A cada apresentação da Banda Lira do Borá os músicos são aplaudidos. O público delira com as belas páginas musicais executadas. Cumprimentos e elogios não faltam. Mas o que ninguém sabe é que são precárias as condições de trabalho do maestro Major Paulo Constâncio da Silva, 64, dos músicos e alunos numa acanhada acomodação na Casa da Cultura, cujo acesso deve passar por uma escada de 20 degraus. Ali, os 19 músicos, os alunos e os integrantes do Coral Edin Neves se espremem no acanhado espaço, cujo sol, à tarde, é insuportável.
“Aqui é assim: pra chegar na lousa para as aulas teóricas, tenho que tirar os instrumentos. Para o pessoal ensaiar, temos que encostar os instrumentos debaixo do quadro. Aqui tem que ensaiar 19 integrantes com instrumento e estante para partitura. O dia em que comparecem todos, temos que ir lá pra fora, porque não cabe. Mas lá fora é escuro. Aí vamos para o palco. Ficamos mudando...”, diz, tolerante, o maestro.
O lugar é, na verdade, um inferninho, de tão quente, constataram os repórteres que estiveram conhecendo a sala. Por um largo vitrô basculante entra pouco ar e muito sol. A cortina – segundo o maestro – foi presente da mãe de uma aluna. “Os alunos da tarde sofrem com o sol e o calor”, explica o maestro, mostrando os instrumentos amontoados, a lousa escorada na parede em meio a instrumentos, porque precisa de espaço para os alunos.
Vida dedicada à música
Major Paulo, oficial da reserva da PMMG desde 1995, sempre foi músico na Polícia. Maestro por 20 anos da banda do 4ºBPM/Uberaba, maestro da banda do 5º BPM e membro da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Os postos foram sendo Galgados graças ao seu esforço, cursos feitos e aprovação em concurso. Chegou à antepenútima patente do oficialato.
Além disso, durante 23 anos, Major Paulo lecionou no Conservatório Renato Fratesqui, em Uberaba. “Só não me efetivei no Conservatório, por conta do acúmulo de cargo. Aposentei em 1995 com 31 anos e 53 dias de serviços. Entre 1995 a 1999 fundei três bandas de música, a pedido dos prefeitos de Conceição das Alagoas, Estrela do Sul e Romaria. Em 2000, com a morte do maestro Edin Neves, fui convidado para vir pra Sacramento e estou até hoje”, explica.
Há dez anos, o maestro Major Paulo Constâncio da Silva é responsável pela regência da Banda Lira do Borá e do Coral Edim Neves e há cinco anos ministra aulas aos alunos da Banda Mirim João Magnabosco, no Educandário do Santíssimo Redentor.
A paixão pela música e por bandas
De acordo com o maestro, a sua paixão pela música nasceu meio que por acaso ou porque alguém acreditou nele. “Eu nasci em Ituverava e quando eu tinha 12 anos, trabalhava numa tinturaria. Lavava e passava roupas. E toda segunda-feira eu passava nas ruas, recolhendo roupas para a lavanderia. E eu ia assobiando as músicas que a banda tinha tocado na retreta, no domingo, e que eu não perdia. Eu passava na porta da casa do maestro Antônio Salvino Filho, que meu ouviu assoviar e me convidou. Aí eu disse que teria que pedir meu pai, se ele deixasse eu iria. E fui. Comecei com o Sax horn, um instrumento de acompanhamento e aprendi na maior rapidez. Com 17 anos, em 1963, passei na prova da Ordem dos Músicos do Brasil e recebi a carteira de músico do gênero erudita e popular instrumentista.
A paixão de major Paulo é o saxofone, mas toca todos os instrumentos, inclusive a flauta. “Fui também requintista (Requinta, instrumento de sopro da família dos clarinetes. É um instrumento transpositor em Mi Bemol), da banda do batalhão por 13 anos. mas a minha paixão mesmo é o sax. Tenho em casa seis saxofones”.
Prioridade cultural do município
Para o maestro Paulo Constâncio, a Banda deve ser uma das prioridades culturais de qualquer cidade. Cita por exemplo várias cidades da região, até menores do que Sacramento, com sua Banda de Música e uma casa própria para ensaios e estudo. O
ET pesquisou e de fato anotou alguns locais construídos ou adaptados para as bandas. Em Araxá, por exemplo, os músicos têm um grande espaço na antiga estação de trem. Monte Carmelo, também, na antiga estação da Rede Mineira. Romaria (Água Suja), que é uma cidade que tem menos de quatro mil habitantes, a banda de música, com pouco mais de dez anos, tem sede própria, assim como em Conceição das Alagoas.
Banda de música educa, embeleza a cidade, as festas. Banda de música é arte, é cultura, mas em Sacramento, parece que não é prioridade. Não é a primeira reportagem que fazemos, chamando atenção para a Banda Lira do Borá, que funciona através da Associação Musical de Sacramento, com uma diretoria, cujo diretor Presidente, Prof. Didi, não combina com o secretário de Cultura, Amir Salomão Jacób. “Ele não gosta de mim, nem eu dele”, confirma Didi.
O maestro e os músicos não querem nem saber dessas picuinhas. “Precisamos de incentivo, o aluno quer incentivo, quer mostrar o seu trabalho, quer um local apropriado, ele gosta que as pessoas o vejam tocando. Mas aqui é difícil, quando chega alguém aqui ficamos com vergonha desse amontoado de coisas”, diz mais.
