Mais uma das tradicionais lojas de Sacramento, a exemplo das 'Casas Pernambucanas'; 'O Mundo Elegante'; 'A Principal'... fecha as portas, a Stock Tecidos. Esses três últimos estabelecimentos tão populares, que eram muito mais conhecidos pelos nomes dos donos, como a Loja do João Name, a Loja do Pedro Jasmar e a Loja do Nilson, ou 'Nilson da Lojinha', como era conhecido por conta da loja do pai, 'Orlando da Lojinha'. O ET presta nesta edição a sua homenagem, na pessoa do Nilson Silva, a todos esses bravos comerciantes que, movimentando o comércio local, participaram do progresso e do desenvolvimento da cidade. Veja a história da 'Loja do Nilson'.
O início...
A história de vida de Nilson Silva se confunde com a história de comerciante, primeiro com o pai, Orlando Augusto da Silva (Euripedina Maria da Silva), o Orlando da Lojinha, de saudosa memória e, mais tarde, na Stock Tecidos. Ou seja, Nilson passou a maior parte de sua vida, 42 dos seus 55 anos, trabalhando no comércio. “Papai me colocou na loja pra valer, em julho de 1968, quando Edson Santana saiu da Loja. Eu estudava na época a 1ª série ginasial (5ª série, hoje, 6º ano). O papai me passou para estudar à noite e me pôs pra suprir a vaga do Edson. Eu era menino, moleque de tudo, tinha 12 anos. E como eu acordava cedo, chegava na loja de manhãzinha e trabalhava até seis, seis e meia da tarde, quando eu ia estudar na escola, à noite, eu só dormia. Não deu outra. Fui reprovado naquele ano. Mas fomos tocando em frente, até separarmos a loja em 28 julho de 2001.
Sozinho e sem dinheiro
O novo empreendimento de Nilson, o primeiro sozinho, iniciou em 2001, mas apesar de toda a experiência, ele mesmo reconhece que não foi um começo fácil. “Quando separamos a loja, papai e eu fizemos o balanço do estoque, dividindo tudo em seis partes. Papai me deu duas partes e mudou com quatro partes para a o prédio que construiu na av. Antônio Carlos. Aí, comecei aqui sozinho, sem dinheiro e sem estoque. Como o cômodo era grande, o pouco estoque sumiu nas prateleiras, que ficaram praticamente vazias. O interessante é que nesse 28 de julho, já com o estoque bastante reduzido pra fechar, um dia cheguei aqui de manhã, olhei as prateleira e voltei há dez anos atrás, quando comecei a loja sozinho...”
Por que Stock Tecidos
O nome da loja, conta Nilson, nasceu de uma escolha do filho Augusto, durante um almoço de família. “Recordo bem que meu contador, o Itair, ficava me pressionando pra definir o nome da firma, porque havia prazos a cumprir. Só que não havia um nome. Não chegávamos a um consenso e um dia, estávamos almoçando, o Augusto olhou para o freezer e leu, Stock Freezer e na hora ele falou: 'Vamos pôr o nome de Stock Tecidos'. E ficou esse o nome, saído do freezer de casa, que no português se traduz como 'estoque'. Tudo a ver, não?
As grandes e
tradicionais marcas
Loja nova, nome novo, mas a Stock Tecidos continuou com o mesmo tipo de mercadorias d'A Lojinha, do pai. “Continuamos com as mesmas mercadorias, a mesma linha, o mesmo sistema de trabalho que aprendi com papai, especialmente o tratamento com o cliente. Não diversifiquei nada, continuei com cama, mesa e banho, meias e lenços, tecidos e armarinhos, algumas roupas prontas...”. Nilson destacou uma linha tradicional de grandes marcas, característica da antiga, A Lojinha. “O diferencial da Stock Tecidos foram também as grandes marcas só encontradas, até então, na loja de papai e na Stock. Tínhamos os chapéus das marcas Prada, Ramenzoni, as marcas Lupo, Zorba, Artex, Lepter, Morisco, Du Loren, todas marcas de primeira linha e famosas no país, algumas até desaparecidas. Ficaram poucas marcas no mercado, a Pralana (antiga Prada), a Panamá, além de algumas no sul do país”.
O tempo muda tudo
Poucos anos e muitas mudanças. O mundo nunca se transformou tanto como nos últimos anos. No seu campo de trabalho, além das grandes lojas de departamentos, Nilson vivenciou muitas delas. As confecções tomando lugar dos tecidos, sem falar da concorrência. “Os tecidos, que eram o carro chefe da Stock Tecidos, o nome indica, cederam lugar para as confecções, especialmente nos últimos anos. Hoje, praticamente não se vende tecido mais. É um ou outro para um terno, uma roupa de festa que não se encontra nas boutiques. Acompanhando essa fase, fomos também introduzindo confecções na loja e parando com tecidos. Agora, mais no final, só havia tecido para calças para atender àquelas pessoas que gostam das calças tradicionais com o bolsinho pra relógio, bolso atrás, bolso na frente. Isso a gente ainda vendia bem. Por isso, a loja não deixou de ter a tradição... Outra mudança substancial, esta fora do estoque, e o que mudou, na realidade, no comércio local, foi a quantidade de lojas que abriram nesse período. Hoje, a concorrência é muito grande, fora as pessoas que vêm de outras cidades pra vender de porta em porta nos bairros”.
