O domingo foi de festa em Sacramento com mais um encontro regional de Congada, Moçambique, Catupés e afins, evento que reuniu 13 ternos, três de Sacramento e os demais das cidades vizinhas. A movimentação começou cedo na casa dos festeiros e no salão de festas da Igreja de Nossa Senhora d´Abadia. Apesar do forte calor, as ruas do alto do Terreirão (alto Chafariz) encheram-se de cores, batuques, cantoria e muita alegria, que se estenderam, até a tarde, pelas ruas centrais em direção à Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Passando pela 'Matriz da Vila' (Igreja central) os congadeiros e moçambiqueiros receberam as bênçãos, proferidas por Mons.Valmir Ribeiro, pároco da paróquia de Na. Sra. do Patrocínio do Santíssimo Sacramento. Na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, a religiosidade popular aflorou na saudação a São Benedito e à virgem do Rosário, na coroação com cânticos e danças.
Na praça em frente a Igreja, também a saudação às rainhas Lucimar dos Reis, de Sacramento, e Vânia Luceli Silva, rainha de Araxá, seguida do encerramento com a entrega de medalhas aos participantes e discursos de agradecimentos.
Presidente Cid: ‘‘As pessoas estão se conscientizando mais’’
Na avaliação do presidente do Terno de São Benedito, Delcides Tiago Filho (Cid) a festa foi ótima, dentro do esperado, embora houvesse uma certa preocupação por ser período de transição eleitoral.
“- Tivemos medo de que não viessem ternos das cidades vizinhas, mas graças a Deus, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, eles não nos deixaram na mão, recebemos dez ternos vindos de outras cidades, inclusive de Uberaba, que teve o segundo turno. Ficamos muito satisfeitos com a participação”, avaliou, destacando o aumento de ternos na cidade. “Hoje temos três ternos em Sacramento, isso mostra que o movimento está crescendo e que as pessoas estão se conscientizando mais sobre nosso movimento”.
De acordo com Cid, a festa deste ano foi também em homenagem a Alencar Araujo e ao seu filho, Tarciso. “Tio Alencar, como chamávamos, foi um dos fundadores do Terno de São Benedito e integrante assíduo da Congada. Meu filho, Tarciso, também um amante do Congado, nos acompanhava desde criança, ambos falecidos este ano, deixando um grande vazio nos nossos corações e nos nossos ternos”, lembrou, emocionado.
Para o pároco, é a ‘Manifestação da alma de um povo’
Monsenhor Valmir Ribeiro, grande incentivador e apoiador do Encontro, proferiu a bênção dos ternos na igreja mãe e seguiu para a igreja de Nossa Senhora do Rosário para receber os devotos, com uma saudação peculiar: “Dois 'irmão' quando encontra, arué! Pega na mão, pede a bênção, aruê!”
Frisou o pároco que essa manifestação da raça negra não é apenas uma representação cultural e folclórica. “Muitos olham para esta manifestação como uma festa folclórica ou coisa do gênero, mas eu entendo isso como manifestação da alma de um povo, a manifestação de sua resistência, o canto de seu sofrimento, mas também as batidas das vitórias. Então, essa é uma oportunidade que temos de aproximar da alma de um povo, entendermos aquilo que se passou. De olharmos para o passado, mas principalmente para o futuro, para que não aconteça novamente aquilo que vimos na história acontecer. Portanto, para mim, isso é muito mais que simplesmente folclore, mas a manifestação da alma de um povo”, afirmou.
Os cantos enchiam o largo da praça da Igreja do Rosário, com um grande público participando da chegada e apresentação dos ternos, entoando o seu canto que lembrava a escravidão. “No tempo do cativeiro / quando o senhor me batia,/ eu gritava por Nossa Senhora / quando a pancada doía”, dizia uma das canções. À entrada de cada terno, Mons. Valmir também lembrava as canções angolonas: “Que barulho é esse / que vem lá de longe / é moçambiqueiro / da mamãe do rosário/.
A missa que, tradicionalmente, encerrava o encontro, a partir deste ano cedeu lugar para uma manifestação de saudação a Nossa Senhora, através da dança e dos cantos dos moçambiqueiros, entrega de medalhas aos capitães e coroação de Na. Sra. do Rosário, padroeira da raça negra.
Mons. Valmir reconhece nos congados e moçambiques uma manifestação católica que, por um certo tempo, foi negligenciada pela própria Igreja. “Muitas vezes acusam os ternos de Congo e Moçambique de que eles não fazem parte da tradição católica, como se não fosse alguma manifestação ligada a nós e isso é uma inverdade, porque a invocação deles sempre foi de Deus e Nossa Senhora do Rosário, a quem eles chamam sempre de 'mamãe'. Então, pode haver misturas? Claro que pode. Pode haver desvios? Também pode. Vemos que são nítidas, nos cantos das invocações, a referência a Deus e a Nossa Senhora, mãe de Jesus. E quem afastou esse povo da igreja fomos nós. Assim, acho que é dever nosso trazer todos aqueles que estão envolvidos com essas manifestações, com essa tradição, de volta ao seio da igreja, para perto de nós”.
Os grupos se impõem como um movimento da cultura negra
Virgínia Dolabela de Lima, diretora da Fundação Cultural Ir. Maria Benigna de Jesus, que a cada ano acompanha desde a manhã toda a manifestação dos ternos e congados, avaliou de forma positiva tudo que foi realizado nesses últimos quatro anos.
“- Os grupos estão unidos, estruturados e realmente se impondo como um movimento da cultura negra. Vê-se o fortalecimento no sentido de eles estarem buscando de fato as raízes e houve a conscientização dessa necessidade. Nesse tempo como diretora da Fundação Cultural, buscamos fazer com que eles tenham o pertencimento, ou seja, que eles são os responsáveis pelo fortalecimento do movimento”, avaliou.
De acordo com Virgínia, houve um crescimento grande, embora ainda existam as dificuldades, principalmente a financeira. “Temos conversado muito sobre a formatação de projetos para buscar incentivos fora, para fortalecer mais e mais. Temos muitas crianças e jovens participando, capitães mirins e tudo isso mostra o fortalecimento”, destacou.
Virgínia vê o crescimento dos ternos, mas sente que a população não prestigia o quanto precisava. “Nossa população precisa prestigiar mais o evento, acompanhar mais de perto. Acredito até que falte um pouco de compreensão do significado da história desse movimento para Sacramento, porque este é um movimento que vem do Desemboque. Temos escritos que mostram o movimento regional na festa de Nossa Senhora do Rosário no Desemboque. A credito que falta a população compreender que a história é que, realmente, faz a base de nossa cultura e de nosso desenvolvimento”.