Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Caixeta, 40 anos de São Geraldo

Edição nº 1419 - 20 Junho 2014

Lázaro das Graças Caixeta, 57, é uma daquelas pessoas que fazem a diferença no dia a dia, na sociedade, na profissão e na família. Filho único de Manuel de Freitas Caixeta (falecido) e de Vitalina Borges, Caixeta, como é popularmente conhecido, nasceu em Araxá, mas foi registrado em Sacramento, para onde se mudou com os pais para a região do Soberbo, ainda criança, mas logo a família se mudou para a cidade.

Os primeiros estudos foram feitos até o 4º ano primário, no Grupão Afonso Pena Jr. Poucos estudos, mas  suficientes para garantir-lhe o sustento e da família e o emprego de quarenta anos na Viação São Geraldo, como cobrador por 14 anos, e de motorista nos últimos 26, levando e trazendo passageiros de Sacramento a Uberaba.

Casado com Darcy Aparecida de Souza há 34 anos, Caixeta, que é pai de quatro filhos e o xodó dos seis netos, se confessa realizado. Aposentado, ainda continua na lida e, dia a dia, percorre a estrada onde conhece cada ramo, cada flor, cada buraco do trecho de 80 quilômetros das rodovias MG 190 e BR 262, por onde transita diariamente pelo menos três vezes.  Confira a bonita história de Caixeta.

 

ET – De origem rural, antes da São Geraldo fazia o quê? 

Caixeta - Comecei a trabalhar na roça era menino. Antigamente criança podia trabalhar e eu plantei muito eucalipto para a Pinusplan e a Planax. Saíamos de madrugada de caminhão com o  Zé Rita, depois com o Orlando Mariano e sumíamos  por aquele chapadão a fora no “pau de arara”. Quando completei 14 anos, tirei Carteira Profissional de Trabalho, fui para a Cemig, onde trabalhei três anos e com 17 anos  fui para a  São Geraldo, do 'seu' Pedro Magnabosco, como cobrador. Ele tinha seis carros pra fazer a linha Sacramento-Uberaba via Ponte  Alta, com outros dois motoristas, o  Perival e o Zé Maria. Em 1982, 'seu' Pedro vendeu a empresa para  a Líder, que manteve o nome São Geraldo e todos os funcionários. Agora, a Líder vendeu pra Itamaraty de São José do Rio Preto e mais uma vez os funcionários fomos juntos.

 

ET – Quando começou a rodoviária era ainda lá no centro, onde hoje é o Banco Itaú?

Caixeta - Em Sacramento, quando o 'seu' Pedro Magnabosco começou a rodoviária era lá no centro, alguns ônibus partiam do Bar do Ledo e outros do Bar dos Irmãos Zago. Quando iniciei, o prefeito Hugo Rodrigues da Cunha já havia construído a rodoviária onde é hoje, que foi mais tarde reconstruída pelo prefeito José Alberto. A primeira tinha uma plataforma tão baixinha que um dia, quando vieram os primeiros carros da Scania,  um dos ônibus ficou entalado. Precisaram murchar os pneus para ele sair (risos). Em Uberaba, também, já peguei o terminal novo, mas havia um ponto de ônibus na antiga rodoviária, onde a maioria dos passageiros desciam.

 

ET - As rodovias MG 190 e BR 262 já eram asfaltadas ou chegou a viajar em estrada de terra?

Caixeta - Peguei uns tempos de terra na MG-190. Mas o seu Pedro contava que quando começou era muito difícil. Não havia nem a 262. Os ônibus eram as antigas jardineiras de cofre avançado e bagageiro em cima, cujo trajeto, via Ponte Alta, passava pela fazenda do Américo Cardoso, Caieira, Peirópolis e depois Uberaba, tudo terra. Saía às 6h da manhã e só chegava em Uberaba às 10h.  

 

ET - Nos seus 40 anos de estrada sofreu algum acidente?

Caixeta - Já, mas nada grave, graças a Deus. O primeiro foi quando eu ainda era cobrador. Fazia pouco tempo que seu Pedro tinha vendido a empresa pra Líder. Íamos para  Uberaba no horário das 12h30, estava chovendo e o carro deu problema na descida para Ponte Alta. Começou sair fumaça nas fibras da roda e tivemos de parar.  O motorista Perival  e eu descemos para ver o que estava acontecendo, nisso caiu um raio na cerca ao lado. Perival foi arremessado para debaixo do carro e eu voei do outro lado da rodovia. Ele teve um corte na testa e levou 15 pontos, eu só tive uns arranhões.  Os passageiros não tiveram nada, graças a Deus, só uma mulher grávida é que desmaiou, mas se recuperou logo. Aí logo chegou socorro. 

 

ET - E como motorista?

Caixeta – Nesses 26 anos, graças a Deus, só tive um acidente, onde morreram 14 vacas...


ET - Vacas?