Tudo decidido há 10 anos...
A Stock Tecidos fechou as portas no dia 31 de julho, três dias após completar 10 anos e não foi uma decisão repentina, explica Nilson. “A decisão de fechar nessa data, não foi uma decisão recente. Foi uma decisão tomada exatamente no dia em que abrimos a loja aqui em 2001. O Gustavo estava cursando o Colegial no Colégio Rousseau e o Augusto o primeiro ano de Farmácia. Reunimo-nos em casa num domingo e eu disse que o objetivo da loja seria formar os dois, uma data que coincidiria com a aposentadoria de minha esposa Meire e a minha própria. Com os dois formados, encaminhados profissionalmente, nós fecharíamos a loja. Foi uma decisão tomada em família há dez anos. Neste dia encerraria as atividades, independente do que estivesse ocorrendo no momento. Só que eu nunca imaginei que o Augusto estaria com uma farmácia em Sacramento. A Farmácia Bio Fórmula, que funciona aqui do lado, anexa à loja. Assim, estamos fechando a loja Stock Tecidos, hoje, com um objetivo a mais, transferir para este amplo espaço, a farmácia de Augusto. Brevemente, a Bio Fórmula estará funcionando aqui na esquina, propiciando aos seus clientes e a Sacramento, muito mais opções e comodidade na área farmacêutica.
43 anos sem férias
A têmpera trabalhadora, Nilson herdou do pai Orlando. Dias, semanas, meses e anos se sucederam numa faina incansável. Ele recorda assim essa lida diária. “Foram 43 anos sem férias. A Mary, eu e os meninos nunca tivemos férias. Quando nos casamos, em 10 de maio de 1980, estávamos na Pousada do Rio Quente, e, dois dias depois, no dia 12, papai teve um AVC, ligaram e tivemos que voltar. Papai demorou pra se recuperar e foi só trabalho. Logo vieram os filhos e o interessante é que tudo o que eu e Meire fizemos investimos nos filhos e hoje temos a recompensa, o Augusto é farmacêutico, morando e trabalhando aqui conosco, e o Gustavo, engenheiro mecânico na Transpetro, no litoral brasileiro, trabalha com navios petroleiros. Então, tudo valeu a pena!
Nilson muito aprendeu
e muito ensinou
Nesses 43 anos, 33 junto do pai, Nilson muito aprendeu com o maestro Orlando, mas aquilo que herdou muito também ensinou, não só n'A Lojinha como na Stock Tecidos. “Isso foi muito gratificante, porque, quando eu já dirigia a loja – claro, sempre com papai na retaguarda, pois a última palavra era dele – eu comandava os funcionários passando-lhes todos aqueles ensinamentos, com um respeito e um relacionamento, toda a vida, muito bom. Aqui na Stock foram vários funcionários, boas pessoas, que deram bons profissionais , destaco o Jaime, aposentado do Banco Nacional; José Antônio Alves da Silva, hoje aposentado do Banco do Brasil; Cristiane, Keila, exímias profissionais. Enfim, foram muitas pessoas e acredito que as lojas foram escolas formando bons funcionários, boas pessoas, bons chefes de família, boas mães. Era interessante que, naqueles primeiros tempos, não havia calculadora. Então, quando o funcionário era admitido, a primeira coisa que papai exigia era que soubesse a tabuada. E ensinávamos. Papai e eu tomávamos a tabuada dos funcionários, porque isso era o essencial pra multiplicar, somar, subtrair... Hoje a gente dá risada ao lembrar disso.”
Mary, a companheira
de todas as horas...
Ao lado de Nilson a força da mulher, sempre presente, apoiando, ajudando, inclusive na loja. Foi assim o papel da esposa Meire ao lado de Nilson e ninguém reconhece mais esse trabalho do que ele próprio. “Mary foi também uma companheira incansável durante todo esse tempo. Nos últimos dez anos, esteve comigo diariamente na Stock Tecidos. Compreendeu e aceitou o difícil momento que atravessamos no começo. Nós, com dois filhos, um na faculdade e outro prestes a entrar e eu sem dinheiro. Imagine, você começar um negócio com fortes concorrentes, um deles, o papai, não era fácil. E Mary ali junto. Ela disponibilizou o salário dela e juntos aceitamos o desafio e fomos superando as dificuldades. No contra turno da escola, ela ia pra loja, nos revezávamos e sempre foi ali, firme comigo, nunca abriu mão. Hoje, eu só tenho a agradecer por tudo, pela sua compreensão, dedicação. Devo muito à Meire...”.
