Florentino Antonio Mota, mais conhecido por Tino, nasceu nas barrancas do rio Grande, na região do Cipó, em 1932. Aos 15 anos, seguindo a profissão do pai, o chefe da estação, Antônio Florentino Mota, começou a trabalhar na Estação de Sacramento, mais conhecida por Estação do Cipó, devido a grande quantidade de cipós que despencavam da floresta no entorno da estação. Sempre maravilhado com o rincão natal, Seu Tino lá estava, no dia 12 de Outubro, para saudar a chegada de Nossa Senhora Aparecida, que descia o rio Grande desde a estação de Jaguara, a primeira depois do Cipó, na direção do estado de São Paulo. Aquele trecho e também na direção oeste, passando por Conquista, Engenheiro Lisboa, Areal, Peirópolis... ele conhecia a palmos de dedo. Ali, observando tudo, recordou com um repórter do ET aquele indelével tempo.
De telegrafista a Chefe da Estação
Meu pai Antônio Florentino Mota era o chefe da estação aqui, mas eu ficava na cidade pra estudar. Quando completei 15 anos voltei e entrei na Mogiana, vim trabalhar na estação e, a partir de então, minha vida foi um ir e vir de estação em estação até aposentar. Eu fiquei aqui no Cipó até 1954, quando fui removido para Cristais Paulista, onde nasceu meu filho, Tininho. A pedido de meu pai, que era chefe da estação aqui, voltei para o Cipó. Mas em 1957, quando ia retornar, fui nomeado chefe da estação em Uberlândia, depois fui para Gama, vim para a estação Tancredo França e só retornei para o Cipó em 1960, com chefe da estação. Aqui fiquei até 1962 e fui para Araminas, depois Restinga e Rifaina, quando já estavam construindo a barragem de Jaguara. De Rifaina fui para Engenheiro Lisboa, durante 26 dias, até encher o lago e aí fui para Brodowski. Quando rebaixaram a estação de Brodowski, fui para Jardinópolis, em 1974 até 1977, quando fui transferido para Passos, no Sul de Minas, onde aposentei. Aí mudei pra Ribeirão Preto, quando os meninos ingressaram na faculdade retornei a Sacramento. Trabalhei na Mogiana durante 30 anos sem perder um dia. A gente tinha que trabalhar doze horas por dia, mas fazíamos, 16, 18, 20 e não havia horas extras, não.
O telegrafista Tino
Seu Tino começou na Mogiana como telegrafista. “Eu fazia tudo, telegrama de serviço da movimentação do serviço, por exemploj, informava quantos vagões de café: vagão T, 400 sacas de café, 24 mil quilos, destino Porto de Santos. Remetente, Ferrúcio Bonatti ou Sílvio Crema e o destinatário. Eu mandava esses telegramas para Uberaba e de lá ia seguindo. E não era código Morse, não, era na escuta. As mensagens chegavam cifradas usando barras e pontos, digitadas usando os dois dedos indicadores. Diferente do código Morse, que só usava um dedo. Eu ouvia e ia transcrevendo a mensagem manuscritamente. Mas foi um tempo bom aquele, fiquei aqui até os 25 anos”.
Um dia de 1975 a estação encerra as atividades...
“Fecharam tudo em 1975, era um movimentão aqui, quatro a seis trens por dia, dois de passageiros, Uberaba a Campinas e vice-versa e os mistos, de Uberaba a Jaguara. A gente levantava às quatro da manhã e depois não tinha horário, era direto. Para Sacramento, por exemplo, nós nunca fechamos a estação, ficávamos 24 horas recebendo café, arroz e passando telegrama. Tudo vinha de jardineira, que fazia a linha daqui a Araxá e havia também o expressinho do Zé Martins. Um dia vinha o Domingos, no outro o Zé Martins e o Zé Velho transportava café, arroz, tudo de caminhão. Toda mercadoria chegava por aqui, era muita carga... A gasolina era transportada nos trens nuns tambores de ferro. O movimento era intenso, tanto de passageiros como de cargas”.