Caixeta – Logo no início de minha carreira como motorista. Havia seis meses que eu assumi a direção do ônibus, numa manhã, no horário das 6h, saindo de Sacramento ainda escuro e muita neblina, cerração e garoa, ali em frente a fazenda do finado Chiquinho do Maísa, de repente, me vi diante de uma boiada na pista...  Era um ônibus antigo, muito ruim de freio e bati em  cheio no gado.  Eram 35 reses que atravessavam a pista tocadas por um vaqueiro. Com o impacto, umas foram derrubando as outras e, infelizmente, 14 morreram. A terceira vez,  foi um caminhão de chocolate que entrou na traseira do ônibus e jogou o veículo no acostamento,  logo na saída de Uberaba, quando ainda era pista única. Graças a Deus, todos eles, sem nenhuma vítima humana.

 

ET – E assalto, foi vítima de algum nesses 40 anos?

Caixeta – Também já sofremos. Há três anos, no horário das 17h. Ali no Posto Santo Antônio peguei dois rapazes, de bermuda, chinelo e mochilas nas costas. Eles entraram, um ficou na frente e o outro foi para o fundo e ficou de pé. O cobrador foi indo ao fundo pedir pra ele se sentar e aí ele  anunciou o assalto,  tirou uma garrucha  da mochila e o outro pegou um revólver. O que estava na frente, chegou pra mim e deu a ordem: “Vamos, motorista, até Uberaba, sem parar e se alguém reagir, vamos meter bala”, e encostou em mim o revólver. Aí eu falei que podiam pegar o que quisessem  só não era pra não machucar ninguém,  que eu iria direto até Uberaba. E toquei o carro. Não parei pra ninguém. Quem ia descer na estrada foi pra Uberaba. E ele sempre falando “não aciona nada aí no painel, nenhum sinal, senão vai bala”. O revólver estava nas minhas costas e  eu pedi pra ele se afastar um pouco, porque eu não estava me sentindo bem com aquela arma me encostando,  pois ela poderia disparar com o movimento do ônibus. E avisei que se o ônibus capotasse a 80 km por hora não sobraria ninguém. Foi quando ele tirou a arma. Chegando a Uberaba, no último viaduto, ele me mandou reduzir pra 30 km, que iriam pular.  Joguei para o acostamento,  eles pularam e um falou: “Pisa, acelera, senão metemos bala”. Não precisou segunda ordem. Só parei na rodoviária, registramos ocorrência, mas ninguém foi pego. Eles levaram celulares e dinheiro dos passageiros. 

 

ET - Hoje, as pessoas não viajam mais de ônibus como antigamente...

Caixeta - Diminuiu bastante, mas já houve época que viajávamos cheios, passageiros em pé,  na ida e na volta. Antes tínhamos mais horários, quatro  pra ir e quatro  pra voltar, depois foram tirando porque viajávamos vazios. Hoje, de segunda a sábado são três horários de Sacramento  a Uberaba, (6h, 12h30 e 17h) e pra cá,  temos às 8h, 15h30  e 20h15. Aos domingos são apenas dois horários 6h e 17h saindo de Sacramento e 8h e 15h, saindo de Uberaba. Mas  é idéia da empresa mexer nos  horários e até aumentar. Os veículos melhoraram, oferecem conforto e isso atrai as pessoas para viajar de ônibus. Somos dois motoristas, o Laerte e eu, que nos revezamos nos horários.

 

ET - Você viveu uma evolução e tanto em relação a veículos, não? 

Caixeta – Vixe! E como!! (risos). Os ônibus melhoram muito, não rendem mais, porque temos velocidade controlada. Com a nova empresa proprietário, estão renovando toda a frota. Estão uma beleza, carros seminovos com TV a bordo, banheiro, água, ar condicionado, poltronas confortáveis e vai melhorar ainda mais. Mas já dirigi muitos trambolhos, carros muito velhos, coisa feia, mesmo, passageiro ficava bravo com a gente, era um Deus nos acuda. Inclusive,  há uns dois,  três anos, a  fiscalização prendeu um carro nosso na rodoviária de Uberaba, no horário das 8h,  de tão velho que estava. Não era eu o motorista, mas sei que o pessoal quase morreu de vergonha e ficou muito bravo, com razão (risos). 


ET - Mas até poucos dias, o ônibus reserva que vinha aos domingos era um trambolhão, parecia que ia cair os pedaços. O pessoal na rodoviária gritava, 'chegou o pau de arara' (risos). E de fato dava  vergonha...

Caixeta -  Não só os passageiros, nós motorista e cobrador, também, ficávamos ressabiados. Levávamos na brincadeira, mas a gente ficava sem graça... Felizmente, aquele não existe mais. E acredito que vai melhorar muito ainda,  porque a Itamaraty está trocando a frota toda. É uma empresa muito grande, que vem incorporando outras empresas, hoje são mais de  20 filiais no país. 

 

ET - Caixeta, 14 anos de cobrador, 26 no volante, o que isso representa pra você?

Caixeta - Uma grande bênção. Para mim foi muito bom, criei a família trabalhando na São Geraldo. Não tenho o que reclamar da profissão... Nunca havia tirado  uma licença sequer,  a primeira foi este ano porque machuquei o dedo... Acho que fui um bom profissional, graças a Deus. Aposentei, mas  vou continuando enquanto Deus permitir. E agora, de ônibus novo, então, a gente chega na rodoviária todo imponente... (risos). Graças a Deus gosto do que faço e  sinto-me um homem realizado, não me imaginei ainda sem o volante, sem a paisagem, sem o ir e vir...