Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Almir Afonso de Almeida: O 'noventão', Nenê do Açougue

Edição nº 1583 - 11 de Agosto de 2017
Almir Afonso de Almeida, para a geração mais idosa, conhecido como Nenê do Açougue, completou 90 anos, no   dia 27 de julho e comemorou a data com a família,  a esposa Aparecida Miranda, os filhos,  noras, genros netos e bisnetos com um almoço na Gruta dos Palhares, muita alegria e muitas ações de graças pela bela idade conquistada, cheio de vida, alegria e, claro, um bolo com 90 velinhas... Terceiro filho do casal  de fazendeiros, Alaor Afonso de Almeida e Maria Alves de Almeida, Nenê cresceu ao lado dos irmãos Adail (Bernadete), Ari (Odete), Maria de Lourdes (Geraldo), Antonio (Raquel), Célia (Pedro) e Maria Abadia (Luiz Antonio). A família tem história na cidade, primeiro, o pai Alaor era sobrinho do Coronel José Afonso de Almeida, Nenê, portanto, é sobrinho-neto do coronel, ex-prefeito da cidade; segundo, por serem comerciantes de gado e mais tarde proprietários do Açougue 
Na. Sra. da Abadia, por vários anos, o único da cidade. Em 2015 recebeu do ex-prefeito Bruno Cordeiro, a Medalha da Ordem de Na. Sra. do Patrocínio do Santíssimo Sacramento. Cheio de memória, ele recordou um pouco de sua vida com o amigo e jornalista Walmor Júlio.
ET - Sacramentano da gema, Nenê, há 90 anos?
Nenê - Não, nasci na Conquista, na fazenda do meu avô, Antônio Ferreira da Cunha, onde meus pais moravam depois de casados, mas fui registrado em Sacramento. Algum tempo depois, meus pais foram morar na Rifaininha, onde adquiriram uma propriedade e ali permaneci com os irmãos até a idade escolar, a partir do Ginásio (5º ao 9º ano), porque os quatro primeiros anos escolares, vínhamos todos a pé da Rifaininha, mais ou menos uma légua (6 km) estudar na cidade, no Grupão (EE Afonso Pena Jr). Dona Jandira Cordeiro foi minha primeira professora. Lembro até hoje de alguns colegas, o Amir Ribeiro, Paulinho do Tofe, a Terezinha Bonatti, Terezinha Jerônimo,  Eulices Gobbo...
ET - E na roça, como foi até o início aí da adolescência?
Nenê - Não era moleza, não. Quando estávamos na roça, não era só estudar, não. Ajudava meu pai nas lidas da fazenda, puxava o cavalo na carpideira, carreava, tratava dos porcos, tirava leite... Era um tempo muito bom. 
ET - Concluindo o Primário, foi estudar no Ginásio da Escola Normal de Sacramento?
Nenê - Não, meus pais me enviaram para o Colégio Champagnat, em Franca, uma escola dos maristas, fundada em 1917 e referência na época, onde estudaram muitos sacramentanos. Mas fiquei pouco tempo, não estudei, nada, não, era só farra. Meu pai foi me buscar, falei que não queria estudar e aí fui trabalhar com ele no que chamam hoje de 'agronegócio', vendia gado, vendia leite, lenha, ajudava meu pai em tudo. Mas ainda tentei estudar, fui estudar particular com dona Aracy Pavanelli, mas também abandonei.
ET - Pela sua idade, quando você negociava gado com seu pai, deve ter passado pela crise do Zebu... Tiveram prejuízo?
Nenê - Sim, todos passamos, mas como não negociávamos com grandes boiadas, não tivemos prejuízos.
ET - E a história de você ter ido para o Mato Grosso negociar tourinho?
