Década de setenta, a política sacramentana polarizada entre a Arena I e a Arena II. De coadjuvante o MDB. Um bipartidarismo que podia chegar a três sublegendas para cada partido. Política difícil de explicar, mas mais autêntica que a atual, de inexpressivos partidos e mais inexpressivos políticos. O cargo de vereador não era remunerado e a qualidade da Câmara Municipal era de invejar. Estávamos em pleno regime militar.
A democracia era relativa, mas havia nomes e grandes homens que a honravam. Nosso Walmor, para realizar um projeto meticulosamente planejado e parcamente patrocinado pelas economias da fase de bancário que viveu (sim, o Walmor foi funcionário do Banco do Brasil), partia para um giro cultural pela Europa.
O Estadinho era mensal. Pouco antes da partida, fui convidado a “tocar” o jornal enquanto a viagem durasse. Toda experiência que eu tinha fora adquirida no Kyrie, um jornal criado pelo prof. Walmor, no ano anterior, na nossa classe do 2º Colegial. Não sei quem teve a atitude mais temerária, se ele em me convidar ou eu por aceitar.
E vai para o prelo a edição sob minha responsabilidade. Na pauta, ainda, duas notas deixadas pelo nosso editor, criticavam a administração do então prefeito, o fazendeiro Hugo Rodrigues da Cunha, hoje reconhecido como um político que marcou a administração pública da cidade pela boa gestão que legou.
Na coluna A Voz do Povo, o primeiro texto afirmava que “a nova praça do Chafariz levou o apelido de 'Bidê de Elefantes', porque contrariou a vontade do bairro, que queria ali um chafariz”. A outra, informava a construção da Escola Técnica de Comércio no meio da praça da Gameleira. Criticando a ocupação do espaço público, o jornal bradava: “É o cúmulo! Chega de tantos erros!!”
Era um sábado à tarde, no escritório de meu pai, eu preparava a distribuição daquela edição. Montes de jornais esparramados pelas mesas do escritório quando o prefeito Hugo, estimado compadre de meu pai, entrou e externou sua ojeriza pelo tom das críticas estampadas no jornal. Para mim foi um grande espanto, ainda mais quando concluiu afirmando que se eu voltasse a publicar matérias com o mesmo tom, eu comeria um exemplar inteiro do jornal. Sem tempero.
O espanto virou horror. Restou ligar para o Ariston Timóteo, em Conquista - companheiro do Walmor na fundação do jornal e autor de uma das mais criativas colunas que este jornal já teve, assinada com o pseudônimo, Beduino Nuporanga - e pedir ajuda, receoso de uma futura indigestão. A partir de então, o Ariston, que andava distante do jornal, voltou a participar diretamente nas edições seguintes.
O jornal era impresso em Uberaba e o balanço financeiro francamente deficitário. Aqui é que entram duas figuras que asseguraram e seguraram a circulação do Estado do Triângulo: a Sônia Borges e o Pe Gil. Os patrocinadores eram poucos e a receita do jornal era completada pelos editais de proclama. E faltava dinheiro. Em quase todas as edições daquele período, tanto a Sônia quanto o Pe Gil contribuíram, e muito, com recursos próprios para que o Estadinho circulasse.
Para alegria nossa e fim do sufoco, nosso editor retorna depois de um banho de cultura. E foram mais de seis anos de convivência maravilhosa com a turma do Estadinho. Coberturas marcantes, como a visita do governador Francelino Pereira à Usina Mendonça, em Conquista, que inaugurara há pouco a primeira destilaria de álcool combustível em Minas Gerais. O Dia de Campo com o ministro da agricultura, Amaury Stábile, que não sabia o que era um arado. Não bastasse essa, perguntou ao então prefeito de Conquista, Chiquinho Zago, que espécie de café era aquela, apontando para uma plantação de mamona.
Memoráveis, a primeira visita de retorno do Lima Duarte a Sacramento, para a entrega do troféu às Personalidades do Ano, evento que movimentava a sociedade; a de Elke Maravilha a Sacramento, avançada demais para a época (em uma de suas vindas a Sacramento foi ao velório do ex-prefeito José Sebastião, espalhafatosamente loira, batom verde combinando com as botas da mesma cor, que iam acima do joelho, e bata enorme que se encontrava com o cano das botas). Ou ainda, as visitas de Márcia de Windsor, Rolando Boldrin... Enfim, foi um período de contínua e prazerosa atividade.
A coluna Lero Lero Social substituiu a Objetiva. Os bailes dos brotos, das debutantes, os desfiles de moda, os carnavais do Sacramento Clube e os de rua, as Personalidades e os Destaques do ano, os concursos de Miss Minas Gerais, casamentos badalados, bebês colunáveis, tudo era reportado em notas que enchiam uma página. Muito texto e poucas fotos, os clichês custavam caro. Em volta de cada evento corriam muitas atividades paralelas. Recepções oferecidas pelas patronesses e convidados de honra, passeios a Jaguara, ensaios. Muita curtição.
Nem só de alegria vivemos a história do Estadinho. O episódio da arbitrária prisão do jornalista Walmor, no início de 1976, marcou Sacramento. O pretexto da prisão, a pichação da Escola Coronel onde era professor, na qual não teve participação, retaliava o posicionamento político do jornal. Foram três dias de intensa apreensão e de outras prisões. Batalhão de soldados marchando pelas ruas, viaturas policiais em velocidade, missa lotada, a cidade em alerta e uma crônica marcante no retorno. Naquele ano Walmor foi eleito o vereador mais bem votado, proporcionalmente, em toda a história do legislativo sacramentano.
O Estado do Triângulo é o mais longevo órgão de imprensa de Sacramento e um registro pulsante da história das últimas quatro décadas desta cidade. Muitas vezes nos alegramos juntos, choramos juntos, nos decepcionamos juntos com a história viva gravada nas páginas deste jornal. Certa vez, o ilustre Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, participando em cerimônia na Câmara Municipal, citou o Estado do Triângulo como “...um cordão umbilical que nos mantém ligado a esta terra...” expressando um sentimento que todos nós, compelidos a deixar o nosso chão natal, tomamos como nosso. Cada edição do Estadinho nos mantém ligados à terra sacramentana, numa simbiose tão desejada, fertilizando as raízes e mantendo vivos os laços aí deixados.
Enfim, a cassação do título de Utilidade Pública, que garantia alguma verba para a manutenção do jornal, a falta de recursos, a ocupação e as múltiplas atividades de nosso editor não interferiram para a continuidade deste empreendimento. E hoje o Walmor se confunde com o próprio jornal e o jornal com ele. Edição semanal, muitas fotos, primorosas diagramação e edição, muitas páginas, boas matérias, entrevistas marcantes, novos colaboradores – onde destacam a Maria Elena, a secretária Flaviane, nossa Rutinha e Manja com a publicidade.
E o cordão umbilical chamado O Estado do Triângulo, continua ligando sacramentanos mundo afora, pela palavra escrita, inquieta, que não consegue e nem pode parar.
Alberto de Souza foi Redator Chefe deste jornal, de 1975 a 1981, e, hoje, diretor presidente do Laboratório Farmacêutico Elofar