Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Bebel: Um ano de estudos na Alemanha

Edição nº 1379 - 13 Setembro 2013

A sacramentana Maria Isabel Caldeira Henrique, Bebel, 22, filha do bancário Marcelino Henrique e da Profa. Maria Andrea Brigagão Caldeira, depois de um ano de estudos na Alemanha, pelo programa do governo federal, Ciências sem Fronteiras, como bolsista da Universidade Federal de Itajubá, esteve no Brasil para uma temporada de férias. Contemplada, através de concurso e entrevista, com a extensão da bolsa, para um estágio de mais seis meses na Boch, Bebel retornou à Alemanha no final de agosto. Mas antes falou ao ET.

 

Opção pela Alemanha e objetivos

“Foi justamente pelo meu curso. Na época, a universidade tinha convênio com a França e Alemanha e, através de uma conversa com o professor que fez a palestra sobre o programa, aconselhando a ir para a Alemanha. E, de fato, a Alemanha é o que temos hoje de ponta no automobilismo. Os objetivos que me levam ao estágio são aprofundar conhecimentos nas matérias que não são ministradas no Brasil, conhecer a realidade automobilística do país etrazer as novidades para  aplicá-las em meu país. Na verdade, muitos estudos da área na Alemanha são bem mais profundos que no Brasil, além de muito caros. E o programa Ciências sem Fronteira nos deu essa oportunidade de ingressarmos na faculdade, estudarmos e trazer isso no currículo como  aprofundamento.

 

Flexibilidade

Bebel passou o ano estudando na Unversidade de Magdeburg, capital do estado de Saxônia-Anhalt, cidade de cerca de 250 mil habitantes. Falando do dia a dia na Universidade, explica que as diferenças são grandes em relação ao Brasil, a começar do programa de estudos para os estrangeiros que é bem flexível. “Eles exigem no mínimo quatro matérias e, aconselham que estudemos o alemão. Como a grade não é fechada, nós podemos escolher as matérias e montamos nosso horário e, por essa flexibilidade, podemos cursar outras matérias fora da grade. No meu caso, escolhi uma da área de tecnologia que não será contemplada no meu programa no Brasil e que pode ser aplicada na Engenharia Mecânica. Achei muito importante, porque te dá oportunidades de outras frentes. Felizmente pude ampliar muito o currículo”. 

 

O idioma

O normal do bolsista é chegar ao país de destino sem o domínio completo do idioma. Com Bebel não foi diferente. No início enfrentou dificuldades, como diz: “Nas primeiras aulas na universidade, eu não entendia nada do que falavam. Na primeira aula pedi informações para um colega alemão, mas ele também não entendia nada, porque ele fala um dialeto. Aí vi que teria que me virar, me aperfeiçoar na língua. Ingressei num curso de verão a partir do intermediário, fiz aprova, fui aprovada e então ingressei no avançado. A gente vai melhorando cada vez mais no domínio da língua e isso ajuda muito. Busquei também aprimorar meu vocabulário na parte técnica, que não era nada bom, porque precisaria para as provas e provas lá têm muito valor.  Fiz todas as provas e fui aprovada”. 

 

A universidade

Fazendo uma ligeira comparação entre o estudo lá e no Brasil, Bebel fez a seguinte análise: “Eu achei que o estudo, as provas no Brasil são mais difíceis, porque aqui para fazer uma prova o aluno precisa ter uma noção geral de tudo. Lá, não, eles são muito objetivos. É cobrada na prova aquela unidade que foi estudada, tudo muito específico, o aluno não precisa associar outros conhecimentos”. Outro destaque feito por Bebel é o grande uso de multimídias nos cursos. “Geralmente, os professores só utilizam a lousa em aulas práticas. No Brasil, normalmente, as aulas teóricas e práticas são concomitantes ou, então, os exercícios são feitos em casa. Lá não, há aulas específicas para a prática, com a resolução dos exercícios dentro da carga horária das aulas. Essas aulas já estão agendadas no calendário, para a resolução dos exercícios com a presença do professor”. 

 

Valor da bolsa

Cada aluno bolsista do Ciências sem Fronteiras recebe por mês do governo brasileiro, $€ 870 (euros) por mês. “O dinheiro é depositado em nossa conta, antecipadamente, a cada três meses, cabendo ao aluno administrá-lo da melhor maneira possível. Mas é muito dinheiro, dá tranquilo pra viver”, afirma, exemplificando. “Quando chegamos,  a universidade já havia preparado um prédio onde ficamos todos os brasileiros. Pagamos $€ 194 por mês, em quartos com dois estudantes, mas nada impede de mudar. Só que aí é por conta da gente, a universidade já não ajuda mais.   O transporte é o bonde elétrico, que passa na porta do prédio, dez minutos distante da universidade”. 

 

Bom desempenho 

De volta à Alemanha, graças ao bom desempenho que obteve no curso, Bebel se transfere para a cidade de Bamberg para um estágio de seis meses na Bosch GmbH. Empresa fundada em 1886, tem entre seus  negócios a fabricação de produtos automotivos, além de uma gama de produtos para o consumidor final, da serra tico-tico à engenharia industrial, mas Bebel vai para área de sistema automotivo de ignição. “Uma de nossas funções será fazer um projeto no computador, simular e tentar melhorar o que já existe dentro do sistema de ignição  que a Bosch produz, e que está muito desenvolvida nessa parte. Para isso, teremos que analisar variáveis, realizar vários testes na prática, isto é, construir o que projetarmos,  mostrar que está melhor e comprovar   porque é melhor”, adianta.

