O empresário Ivan Sebastião Barbosa Afonso, acompanhado por um grupo de 50 cavaleiros de Sacramento, Rifaina e Pedregulho, pede ao prefeito Wesley De Santi de Melo e ao presidente da Câmara, Prof. Carlos Alberto Cerchi, a recuperação do conjunto ferroviário de Jaguara e da ponte ferroviária sobre o rio Grande.
O pedido formal aconteceu no sábado, 11, durante a III Cavalgada do Parque Náutico de Jaguara, quando os cavaleiros e convidados se reuniram sob a frondosa figueira, defronte à casa 15, pra ouvir a justificativa do empresário e a entrega do documento ao secretário de Cultura e Turismo, Amir Salomão Jacob, representando o prefeito, e ao presidente da Câmara, na presença do representante do Ministério Público e Curador do Meio Ambiente, promotor José do Egyto de Castro Souza.
Na solenidade de entrega, ao ler o documento, Ivan afirma: “É do conhecimento de todos nós, o empenho da Administração na recuperação do Patrimônio Histórico do município, notadamente do Desemboque e da Estação Ferroviária do Cipó. Não deixando de reconhecer a importância das obras referidas, no instante em que companheiros de toda a região, se integram na III Cavalgada do Parque Náutico de Jaguara e se acham defronte à Estação Ferroviária da Mogiana, em Jaguara, não poderíamos deixar de, emocionados, levar a V. Exª. o pleito de toda a região, no sentido de, juntamente com a Câmara Municipal, liderar os esforços objetivando alcançar a recuperação do conjunto ferroviário de Jaguara e da ponte ferroviária sobre o rio Grande.
José Humberto Cirino, nascido na fazenda Santo Antônio, de Adolfo Borges, próxima e usuário da maria-fumaça nos tempos de criança, visivelmente emocionado, falou de sua expectativa em relação à viabilidade de recuperação do conjunto arquitetônico e apresentou a todos a carteirinha de passe, de quando usou Mogiana para estudar em Rifaina.
Os testemunhos de José Humberto, Alzídio e Donizete
José Humberto Cirino, Alzídio Afonso Tavares e Aparecido Donizete Moura. O primeiro nascido na beira dos trilhos (Fazenda Santo Antônio) e usuário da Maria-fumaça; o segundo, funcionário de linha 62, da estação de Jaguara à Estação do Cipó, ambos acompanharam a solenidade e buscaram reviver o tempo entre os anos de 1960 a 1977, quando a via foi totalmente desativada. E Donizete morador da Estação há 41 anos.
“Morávamos na fazenda aqui perto e embarcávamos no trem aqui, todos os dias, para irmos estudar em Rifaina. Ainda tenho a carteirinha de passe escolar da Mogiana, guardo até hoje esse documento daquela época e vejo que tudo está acabando, muita coisa já acabou”, mostra José Humberto.
Com muita expectativa em rever o patrimônio recuperado, Humberto conta passagens de sua presença na histórica estação. “Estou com muita esperança de que essa recuperação aconteça, porque vivi minha infância aqui, ainda estou ligado a isso aqui. Sempre que posso volto para rever o lugar e é triste ver as telhas caindo, tudo sendo destruído. Essas casas todas eram habitadas”, recorda.
“Ali (mostrando a primeira casa à direita de quem entra) morava a dona Geralda Ribeiro, ela era costureira, fazia os nossos uniformes da escola, fazia roupas pra todo mundo aqui. Ao lado da casa da dona Geralda, morava o seu Sebastião e ali, (apontandopara a última casa à direita de quem entra) morava o feitor. Vejam, a casa é bem maior. Ele era quem acompanhava os trabalhadores da linha 61. Desse lado moravam o seu João e o Toninho (mostrando o primeiro barraco à esquerda). Todas as casas aqui eram habitadas, moravam os funcionários da Mogiana. Naquela época, a Mogiana era uma empresa de primeiro mundo. Eles tinham tudo, não sei como acabou...”, lamenta José Humberto.
Alzídio Afonso Tavares trabalhou na linha 62, que começa logo após a estação de Jaguara, até próximo à estação do Cipó. “Lá na estação do Cipó começava a linha 63, que ia até próximo à estação de Conquista e, assim, ia pelo caminho a fora, de trecho em trecho havia uma turma de cinco homens”, conta e de fato, inscrição na parede de uma das casas, dá conta de que a “linha 61: km 494 ao 503 mais 244 metros” e, José Humberto emenda. “Por isso é que eu digo que empresa era de primeiro mundo”.
E descrevendo o seu trabalho na ferrovia, Alzídio diz que sua turma morava na fazenda que hoje é de Paulo Rezende. “Lá ficavam as casas do pessoal que trabalhava na linha. Nós fazíamos a manutenção da estrada, trocar trilhos, dormentes, arrumar as chaves, fazer aceiro ao redor dos trilhos e da cerca pra não pegar fogo. Éramos quatro funcionários e o feitor, andávamos de trole (tablado de madeira montado em rodas, o qual os operários da estrada de ferro impelem sobre os trilhos, com auxílio de varas) prá lá, pra cá”, conta.
