A Pastoral da Criança está completando este ano, 30 anos de fundação e de excelentes serviços prestados em mais de 35 mil comunidades espalhadas pelo Brasil, em 3.809 municípios e, em mais 21 países da América Latina, África e Ásia. Nasceu com a médica Dra. Zilma Arns Newmann, irmã do bispo paulistano, Dom Evaristo Arns, em 1983, a pedido da própria CNBB.
Médica pediatra e sanitarista, Zilda Arns aprofundou seus estudos em saúde pública, visando salvar crianças pobres da mortalidade infantil, da desnutrição e da violência em seu contexto familiar e comunitário, com a convicção de que a educação seria a melhor forma de combater a maior parte das doenças de fácil prevenção e a marginalidade das crianças.
Em 2004, a médica recebeu da CNBB outra missão semelhante: fundar e coordenar a Pastoral da Pessoa Idosa. Atualmente mais de cem mil idosos são acompanhados mensalmente por doze mil voluntários de 579 municípios de 141 dioceses de 25 estados brasileiros.
Zilda Arns morreu tragicamente no terremoto que devastou o Haiti dia 12 de janeiro de 2010, logo após fazer uma palestra sobre como salvar vidas com medidas simples, educativas e preventiva.
Para comemorar os 30 anos da Pastoral, mais de 500 voluntários brasileiros e estrangeiros participam do Congresso Nacional da Pastoral da Criança, em Aparecida. No encerramento do Congresso no dia 2 de agosto, Dom Aldo Di Cillo Pagotto, presidente do Conselho Diretor da Pastoral da Criança, anunciou a abertura do processo de beatificação da médica pediatra e sanitarista Zilda Arns Neumann – Dra. Zilda – em 2015.
A Pastoral da Criança em Sacramento: ‘‘Para mim, isso ficará na história’’
Incentivada pelos padres redentoristas, a Pastoral da Criança foi iniciada em Sacramento logo no início da sua criação, e com uma atuação bastante expressiva, com mais de 30 voluntários. Durante mais de 20 anos, a Pastoral foi coordenada por Maria Madalena Fraga Braz, e prestou um grande serviço às famílias mais carentes da cidade, num tempo em que nem existia o SUS (Sistema Único de Saúde) e a cidade possuía poucos postos de saúde.
“Foi um tempo muito bom e muito frutífero. Ainda hoje encontramos pessoas que foram assistidas pela Pastoral que se lembram do trabalho realizado. Muitos hoje são casados e pais de família e quando as encontramos elas dizem: 'Eu sou aquela menininha que vocês ajudaram a crescer'. É gratificante. Foram muitas famílias atendidas”, lembra Madalena, que deixou o cargo em 2005 para assumir outras frentes de trabalho. Desde então, por falta de incentivo e voluntários veio acabando.
Madalena, lembrando as ações na cidade com mais de 100 famílias no Alto Santa Cruz, Perpétuo Socorro, João XXIII e São Geraldo. “Com o apoio da Igreja e dos párocos que passaram nesse período, Pe. Carrilho, Pe. Costa, Pe. Vicente, Pe. Inácio e seus coadjutores éramos 30 voluntários fazendo visitas domiciliares, especialmente aos domingos. Foram muitas hortas caseiras, muitas orientações sobre alimentação, higiene, educação familiar e muitas oficinas para elaborar pratos alternativos”, conta.
E sobre a alimentação alternativa, Madalena conta que “quando Drª Clara Brandão, (pediatra e nutróloga) descobriu o valor nutritivo do farelo de arroz e levou a experiência para a Pastoral, me vi criança, porque papai, Evaristo Fraga, que trabalhava na máquina dos Crema, trazia o farelo para casa e mamãe fazia bolos, farofas... E, de repente, me vi ensinando as mães a fazerem receitas com o farelo de arroz. Reuníamos as mães no Salão do João XXIII e dávamos cursos, fazíamos diversas receitas bolos e biscoitos com o farelo de arroz, saladas, refogados tudo aproveitando o talinho da couve, as folhas dos legumes, tudo muito saudável, mostrando-lhes que podemos ter uma alimentação saudável com muito pouco gasto”, diz.
De acordo com Madalena, o farelo de arroz era extraído na máquina de beneficiar do empresário Mizael Fraga, que comercializava o Arroz Caçula.
“- Tio Miza tirava o farelo com o maior carinho e doávamos às famílias. Hoje não tem mais. Eu compro fora e faço ainda quitandas com o farelo de arroz e, ainda tem gente que procura o farelo”.
Lembra Madalena um fato pitoresco sobre o controle de peso pelos voluntários.