As dificuldades do comércio hoje...
Voltando à concorrência, Nilson esclarece que sempre foi muito saudável, sobretudo com o pai, que permaneceu com a mesma linha de estoque. “Era uma concorrência saudável, e com papai, principalmente. Às vezes, ele não tinha uma mercadoria, mandava as pessoas virem aqui e vice-versa”. Em relação ao comércio de modo geral, a relação foi também sempre saudável. O que lamento, nesse final da atividade, está nas dificuldades com a carga tributária. Hoje está muito difícil, muitos impostos, a receita vem fechando o cerco em cima das empresas. Sempre primei por essa responsabilidade para com o fisco, recolhendo todos os impostos, mas reconheço que é uma carga pesada. E o correto é mesmo recolher os impostos, tudo certinho, pra ficar tranqüilo. E vejo que os encargos são muito mais altos que há dez anos atrás e isso repercute no bolso do consumidor. Fosse uma carga de impostos menor, o comércio poderia empregar mais, a mercadoria giraria mais ”.
O Nilson fora da loja
Ao longo desses 43 anos, Nilson se confessa um tanto solitário em relação a uma participação mais eficiente junto a entidades, instituições, enfim, à vida social da cidade. Mas tem três paixões, o círculo de amizade que arregimentou ao longo desse tempo, a banda Lira do Borá, onde chegou a tocar sax e a política, uma militância sem muito comprometimento direto. “Aqui na loja, graças ao bom relacionamento com todos nossos clientes, formei um grande círculo de amigos. A amizade é sempre um grande tesouro para o homem. Fiz parte da diretoria da Acipss, e também da Banda Lira do Borá, onde exerci o meu grande hobby, no tempo do maestro Edin Neves, mas saí no momento em que separamos a loja. Não havia mais tempo para ir aos ensaios, às apresentações. Esse era o meu grande hobby.
O 'Senadinho' do Nilson
Quanto à política, a paixão passou... Nilson sempre militou, mas nunca concorreu a cargo eletivo. E hoje está decidido, não participa mais de política. “Estou atendendo a um pedido do papai e, em segundo lugar, um pedido da minha família. Desfiliei-me do partido e hoje só converso sobre política. Definitivamente, estou fora da política. Agora quero tranqüilidade”. Mas a esquina das avenidas Vigário Paixão e Capitão Borges, bem em frente à sua loja, foi marcado na última década como ponto de encontro de políticos e amantes da política, era o chamado Senadinho do Nilson. Nas manhãs de sábado lá se juntavam os 'parlamentares' a falar da política sacramentana, da terra 'do' Sacramento, daquele lugar que um dia, Carolina Maria de Jesus, traduziu assim para o então estudante José Alberto, no início dos anos 60, ao buscar um autógrafo no livro que comprara: “Como vai aquele 'pão sem fermento' ?”.
Agora é curtir a aposentadoria...
“Agora quero tranquilidade”, reafirmou Nilson. “Meu projeto agora é passar a Bio Fórmula pra cá, estabelecer o Augusto aqui na frente, entrar com várias linhas de produtos. Não há data ainda, mas virão mudanças. Estou fazendo com Augusto aquilo que o papai fez para mim: dar possibilidade de trabalhar, de crescer”, ressaltou, se despedindo com um sincero agradecimento, no último dia em que abriu a loja. “Para mim, agora, só resta agradecer a Deus pelo dom da vida, a saúde, a força para trabalhar. Agradecer muito ao papai, que foi o início disso tudo. Agradecer aos clientes, muitos deles tradicionais. Agradecer aos comerciantes de Sacramento. Agradecer à Mary, agradecer a todos, de coração. Muito obrigado!”
A mensagem de Mary...
“Nilson foi uma pessoa que viveu para família. Viveu para mim e os filhos, sempre os quis ver crescer e serem bem sucedidos. Ele está realizado e eu me sinto realizada também. Nilson teve um pai excelente e sempre foi um grande pai também, um grande marido. Sou grata por tudo e fico feliz com a felicidade dele”, diz emocionada e acrescenta: “Agora vamos poder viajar, curtir a vida”.
É Nilson, você pode tomar o seu sax e cantar a partir de agora os versos de Almir Sater e Renato Teixeira: “Ando devagar / Porque já tive pressa / E levo esse sorriso / Porque já chorei demais / Hoje me sinto mais forte, / Mais feliz, quem sabe / Só levo a certeza / De que muito pouco sei, / Ou nada sei / (...) / Cada um de nós compõe a sua historia / Cada ser em si / Carrega o dom de ser capaz / E ser feliz...” Parabéns!