Nenê - Então, papai negociava gado, a gente viajava muito para Araxá, Uberaba, Franca, tudo a cavalo, levando gado. Até que um dia eu encontrei o Toninho Abrate, irmão do Tomás, que morava em Campo Grande (MS) que comercializava tourinhos do Rio Grande do Sul e eu fui pra lá, fui com o Bigico, peão de boiadeiro.  O Macalé, seu filho, era moleque. E foi aí que veio a crise, no começo dos anos 40... Voltei para Sacramento e continuei com meu pai negociando gado. 
ET - Começo dos anos 40, você tinha 20 e poucos anos... Quando conheceu a Profa. Maria Aparecida Miranda?
Nenê - A Aparecida era estudante e nós já éramos conhecidos e muito amigos, até que um dia decidi. E foi através de um pedido indireto de namoro, e que depois neguei, falei que era mentira. Foi assim. Eu pedi a uma amiga da Cida, a Leosina, para perguntar se ela queria me namorar. Quando ela veio falar comigo, eu disse que era mentira da Leosina, que não havia feito pedido nenhum. Mas, pouco tempo depois confirmei e nos casamos sete meses depois, em 1949. 
ET - E logo vieram os filhos?
Nenê - Sim, hoje todos aí, espalhados, mas todos presentes em nossa vida nas datas especiais e férias, ora um, ora outro...  Mas na festa dos 90, estavam todos lá, nossa primogênita é a Maria Augusta (Alencar, de saudosa memória), Amir (Lucy), Maria Elisa (José Bonifácio), Paulo Roberto (Maria Tereza), Tomaz de Aquino (Rosângela), Maria Helena (Cesário), Maria Cândida (Vanderlei) e Maria Amélia, que nos deram 19 netos e dez bisnetos. 
ET - Casado, filhos nascendo, você parou de viajar e abriu um açougue. Foi daí que veio o apelido 'Nenê do Açougue'?
Nenê - O apelido, sim, éramos os dois irmãos, o Nenê do Açougue e Tunim do Açouge. Mas a história começa antes. Como eu disse, quando eu negociava gado com papai nós vimos essa possibilidade de abrir um açougue, comércio meio raro na época, porque quase toda família tinha no fundo do quintal um chiqueirinho pra criar o seu porco.  O Chico Pinheiro, pai do ex-prefeito Joaquim, tinha um açouguezinho na Visconde do Rio Branco e resolveu vender, oferecendo pro papai, que comprou. Fechamos o negócio, mas ele ficou ainda uns tempos me ensinando o ofício de açougueiro. Dali nos mudamos para a av. Benedito Valadares, bem ali na praça, em frente a Prefeitura, num comodozinho daquele prédio da esquina, onde hoje é a Ótica Alves, com frente para a avenida. Foi ali que inauguramos o Açougue Nossa Senhora da Abadia. Meu irmão Tunim e eu éramos  sócios. Era um comodozinho mesmo, não tinha nada, mas depois de uns quatro anos, em 1949, o papai comprou o prédio do Mário Bessa, na Benedito Valadares, levamos o açougue pra lá e ali permanecemos 40 anos. 
ET - Naquele tempo, não me lembramos de outro açougue na cidade... o Açougue Na. Sra. da Abadia era o único?
Nenê - Por muitos anos, quase sempre, fomos exclusivos... porque abria um, fechava; abria outro, fechava e nós lá, firmes. Mas depois vieram outros açougues e casas de carne, como passaram a se chamar e que estão aí até hoje, como grandes casas comerciais que, de minha parte, merecem todo respeito e elogio. Mas foi um tempo próspero, muito bom. Tunim e eu fizemos a vida ali, educando nossos filhos, construindo nossas casas. Vendia demais, mas tinha muito fiado. Levei muito prejuízo com fiados, levei calotes de muita gente aqui.  
ET - Como as carnes eram vendidas, os tipos de carne, de gado, de porco, frango e como eram embaladas para os clientes?
