Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Se está difícil agora, como os produtores vão conseguir bancar a próxima safra?

Edição nº 1130 - 30 Novembro 2008

O produtor rural, Rui Prado (fotos), ex-presidente da Aprosoja, atual presidente da Famato - Federação de Agricultura de Mato Grosso, e primeiro presidente da Câmara Setorial de Soja, criada pelo governo federal, em outubro último, é nosso entrevistado desta edição, para falar sobre a crise no setor agrícola. Entre os assuntos, Prado vai fundo na crise, falando sobre a falta de crédito no setor, o aumento do dólar, a alta dos insumos, os custos da produção... Enfim, Rui Prado enxerga uma luz no fim do túnel? Veja a entrevista, que teve a participação do produtor, José Walter de Oliveira. 

 

ET - Especialistas do agronegócio brasileiro são categóricos em afirmar que haverá uma drástica diminuição de crédito. Comente até que ponto isso afetará a safra de 2008/2009. 

Rui Prado - Isto já é uma realidade. Hoje enfrentando uma grave falta de recursos para financiar as safras de milho, soja e algodão. Essa escassez de recursos poderá acarretar na diminuição da área plantada e na adoção de tecnologia aquém do que seria necessária para atingir altas produtividades. O crédito oficial participa com menos de 10% do volume de recursos necessários para financiar a safra da soja, milho e algodão no estado de Mato Grosso, se houver dificuldades no acesso a crédito, podemos esperar uma retração significativa na área agrícola e na produção de grãos e fibras.

 

ET - O produtor terá fôlego para suportar tal crise, que segundo analistas será duradoura?

Rui Prado - Não, o produtor depende de medidas governamentais imediatas e estruturantes para recuperar sua capacidade econômica. Somente com o produtor capitalizado e com acesso a crédito e com juros adequados, teremos uma situação de maior resistência e preparo para enfrentar crises como a que estamos enfrentando.

 

ET - Dá pra comercializar a atual safra pra bancar a próxima?

Rui Prado - Ainda não, o setor está descapitalizado e adquiriu insumos com preços elevados, ou seja, o custo de produção e um cenário futuro para os preços de commodities estão inseguros. Esta situação nos dá a clara visão de que o produtor não conseguirá bancar a próxima safra com a venda. Em abril de 2009, o produtor vai colher com margens espremidas ou negativas, ainda assim terá que pagar o financiamento da safra, parcelas de dívidas repactuadas e tirar seu sustento para passar o ano. Situação que aflige a todos que querem ver o Brasil produzindo e exportando para o mundo, alimentos com qualidade e gerando saldo positivo na balança comercial.

 

ET - Mato Grosso possui grandes produtores de soja e milho, como eles estão vendo a crise?

Rui Prado - Talvez de uma forma mais preocupada do que os mini e pequenos produtores, porque na escala em que produzem, diante de uma frustração de safra, pode acarretar prejuízos de alta monta. Esses produtores tomam empréstimos com taxas de juros altas e sem uma cobertura de seguro que garanta a rentabilidade. Ou seja, uma atividade de risco, que demanda políticas estruturadas e de longo prazo. Neste momento o produtor está plantando sem saber o que vai acontecer lá na frente, apenas planta porque tem forte vocação para produzir alimentos com qualidade, mas sem nenhuma garantia de rentabilidade.

 

ET - Quando o dólar estava superando a casa dos R$ 3,00 e veio caindo, provocando uma alta nos custos, insumos caros e exportação barata, os produtores lamentaram o dólar barato. Agora, a situação se inverte, o dólar sobe, não seria tudo o que produtor queria há quatro anos atrás? Se os produtos são comercializados em dólar, essa alta não é benéfica para os produtores?

Rui Prado - A situação merece uma reflexão mais profunda. Há um tempo o produtor com dificuldade de crédito pegou dólar emprestado no início de setembro, cotado a R$ 1,67. Hoje ele deve, para cada dólar emprestado, cerca R$ 2,12, ou seja, em menos de 60 dias um aumento de 27%. Em contrapartida, os custos de produção subiram 40%, em função da alta do dólar. A exportação poderia ser favorecida se as cotações nas bolsas tivessem aumentado, coisa que não se confirmou. Então, não se pode afirmar que a alta do dólar ajudou o setor. Por enquanto, apenas refletiu no aumento de custos. Precisamos ver se essa alta se mantém na hora de comercializar a produção, o que, de certa forma, balancearia custo com preço de venda. 

 

ET – Se não se pode afirmar que a alta do dólar ajudou o setor, com o preço da soja não seguindo a valorização do dólar, fica difícil entender o que é o melhor: dólar a R$ 3,00 ou a R$ 1,60? Pode explicar essa afirmação dos analistas e mostrar uma solução do que é melhor?  