‘Daqui não saio, daqui ninguém me tira’
Hoje, apenas Aparecido Donizete Moura, 46, mora na estação. “Moro aqui há 41 anos. tenho os talões de energia todos guardados. Papai era pescador. Era o Dário Moura, Dário Pescador. Quando chegamos aqui, todas essas casas tinham gente morando, mas um dia foram embora’’, conta.
‘‘O Zé Branco, um empresário de Ribeirão, chegou dizendo que havia comprado aqui e mandou todo mundo sair. Quando chegou no meu pai ele embirrou e falou: 'Daqui não saio, não saio'. O Zé Branco botou as coisas de todo mundo pra fora, mas papai não saiu. Papai morreu e eu continuei aqui. Tomo conta de um rancho e faço alguma por aqui mesmo, porque hoje pra pescar está difícil”, diz, mostrando fotos do local, datadas de 1944'', diz mais.
Donizete fala inda de uma construção nova em relação ao restante do conjunto. “No local, funcionava durante muitos anos um bar. Ali era a máquina de beneficiar, armazém, mas estava tudo desmoronado, aí meu pai construiu um bar ali, mas ainda tem uma parede antiga lá. Meu pai tocou o bar um ano, depois adoeceu e logo morreu. A vida dele era aqui”, diz, mostrando fotos antigas de pescadores com peixes de grande porte, segundo o registro no verso, um jaú com 103 quilos, e também fotos do mapa da vila da Estação.
A preocupação de boa parte dos visitantes da estação é com as figueiras que crescem com uma rapidez incrível e as raízes estão atingindo os prédios. De acordo com Donizete, a figueira do centro, que surpreende pelo tamanho tem 32 anos. “Essa figueira deve ter de 30 a 32 anos. Eu era pequeno quando ela começou crescer aqui. Ela é patrimônio da estação, já é uma árvore histórica”.
A Estação de Jaguara
A linha do Rio Grande, da Fepasa – Ferrovia Paulista S.A, inaugurada em seu primeiro trecho em 1886, em dois anos (1888), já chegava a Rifaina, onde cruzava o rio Grande e mudava o nome para Linha do Catalão, chegando a Uberaba em 1889.
Em 1970, as duas linhas foram seccionadas, com a construção da barragem de Jaguara. O trecho a partir de Pedregulho foi extinto, e logo depois, o trecho a partir de Franca também. Em 1977, os trens de passageiros deixaram de circular, e em 1980, passou o último trem de carga. Em 1988, seus trilhos foram arrancados.
Algumas características da estação ainda podem ser observadas: o piso (ladrilhos) originais, a pintura original, a escada de madeira, que leva ao segundo piso da estação, onde ficava o telégrafo, os guichês, as portas, colunas de ferro que sustentam a varanda da área de embarque e desembarque, dentre outras. Além da estrutura em alvenaria, mas todo o conjunte urge de manutenção e zelo.
Município poderia ter comprado Estação
De acordo com o presidente da Câmara, Carlos Alberto Cerchi, o município poderia ser o dono do patrimônio, não fosse o ex-prefeito Nobuhiro Karashima (Biro) que não quis comprar a estação, segundo o vereador “a preço de banana”. “Quando o patrimônio foi colocado à venda, eles estavam vendendo a 'preço de banana'. Estive na Fepasa e negociamos a compra da estação de Jaguara, a ponte e a estação do Cipó, por R$ 48 mil. O prefeito Biro não se interessou, o Zé Branco, de Ribeirão Preto foi e comprou”, lembra.
Para o vereador, a intervenção hoje seria muito mais fácil, menos complicada e menos onerosa se o patrimônio estivesse nas mãos da Prefeitura, lembrando que até as peças históricas da Estação da Mogiana, o empresário estava retirando para vender, até que foi interditado pelo promotor de Sacramento.
“- O Zé Brranco, com a interdição, não pode mexer, mas dá trabalho, porque é propriedade privada. Quando foi interditado, nós chegamos aqui e eles estavam cortando os últimos trilhos. A caixa d´água de ferro fundido estava sobre o caminhão pra ir embora. Chegamos bem a tempo de impedir que tudo fosse levado e o doutor José do Egyto, que é protagonista do processo mantém intacto isso aqui”, informa.
Sobre a iniciativa do empresário Ivan Barbosa, afirma que vai empenhar-se com a Câmara no sentido de revitalizar o local. “Vejo com alegria que pessoas como Ivan demonstre esse interesse de resgate. No que depender da Câmara, tenho absoluta certeza de que ele receberá todo apoio necessário”, afirma.
O promotor José do Egyto também vê com bons olhos a iniciativa do empresário. “Toda iniciativa que parte do povo é louvável e tem uma grande perspectiva de dar certo e esperamos que dê, porque aqui é um local que tem uma história a ser resgatada e para ser resgatada, precisa ser reconstruída. O povo de Sacramento, as autoridades, os políticos precisam trabalhar juntos para que este resgate seja efetivamente realizado”, afirma. Ao ser questionado sobre o papel do Ministério Público diz, categórico: “O Ministério Público apóia incondicionalmente toda iniciativa de preservação de patrimônios”.