Coral 'Edim Neves' também sofre
O Coral 'Edim Neves', fundado há 15 anos, é composto por pessoas de várias idades, com predominância do pessoal mais adulto, mas todos enfrentam os mesmos problemas todas as terças-feiras: o calor nas noites muito quentes e as escadas para chegar à sala. “Temos algumas senhoras, já idosas, que descem as escadas de ladinho, apoiando na mureta. Um delas desce de costas, segurando na parede e na mureta. Aqui são 20 degraus”, diz o maestro imitando-os na escadaria. “Venham aqui à noite que vocês vão ver. E piora um pouco quando chove, porque a água cai em cima da mureta onde eles apoiam”.
A banda precisa de coisas mínimas
De acordo com a maestro, a Banda Lira do Borá é bem assistida pela Associação e pela Prefeitura. Faltam coisas mínimas, principalmente e acho que é uma prioridade essencial, é a questão do espaço, um local adequado. Precisamos também demais divulgação, propaganda, buscar não apenas alunos interessados em música, como empresas patrocinadoras que podem abater o investimento no imposto de renda, e precisamos também, urgente, de um uniforme para os músicos. O que temos é uma camiseta bem surrada.
Prefeitura dá R$ 18,8 mil
A Banda Lira do Borá tem sua única manutenção através de um convênio entre a Prefeitura e Associação Musical de Sacramento, no valor de R$ 18.800,00, este ano, além do transporte para os músicos, nos dias de apresentação. “A Prefeitura repassa o dinheiro e a Associação me paga. Não tem atraso. Meu vínculo empregatício é com a Associação. Trabalhei esses últimos dez anos com um mesmo salário, ganhando R$ 650,00. Só agora consegui um aumento. Não dava mais para continuar. Tinha outras propostas bem melhores, mas gosto muito de Sacramento e preferi permanecer aqui”, diz o Major ratificando o apelo: “Será que ao completar 50 anos, a Banda Lira do Borá não pode ganhar de presente um belo uniforme? Ela representa a cidade, é um belo cartão de visita”, afirma.
Patrimônio da cidade
O Maestro Paulo Constância, ao terminar a entrevista, revela mais uma vez o seu amor pela cidade. “A Associação está pagando o que pedi, mas eu preciso desse apoio para desenvolver um bom trabalho. Não é pra mim que peço isso, é para a banda. Se não me quiserem podem arrumar outro maestro. Não pensem que quero assegurar meu salário. Sou aposentado, faço isso porque gosto de música, de banda, gosto de ensinar. Não é por mim, que seja outro maestro, mas peço que voltem os olhos para a banda Lira do Borá, para que ela tenha mais dignidade, porque ela é patrimônio da cidade”.
Banda Mirin do Seminário
A Banda Sinfônica João Magnabosco também era regida pelo Major Paulo Constâncio. Mas este ano a Prefeitura não renovou o contrato. De acordo com Frei Ângelo, diretor da casa, o contrato deve ser renovado diretamente com a Congregação Redentorista, que mantém o Educandário do Santíssimo Redentor. “Os freis estão aguardando a resposta do ecônomo da Congregação, o padre Jadir, pra gente começar as aulas. Aí serei contratado pela Congregação. Só que a ideia, agora, é fazer com que todos os alunos da Casa tenham aulas de música, porque até o ano passado só faziam aula, os internos que quisessem. Mas agora, como a aula de Música vai ser obrigatória no currículo escolar, a partir de 2011 (Lei nº 11.769, de 18/08/2008), já vamos colocar no currículo do Educandário, essa é a proposta”, afirma, esperançoso.
A cinquentinha, Banda Lira do Borá
Fundada pelo antigo maestro Triste em 1960, a Banda Municipal, hoje com o nome de Banda Lira do Borá, está completando 50 anos. “A banda foi fundada em 1960, portanto, ela é patrimônio da cidade. Ela já teve altos e baixos pelo que eu sei”, diz Major Paulo, recordando o início do trabalho na cidade. “Quando cheguei aqui, a banda ficava no prédio onde é o Palácio das Artes. O lugar não era grande, mas era aberto, arejado, mas há cinco anos nos colocaram aqui nessa sala”, conta.
Um detalhe que o maestro Paulo Constâncio chama atenção é que a Banda deve estar mais próxima do povo, até mesmo nos seus ensaios. “A Banda deve ficar num espaço onde o público tenha acesso fácil, passa por ali, ouve a Banda, para um pouco, vai ver, se interessa e muitos acabam indo participar. Aqui escondido, não tem como”, afirma.
De 39 para 19 músicos
Segundo o maestro, quando tocavam no Palácio das Artes, a Banda tinha 39 integrantes, hoje tem 19. “O local atraia as pessoas. Ficamos lá seis anos. Em 2006, nos tiraram de lá e nos puseram no camarim aqui da Casa da Cultura, uma sala menor do que a que estamos hoje e ficamos lá, com instrumento e tudo. Aí desocuparam aqui em cima, que era o IEF e nos puseram aqui, escondidos. Ninguém sabe o que é banda, ficamos aqui escondidos. Não tem banheiro, não tem bebedouro, não tem água. Fico com a chave da porta lá embaixo, mas se eu não estiver aqui, não tem como o pessoal usar”, informa.