Antônio Florêncio completou 95 anos no sábado, 16, e comemorou a data rodeado pelos filhos Andrelina (Gilberto), Creusa (Corban) e Nelcíria, netos e bisnetos, sobrinhos, amigos e a irmã caçula, Agripina, 76.
Os cabelos brancos como flocos de algodão, o andar curvado, porém lépido e uma memória prodigiosa. Uma bênção de Deus.
“- Esses 95 anos são com a ajuda de Deus. Tive muitos colegas, conhecidos, muita gente eu conheci, mas vi uma geração inteira ir embora. A geração de quando eu nasci, os que encontrei todos já se foram. Pai, mãe, mulher, duas filhas, amigos, todos já se foram... Uma vida bem vivida é cheia de experiência...”, define cheio de uma simpatia tão peculiar aos anciãos ricos em histórias pra contar. E ele não poupou 'causos' de sua vida durante a visita feita por repórteres do ET.
As origens
Nasci na zona rural, na região da Ibituruna no dia 16 de julho de 1916, filho do segundo casamento de João Antonio Florêncio com a Maria Madalena. Do primeiro casamento, meu pai ficou viúvo, morreram devido a gripe espanhola, a mulher e seis filhos. Naquele tempo, ele veio ao antigo Cemitério, abriu as covas e enterrou. E ele ficou com quatro filhos. As coisas eram complicadas naquele tempo.
Dívida de 4 contos de reis
Papai era de uma envergadura invejável. Pegou os quatro filhos, deixou 'eles' com uma irmã dele, na Cachoeira, e foi trabalhar pra pagar quatro contos de reis que tinha ficado devendo. Depois casou com a mamãe, Maria Madalena, e teve mais seis filhos. Vivos, hoje, só eu, o mais velho e a Agripina, a caçula. Os outros, José, Francisca, Maria Messias, Adolfo e Agostinho todos faleceram. Papai faleceu em 1944.
Infância e adolescência
Foi toda na região onde nasci. Estudei no Centro Espírita de Santa Maria, com o professor Bráulio Alves da Silva. Mas estudei pouco, só três anos. Eu era bom na matemática. O professor falou pro papai me mandar pra um colégio, mas como? Logo fui carrear, capinar, cultivar a terra, moer cana. Fiquei rapaz e, em 1937, me casei com a Geralda, filha do Chico Cassimiro. Nosso casamento foi lá na Guaxima, a capital (risos). Dois anos depois vim pra cidade.
A revolução de 30
Vivi o tempo, mas não vivi o conflito. Antes da grande guerra teve a revolução de 30 e a de 32. Com a Revolução de 32, o Getúlio entrou no poder e acabou ficando 15 anos, mas ele foi bom. Foi ele quem abriu a assistência social para o trabalhador, foi o primeiro a se preocupar com o povo. Antes da lei dele, a gente não tinha hora pra trabalhar, era enquanto enxergasse, pra ganhar nada. Mas apesar de pouco, o dinheiro tinha valor. Depois o dinheiro perdeu o valor, foi tanto plano de dinheiro nesses últimos anos que a gente perdeu a conta e cada vez o dinheiro vale menos. Não sei o que vai acontecer.
As mulheres de sua vida
Do casamento com Geralda, nasceram as filhas Geraldina (falecida), Creusa (Corban), Andrelina (Gilberto), Nelcíria e Lívia (falecida). Mas a vida não era fácil, não foi fácil. Tive seis mulheres na minha vida, a Geralda e as cinco filhas. Fiz de tudo para dar a elas uma vida digna. Logo que viemos pra cidade, trabalhei de servente de pedreiro com Ferrúcio Bonatti e um outro italiano pedreiro, chamado Jácomo Pavanelli.
A 2ª guerra mundial
A grande guerra começou em 39, logo no ano que cheguei da roça com a família. Ficamos aqui na cidade até 1944, ano em que meu pai morreu. Era o tempo da guerra, as coisas eram difíceis. Era uma carestia muito grande. Havia um tal de câmbio negro... O Dr. Juca era o prefeito e havia um tal Dudé, funcionário da Prefeitura. O Dr. Juca dava açúcar pra ele repartir com o povo e o Dudé vendia o açúcar pra Araxá. Eh cara safado, o Dudé! (risos).
A paixão pela política
Política foi sempre uma paixão na minha vida. Embora nunca tenha sido candidato, fui partidário, cabo eleitoral, conquistava muitos eleitores, mas nunca ganhei um tostão por isso, fazia porque gostava. Elegemos o José Sebastião e derrubamos o Juca Ribeiro, que tinha ficado enraizado aqui e queria voltar. Mas ele era igual a jatobá, árvore de lei, não foi fácil derrubá-lo. Nunca fui candidato, mas sou filiado até hoje, antes era da UDN, fundada na cidade em 1952, e depois, no MDB, hoje PMDB. E até hoje sou do partido.
Uma vida de trabalho
Terminei meus dias de trabalho na Prefeitura. Mas antes, trabalhei malhando ferro com o Augusto Lima, trabalhei no balcão com o Tim-Tim, fazia doce e vendia, eu me virava. Fui também mascate, vendedor de açúcar, puxei leite pro Laticínios Scala. Só havia um dia no ano que não pegava leite: sexta-feira da paixão. Aí fui pra Prefeitura, no governo do Hugo (Hugo Rodrigues da Cunha, grifo nosso), mas só fui registrado no governo do José Alberto (José Alberto Bernardes Borges , grifo nosso). O Júlio Jerônimo foi quem fez a minha carteira. Era menino quando fez minha carteira. Com o José Sebastião eu era braçal, já com o José Alberto eu era motorista profissional, tinha carteira C. Eu lembro direitinho quando começou o café para os trabalhadores da prefeitura, foi no tempo do José Alberto, mas quem pediu o café foi esse aí (apontando para Walmor). Ele era vereador e fez todo o projeto do café da manhã pra nós. Trabalhei na prefeitura até 1981, quando me aposentei.
Maçonaria
Em 1984 recebi o Diploma de Honra da Loja Maçônica General Sodré, que ajudei a fundar em Sacramento no início dos anos 50, com Édio Vilela, Herculano Almeida, Hermínio Pícolo, e tantos outros.
As lições de vida
Já vi coisa que ninguém imagina, ensinei e aprendi muita coisa nessa vida. Mas eu nunca pensei que fosse ver organização armada, colocando bomba nesses caixas de bancos. Mas, sabe o que é isso? É porque faltam exemplos. Os chefes políticos não dão exemplo, eles também roubam, embolsam o dinheiro. E a justiça fica aí: é indício, é indício. E ninguém prova nada. A bendita da lei não funciona. O cara renuncia e depois volta, porque os eleitores votam a troco de 50 mil reis. Eu já vi gente votando em troca de par de botina, um pé antes da eleição e, se ganhasse, podia buscar o outro pé. Já vi gente votando em troca de enxada. Chego a pensar que esses que roubam banco têm ligação com os lá de cima, porque roubam e não vão pra cadeia. Ninguém acha, fica por isso mesmo. Nunca pensei que fosse ver isso... Não sei o que mais ainda vou ver...
Fazer 95 anos...
Isso só acontece com a ajuda de Deus. Tive muitos colegas, conhecidos, muita gente, mas vi uma geração inteira ir embora. A geração de quando eu nasci, os que encontrei todos já se foram. Uma vida bem vivida é cheia de experiência...