“- Aquelas antigas balanças de dependurar eram amarradas no caibro das casas e as crianças eram colocadas dentro de um saco e pesadas. Como ficavam com medo, era a maior choradeira, um Deus nos acuda” – lembra, informando que a prática desapareceu quando passaram a usar os cartões de saúde das crianças.
- “Aproveitamos a pesagem que era feita no posto, pela fidelidade e também para acabar com aquele sofrimento das crianças que tinham que ficar penduradas para a pesagem. Aquela balancinha era estressante para elas e para nós. Para mim, isso ficará na história”.
Madalena recorda ainda das reuniões na regional arquidiocesana com a coordenadora Graça. “Uma vez a Drª Clara Brandão, que a gente chamava de 'doutora do farelinho de arroz', que cura muitas doenças, além da desnutrição, ela veio a Uberaba e toda a regional se reuniu com ela para trocar experiências e mostrar o trabalho. Ela trazia ideias fantásticas que a gente usava para trabalhar com as famílias”, recorda Madalena, exaltando o trabalho da Pastoral da Criança..
A pastoral não dá o peixe, ela ensina pescar
O objetivo da Pastoral não é dar as coisas prontas, mas orientar, encaminhado as famílias para as soluções. “Às vezes, as pessoas, as famílias precisam de muito mais que cestas básicas e remédios. Os problemas familiares, problemas em casa, violência doméstica, tudo isso afeta o desenvolvimento de uma criança. Muitas vezes, a criança não se desenvolve bem não é por falta de alimentos, mas pelo ambiente familiar desestruturado, por problemas que ela vivencia, por isso a importância do acompanhamento desde a gestação. Os casos mais graves eram encaminhados às instituições”, conta mais.
Para Madalena, apesar das inovações com os PSFs, agentes comunitários e a própria TV que traz informações, a Pastoral da Criança ainda é necessária. “O trabalho da Pastoral é doação, diferente, por exemplo, dos PSFs, seja para a saúde física ou psicológica, que empregam agentes que vão e fazem a visita com todo seu profissionalismo. Porém, nada substitui a mística da Pastoral, porque a gente vai com muito mais amor, vê a realidade das famílias sem julgamentos e, a partir do primeiro momento, começamos a trabalhar as pessoas de forma quase que integral. O interessante é que as visitas fortaleciam tanto o vínculo familiar. Os casais ficavam aguardando a visita, eles se abriam em busca de soluções, às vezes, de problemas até fáceis de resolver”, conta.
Lembra Madalena que quando chegavam às casas, as crianças iam correndo ao encontro das voluntárias. Fazíamos as visitas aos domingos, porque era o dia que a gente podia falar com o pai e a mãe sobre a educação dos filhos, os direitos e deveres dos pais e filhos, a importância de encaminhá-los para uma religião. Também ouvíamos suas experiências, suas queixas e sempre dávamos uma solução”, explica, lembrando que hoje a Pastoral da Criança pode ser uma aliada das famílias em relação às drogas, à gravidez precoce e a tantos outros problemas que afetam as famílias. Se a orientação vem desde cedo, muitos problemas podem ser evitados”, finaliza.
Cleusa Ferreira de Assunção, mãe de nove filhos é a matriarca de uma das famílias atendidas pela Pastoral e que dá testemunho. “Eu morava aqui no João XXIII, uma casinha de dois cômodos perto da Igrejinha e na época tinha cinco filhos. A vida era muito sofrida, muito difícil, eu sem marido, muito desorientada e a Pastoral chegou e me ajudou demais, não só eu, mas muitas famílias do bairro. Aprendamos a fazer comidas, até farinha de folha de mandioca, aprendi a fazer”, conta.
Lembra Cleusa de um acontecimento ocorrido no nascimento de um de seus filhos. “Grávida e passando mal, fui para o hospital, mas o médico disse que não estava hora e me mandou pra casa. Eu voltei e daí a pouco o menino nasceu. Dei à luz numa privada, aquelas de fossa, eu sozinha e Deus. Mas logo os vizinhos chamaram a Madalena e outras pessoas chegaram e me socorreram. O menino tem 21 anos. A Pastoral foi uma ajuda muito grande, os meninos freqüentavam igreja, catecismo, fizeram primeira Eucaristia, um deles foi até coroinha. Era um tempo bom, não fosse a ajuda deles nem sei... A ajuda era tão grande que viramos até comadres, Madalena é madrinha de uma das meninas”, conta mostrando a foto. “Ainda hoje, há lugar para a Pastoral da Criança na cidade? Quem vai nos dar essa resposta, na próxima edição, é o pároco, Pe. Sérgio Márcio de Oliveira.