Acidentes de trens
Tino tem na lembrança várias outras passagens, algumas trágicas como dois acidentes nas composições. “Na primeira curva daqui da frente, sentido Conquista, tombou um vagão de passageiros, felizmente só uma senhora machucou, ela quebrou o braço. Agora, teve um outro acidente muito trágico, a locomotiva tombou perto do córrego dos Patos, a caldeira abriu e foi pra cima do foguista e do maquinista. O maquinista morreu na hora. Eu estava de folga em Sacramento e vi quando o foguista chegou na Santa Casa, mas também não resistiu. No começo era tudo a caldeira, depois começaram as primeiras locomotivas a diesel. Só que logo fecharam a estação. Foi uma pena”.
O tempo passava devagar
Tino trabalhou na estação do Cipó, num tempo em que o tempo passava devagar. “O trem saia daqui para Uberaba a 13h20 e chegava em Uberaba ás quatro cinco horas da tarde. Demorava demais. Era uma viagem. Essa subida de Conquista era puxada. E para os passageiros, a parada era rápida e logo apitava e partia para a próxima estação.Coisa de dois, três minutos. Em algumas estações, havia uma parada maior para o 'trem beber água', pra manter a caldeira sempre cheia, por isso havia a caixa dá água. O depósito das lenhas, conhecido como 'Chave de lenha' era na estação da Jaguara. A Mogiana comprava a madeira dos fazendeiros. O meu sogro, por exemplo, era um dos fornecedores e tudo vinha dos cerrados”, recorda, dando uma opinião sincera: “Achei um pecado as autoridades, prefeitos de Sacramento, Conquista, Franca, Cristais, Batatais, os deputados da região, ficarem todos calados. Não intervieram, não fizeram nada pra não tirar esse trecho. Não podiam ter deixado acabar”.
A beleza do vale do rio Grande
A beleza do lugar e a riqueza do rio também estão na memória de Tino. “Esse rio tinha peixe demais, vinha pescador de todo lado. O rio, nos meses de novembro, dezembro, enchia e vinha cá beirando a estação, uns 30 metros próximo da estação só. Enchia tudo, ele ficava muito mais largo e espalhava por aí a fora. A gente pescava muito aqui. Nós e os pescadores colocávamos anzóis de espera nas figueiras, uns três a quatro metros de linha e deixávamos lá, quando o dourado puxava o galho baixava, a gente ia ver e o peixe estava lá. Naquele tempo era permitido rede... Dava a impressão de que a água tremia de tanto peixe que havia... Pescávamos muito, mas soltávamos tudo, não havia outra diversão... Era bom demais. Éramos várias pessoas. O chefe, dois telegrafistas, escriturário, conferente e mais seis transportadores que faziam carga e descarga. E ainda tinha a turma da manutenção. Uma ficava ali onde são as terras do Paulo Rezende, hoje. Eles faziam o trecho Cipó-Jaguara. Daqui pra Conquista era outra turma e assim ia estrada a fora.
Voltar ao passado...
Para Tino, voltar ao local dá tristeza. “Sempre que volto aqui me dá tristeza por ver como ficou isso tudo. No município de Sacramento é difícil uma fazenda que possua uma casa como essa aqui, com essa estrutura. Veja a espessura dessas paredes... Deixaram acabar tudo aqui. Dá dó ver a situação do lugar. Isso aqui devia ter sido recuperado antes, aliás não devia nem ter fechado. Dizem que têm um projeto pra recuperar,vamos ver...”
Florentino Antônio Mota é casado com Maristela Bereta, pais de Eurípedes Florentino (Tininho), Maria Aparecida, Maria Abadia, Cândida, Beatriz e Marcelo, filhos que lhes deram 11 netos e seis bisnetos.