Nenê - A vigilância sanitária ficava por nossa conta, éramos os responsáveis pela limpeza do açougue. Embora as carnes ficassem ali dependuradas naqueles ganchos, era tudo muito limpinho... Depois vieram as geladeiras, bem grandes que conservam as carnes que sobravam para o dia seguinte. Os tipos de carne, não tinha essa coisa de picanha, não, vendíamos as carnes como de 1ª, 2ª e de 3ª, que era a capa de costela. A de 1ª era o filé... O que vendíamos muito no açougue era a banha de porco, a manteiga animal, substituída anos depois pelos óleos vegetais. A manteiga de banha era muito vendida.  Fornecíamos  o Grande Hotel Hidrominas, de Araxá, que encomendava 50 latas de banha; 60 a 100 quilos de linguiça.
ET - Pra fazer todo o esse serviço, vocês tinham vários funcionários?
Nenê - Ah, sim, pois era uma trabalheira... Descarnar, moer, fritar banha... E o pior a energia de Sacramento vinha da Usina Cajuru, que não suportava a demanda. Eram casas demais com pouca força. A maioria das vezes moíamos as carnes em máquinas manuais pra atender os fregueses, pois a energia não girava as máquinas. As geladeiras, por exemplo, eram só ligadas à noite. Trabalhávamos pesado, eu, Alexandre, Beca, Sebastião Nortista, os irmãos Eurico e Alder, o Valminor, o Venerando, que era o fritador de banha, mas teve muito mais gente ainda. Depois que a cidade dormia, eu ia lá e ligava a geladeira, no outro dia cedo tinha que desligar para funcionar as outras máquinas. 
ET - E como funcionava o comércio da compra da carne bovina e suína para abate?
Nenê - Era uma facilidade comprar qualquer tipo de carne no município, havia porcos e gado à vontade, sem nenhuma interferência das autoridades. As casas todas tinham chiqueiro e era tudo porco caipira, uma carne saborosíssima, bem diferente desses porcos de granja, isso é novo... O gado chegava tocado, o Matadouro, não tinha esse negócio de transporte, não. Havia um 'boi madrinha', o Bonito, muito manso e ensinado, que ajudava no gado mais difícil. Interessante que esse boi, logo depois do serviço, à tardinha, ele era solto no Matadouro, que funcionava ali nos fundos do Almoxarifado da Prefeitura, e voltava sozinho lá para o pasto da Prefeitura, perto do campo de aviação. 
ET - E o famoso Carroção? Também fez história, não?
Nenê - Se fez!! Mas veja, eles podiam falar do velho carroção, mas era limpinho, lavado todos os dias, logo depois da entrega das carnes. Após o abate, as carnes eram dependuradas nele, cabiam ali, mais ou menos, .seis reses ou mais. O carroção era puxado por dois bois, também muito mansos, o Bordado e o Sereno. E do açougue para as casas dos clientes, as carnes eram transportadas em gamelas, nas costas dos entregadores. Depois, papai comprou uma charrete e adaptou um latão... Papai entregou muita carne de charrete. Já no balcão, as carnes eram enroladas em papel de embrulho. comum, existente na época, e um outro embrulho por fora, com jornal. Eu passava toucinho no papel  para a carne não pregar. Esses papeis acetinados, plastificados é coisa de hoje. Não existiam, não. 
ET - Sabemos também que vocês tiveram uma vida social intensa, naqueles bons tempos do Sacramento Clube, anos 60... É mesmo, dançaram muito iê-iê-iê?...
Nenê - Ih!!! Dançamos muito iê-iê-iê, iá-iá-iá... tínhamos mesa cativa no Sacramento Clube. Qualquer baile anunciado, a mesa 80 era nossa, reservado para os casais, Almir e Aparecida e Onobuge e Maria. Entrando no salão, lado direito da pista, mais ou menos no meio... “onde podíamos ver todas as meninas passando', dizia o Onobuge (risos). No Grupão, Aparecida foi também uma grande professora. Enfim, participávamos da vida da cidade, pertencíamos ao Lions Club, que promovia ações beneficentes em prol das entidades... - completado por Aparecida: “Quando surgiu o carnaval de rua em Sacramento, criamos o Bloco dos Ciganos, com participação de toda a família, filhos, netos e amigos. Fomos, sim, um casal muito feliz, com direito a férias anuais nas praias ao lado dos filhos... Só que com dois de cada vez, não dava pra levar os oito...” (risos).