Rui Prado - O problema é a situação de grande flutuação do dólar e não o valor nominal das cotações. A situação mais confortável para os produtores e para o mercado é a cotação da moeda americana estar no mesmo patamar, tanto na hora de adquirir os insumos quanto na hora do produtor vender a safra. Do contrário, o setor pode viver momentos extremamente positivos ou muito negativos. Se os insumos forem adquiridos com dólar em alta e a comercialização com dólar em baixa, o quadro pode ser dramático, fazendo com que custo de produção seja maior que o preço de venda, incorrendo em prejuízos para o setor.

 

ET - Qual a expectativa dos sojicultores para a próxima safra, cujo plantio iniciou em novembro?

Rui Prado - O plantio em Mato Grosso iniciou em outubro, com dificuldades de acesso a crédito rural e produtores arrendando terras para grupos mais capitalizados. A expectativa é de insegurança de resultados, situação de inadimplência agravada e crise no setor. O setor agrícola aguarda medidas por parte do governo federal que ampliem a dotação orçamentária para o crédito rural, maior acesso a linhas de crédito oficiais e maior agilidade na liberação desses recursos. 

 

ET - Também estamos sabendo que o senhor será o presidente da Câmara Setorial de Soja, a ser criada em Brasília. Fale para nós qual será a função desta Câmara e o que pode trazer de benefícios ao setor.

Rui Prado - Realmente, foi instituída no mês de outubro, em Brasília, a Câmara Setorial da Soja, a qual assumo a presidência juntamente com outros produtores e líderes políticos. Vejo que canalizar esforços e promover ações que contribuam para o fortalecimento da cadeia produtiva da soja. A Câmara Setorial da Soja constitui-se num importante canal de comunicação com o Ministério da Agricultura, situação extremamente favorável para obter agilidade na condução de pleitos do setor junto ao governo federal. Essa câmara vai analisar todos os elos da cadeia produtiva da soja, desde fornecedores, produção, comercialização, até a industrialização e exportação. Outra função importante, é constituir um fórum de discussões sobre os problemas e gargalos do setor com as principais lideranças no cenário nacional, ampliando a visão sobre as oportunidades e ameaças para a cultura da soja. 

 

“QUE DEUS NOS PROTEJA!!..” - PEDE O PRODUTOR, JOSÉ WALTER 

ET – Como você vê esta crise que apareceu assim do nada, de repente?

José Walter - Com muita preocupação, porque estamos administrando alguns problemas ainda das safras passadas que foram prejudicadas em função de preços baixos e custos altos, além do advento da ferrugem asiática que causou grandes prejuízos nas lavouras em 2005/06 e agora esta crise nos pega em cheio, onde estamos vendo os preços da soja e do milho despencarem ladeira abaixo. 


ET – Ela deve passar logo?

 José Walter - Não. Não vejo nenhuma situação confortável para o produtor em um pequeno espaço de tempo, porque a classe é totalmente desunida e só vai se juntar quando a situação piorar muito, e muitos terem seus patrimônios lapidados pelos credores enquanto que na realidade nós tínhamos tudo para ser o grupo mais forte da nação, porque produzimos mais de 50% da riqueza deste país. Falta-nos liderança comprometida com a classe, lideres capazes de falar aquilo que o governo, empresas e bancos não querem ouvir, atitudes sérias que sejam capazes de mover o produtor, de convencê-lo.


ET – Gostaria de saber ainda sua opinião sobre essas chamadas 'operações casadas', em que os Bancos liberam o crédito, mas “obrigam” o produtor a comprar seguros, capitalizações...?

José Walter – Uma barbaridade. Mostra o que acabei de falar, a desunião da classe, a fragilidade do produtor, mesmo com o crédito escasso , caro e de difícil contratação, quando é contemplado, o homem do campo é "obrigado" a deixar para o banco 10% do valor liberado a titulo de compra de seguros, capitalizações, aplicações em fundos e outras barbaridades, contra sua vontade. E todos sabem e ninguém faz nada, mesmo estando amparado por lei, já que é terminantemente proibido 'operação casada'.

ET – Existe uma manipulação dos oligopólios? A união que falta aos produtores sobra prá eles?

 

José Walter – Sim, todos os demais setores do agronegócio são extremamente organizados em oligopólios, como os defensivos e fertilizantes, que trabalham dentro de uma regra única. Neste último caso, o adubo subiu muito em dólar, com a justificativas de falta de estruturas nos portos, dificuldades de importar matérias primas e, após a maioria absoluta dos produtores terem realizado suas compras para a safra que está em andamento, estamos vendo os fertilizantes caírem de preço, em torno de 30 a 40%, o que prova que tudo é, absurdamente, manipulado e com isto esses oligopólios ganharam uma fortuna de dinheiro em cima de nós, o que torna uma transferência de renda desleal. Que Deus nos proteja!