madeiras... Para mim, isso é um passatempo, uma diversão, uma forma de exercitar essa arte. Hoje, penso que comecei tarde nesse trabalho, se tivesse começado mais novo, talvez tivesse uma indústria...”, reconhece.
Feliz dentro de seu atelier, onde passa horas trabalhando e tocando, Paulo Bessa se diz um homem realizado. “Graças a Deus, sou muito feliz, realizado. Essa arte me traz tempo de vida, me entusiasma demais. Graças a Deus me sinto forte, sadio, ainda pilotando minha moto. Aliás, meu veículo sempre foi duas rodas, posso dizer que criei minha família em cima de duas rodas. Mas sempre fui muito precavido. Só sei dizer que sou feliz com o que faço”, finaliza, tocando velhas modas em sua viola de bambu.
Paulo Bessa e a esposa Bárbara Messias são pais de três filhos, Luciene, Luciano e Keila. Para conhecer o lutier Paulo Bessa e sua obra é só dar uma passadinha pela rua rui Barbosa, 425, bairro de Lourdes. Telefone: 3351-3445.