 
ET - Bom, depois de 40 anos vendeu o Açougue... Isso foi, então, em 1985...
Nenê - Exatamente, no mesmo ano em que Cida e eu celebramos também 40 anos de casados. Vendi para o Lemir, filho do Langerton Feliciano de Deus, como dizíamos na época, 'de porteira fechada', o prédio e o que tinha dentro, máquinas, geladeiras e tudo mais.  A praça já não estava tão boa... E com Aparecida já aposentada, nos mudamos para Brasília, onde abrimos um açougue, mas ficamos ali por apenas sete meses, para nos transferirmos para Santo André (SP), onde morava minha filha, Maria Augusta. Já não abri estabelecimento, trabalhava em casa fazendo linguiça, temperando carnes, enfim, atendendo a freguesia. Além disso, ajudava a Dudu levando e buscando meus netos na escola. E foram sete anos, assim, um tempo muito gostoso, também... 
ET - Mas você já era aposentado?
Nenê - Não, não era não. Eu só me aposentei quando voltei de Santo André para Sacramento, em 1993. Eu tinha 76 anos.
ET - Caraca! Nesse tempo aí, nem o Temer, com essa aposentadoria que está propondo... (risos)
Nenê - Então, estão falando que vão ser 49 anos de contribuição para aposentadoria integral!! De 1949 a 1985, eu tinha 44 anos de serviço, só no Açougue Na. Sra. da Abadia e mais oito como autônomo. Sem considerar todo o trabalho feito antes com meu pai. Por isso dou graças a Deus por ter chegado aos 90 anos, até bem de saúde, cabeça boa... Estou muito feliz! Se eu olhar para trás, tenho muito a agradecer, pela minha vida, minha família, pela Aparecida, minha companheira de todas as horas durante 68 anos. Pelos oito filhos que criamos, os netos, bisnetos. Agradeço, enfim por tudo que conquistei, construí e vivi, o tempo e o trabalho, mas tudo passou muito rápido. (Ao lado, participando de toda a entrevista, mais como ouvinte, a esposa Aparecida completa:) “É verdade, tivemos uma vida muito boa, muito feliz”. 

ET - Fora os milagres que aconteceram na sua vida, não é mesmo Nenê? Nesse a que me refiro eu estava lá, e sempre me pergunto: Como é que uma perua capota várias vezes com 14 pessoas dentro e apenas uma se machuca? Eu me lembro que íamos para Jaguara, variante cascalhada, quando passávamos ali naquele trecho entre o Motel e aquela fazendinha à direita, a Aparecida chamou sua atenção: “Almir, você está correndo demais!!” – “Ora, mulher, que bobagem!”. Nesse instante, você perdeu o controle e lá fomos nós rodando até quase chegar ao paiol da fazenda... Lembra?
Nenê - Claro, como é que se esquece um fato daquele? Estava fazendo minha primeira viagem com uma perua Rural Willis, zero Km, que havia adquirido em troca de um Jeep. Éramos 17, 14, não... Éramos eu e toda minha família, dez pessoas; alguns dos filhos do Onobuge, o Efrém e você... Só no porta-malas tinha uns oito...  Quando a Aparecida me alertou, acostumado com o freio do Jeep, que precisava dar duas bombadinhas para frear, quando eu pisei no pedal, a perua derrapou e lá fomos nós... Meu Deus, um milagre mesmo. Ainda hoje vejo nos sonhos a perua tombando e a gente lá... Ela ficou toda amassada, de todos os lados... Agradeço sempre por aquele dia, a mão divina, a mão de Nossa Senhora da Abadia nos protegeu. 
ET – Amém!