 


O dia a dia nas terras germânicas

O bom de estudar no exterior não está apenas no enriquecimento do currículo do educando. Junta-se a esse objetivo principal a possibilidade de aprofundar no idioma e conhecer vários países, especialmente quando o bolsista está no 'velho mundo'. E dessa regalia, Bebel não abriu mão. Aliás, o programa é oferecido pela própria universidade, conforme explica. “Temos programas especiais para conhecer cidades, lugares pitorescos, então o nosso contato com alemães é muito grande, mas é muito maior com estrangeiros, oriundos dos mais variados  países e isso é enriquecedor. Cada semana é realizada a noite de um país, com entrada franca e ali são dadas todas as informações, saboreadas as comidas, músicas e danças típicas. Tudo muito interessante. Eu aprendi demais. Às vezes, aconteceu, de eu não comer quase nada. Por exemplo, no dia da Índia, eu estava com  muita fome, mas não consegui comer nada de tanta pimenta”. 

 

A festa dos brasileiros

“Os brasileiros formamos um grupo maior, somos 22 estudantes. No dia do Brasil, foi interessante, como coincidiu com o final do semestre, foi aberta para toda  a cidade, e não teríamos  como  fazer comida para todos. Aí fizemos o trivial pão de queijo, que não poderia faltar, bolo de cenoura com calda de chocolate, pasteizinhos de frango e milho, brigadeiro, e terminamos com beijinho...” 

 

Viver na Alemanha...

Para um brasileiro, acostumado com um clima tropical, nosso costumeiro 'arroz e feijão' e carne bovina básicos, olha, não é nada fácil. “A comida no começo foi fácil, à base de carne suína e batata frita, mas a gente enjoa, por isso eu senti muita falta de carne bovina. O que manda lá é carne de porco, frango, salsicha. Carne bovina a gente encontra, mas é muito cara.  Eles consomem verduras tipo  ervilha, milho cenoura, mas em conserva, eles usam muito conservas  de legumes. Nos restaurantes há saladas de folhas mas não essa variedade que tem aqui”.

 

O frio terrível

“No começo foi divertido, mas depois foi terrível. Quando começou a nevar, nossa professora de alemão falou que nós estaríamos felizes, porque éramos o único povo que nunca tinha visto neve. E de fato, a gente saía,brincava, corríamos. Os primeiros dias foram muito bons, mas no final... Víamos a luz, mas não esquentava, não sentíamos o  calor do sol, aí já começamos a pedir sol...”

 

E o 'calor' do povo alemão?!!

“Este era um dos meus medos, porque sempre ouvimos que os alemães são um povo muito fechado, frio. Só que eles mudaram muito nos últimos anos, estão mais abertos, mais receptivos, prestativos, educados. Uma peculiaridade deles é que não se metem na vida alheia. Eles nunca perguntam de sua vida.  Porém, se a gente tiver algum problema e  falar, eles estão prontos a ajudar. Outra curiosidade é que são mais recatados, não têm essa euforia que temos de abraçar, dar beijinhos quando se encontra ou nas despedidas”.

 

A religiosidade

Católica de berço e de criação, Bebel se engajou também em grupos de jovens. “Embora o país seja de maioria protestante, há movimentos de jovens católicos. E notei também um ecumenismo muito grande, um respeito grande entre as religiões, inclusive dentro das suas próprias igrejas. Tive a oportunidade de presenciar isso numa igreja protestante onde estive com uma colega. Na cidade há quatro igrejas católicas, as demais são protestantes, mas na igreja católica, por exemplo, na Oração dos Fieis, eles pedem pelos mulçumanos, pelos protestantese por todas  as religiões”. 

 

Campos de concentração

Além da tecnologia avançada, a Alemanha é lembrada principalmente pelos horrores do holocausto. E a visita aos campos de concentração, para Bebel, foi uma de suas experiências mais tristes. “Um lugar de uma atmosfera pesada, lúgubre. E as histórias que a gente ouve nos levam a refletir como houve alguém capaz de fazer aquilo. Porque nos campos não havia só judeus, também mulheres, crianças, gays, pessoas aleijadas. Enfim, qualquer pessoa que eles acreditavam ser uma ameaça para a raça pura, eles mandavam para os campos. Um lugar muito triste lá, muitas fotos de cenas tristes. Mas os alemães não têm nenhum orgulho dessa história, eles levam os filhos para conhecer o que foi a história do seu país e não se orgulham disso”. 

 

 

Valeu muito a pena

Finalizando, Bebel se confessa realizada e agradecida pelo programa Ciências sem Fronteiras, que lhe possibilita essa experiência. “Valeu muito a pena, tanto no aspecto profissional como pessoal, a oportunidade que tive com esse programa do governo federal, de ampliar meus conhecimentos, de conhecer outras culturas, fazer amizade com outros povostudo isso é muito enriquecedor. A gente sente saudades de casa, mas no nosso caso éramos um grupo grande e vamos nos  ajudando uns aos outros a superar os momentos de saudade que, às vezes, bate forte. Tem  gente que se abate muito, agora quando vamos com a mente aberta, sabendo que vai ser diferente  isso faz com  que encaremos com naturalidade a convivência com diferentes culturas”.